segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Formação das Almas


Resenha: Formação Das Almas – O imaginário da Republica do Brasil. José Murilo de Carvalho.
Por Lucas Rossiter de Miranda Coelho*


Fazendo um rápido apanhado do texto, vimos que José Murilo de Carvalho, tenta representar um período de inquietação social no Brasil, a passagem do Império para República, mostrando como foram as tentativas dos republicanos em criar arcabouços, alegoria e símbolos que legitimassem o “novo cenário” brasileiro. Essa tentativa de legitimação ou justificativa ideológica do novo regime é uma forma de acalentar as massas, formando a alma da jovem Republica brasileira.
A criação de uma gama de mitos, heróis, hinos e bandeiras surgiram no final do século, cujo grande intuito era a luta pela conquista do imaginário popular republicano. É possível entender que a busca por legitimação, visava a exarcebação da “política” brasileira, que sempre evitava choques e tensões, algo perfeitamente definido na “ORDEM e PROGRESSO”. É o espirito conciliador que defendem Rodrigo Patto e Roberto da Matta.
Falando sobre a criação dos mitos, heróis, vemos um braço interessantíssimo do texto de José Murilo, diferente das outras republicas nosso herói, nosso mito não aparece naturalmente “do seio do povo” é algo que precisa ser criado, construído, legitimado como ídolo. Após “uma batalha” entre os candidatos, se assim podemos dizer, o “vencedor” foi Tiradentes, que representava o tipo de governo que se queria implantar, calmo, pacifico, cristianizado e ainda representava Minas Gerais, que seria uma pequena representação da nação que se pretendia, na visão do autor, uma região prospera e no centro do Brasil, em detrimento a Frei Caneca e “seu Nordeste decadente”.
A primeira grande discussão nasce ai, na criação do herói, é possível pensar rapidamente: Por que não Deodoro? E ai o autor nos responde: “era militar demais para que pudesse ter penetração mais ampla”. Nesse tema do Herói nasce uma batalha da memória. Como manipular a memória para construir um Herói compatível com o governo que se pretendia? É interessante a forma como Tiradentes foi sendo reconstruído e relembrado no imaginário da época, a forma como ele vence a disputa com Frei Caneca. Deixo aqui um ponto curioso (pelo menos para mim): . Era a celebração da paixão (Cadeia Velha), morte (praça Tiradentes) e ressureição (Itamaraty) do novo Cristo. Em celebrações posteriores, acrescentou-se ao final do desfile uma carreta para lembrar a que, em 1792, servira para transportar o corpo da “santa vítima” após o enforcamento. Era o “enterro” da nova via-sacra.”³
Dessa passagem é notável o termo: “novo Cristo” deixando claro a mim o ponto principal para a “vitoria” do Tiradentes.
Me prendi totalmente a discussão da criação do Herói, é um dos pontos mais notáveis sobre a manipulação e criação de uma memória legitimadora para a Republica, mas não é o único ponto. No cardápio de opções republicanas vimos 3 principais as quais não vou me aprofundar:
“pelo menos três modelos de república à disposição dos republicanos brasileiros.  Dois deles, o americano e o positivista, embora partindo de premissas totalmente distintas, acabavam dando ênfase a aspectos de organização do poder.  O terceiro colocava a intervenção popular como fundamento do novo regime, desdenhando dos aspectos de institucionalização.”
A formação da nossa república não se prendeu a briga desses 3 modelos, a grande sacada da obra é a forma como os modelos tentavam legitimar-se perante as almas da sociedade brasileira. O modelo “vitorioso” foi o liberal à brasileira que apesar de “americano” teve que se adaptar para se consolidar no nosso regime.
Outro ponto importante, fugindo um pouco da resenha da obra, é a questão de como a historia congela fatos, de como a História “oficial” apaga vertentes, ai a obra de José Murilo tem sua diferenciação, demonstrando a luta das outras vertentes, ou apenas demonstrando a presença de outras ‘opções’ no Brasil.
A forma como cada pessoa cria uma leitura, ou releitura de determinada obra ou fato histórico é interessantíssima, até mesmo uma simples resenha revela a forma como cada historiador observa e priorizam fatos e temas, eu me “encantei” com a forma com que foram criados os heróis, com a disputa entre as três vertentes, e como dizia José Murilo:  Emerge daí uma batalha simbólica “em torno da imagem do novo regime, cuja finalidade é atingir o imaginário popular para recriá-lo dentro dos valores republicanos”¹.
Essa recriação de um imaginário, essa formação de almas é um tema de estudo bem levantado por José Murilo, que é uma continuação de uma grande duvida levantada pelo seu outro texto: Os Bestialiazados, que levanta a questão da participação popular na república sob uma nova ótica.
É interessante ver que nós que fazemos a historia devemos ter essa incumbência de tentar desnaturalizar alguns ‘fatos’ que vem sendo congelados anos após anos, é também buscar entender e estudar quais posições foram deixadas de lado e por quais motivos durante os anos, não é nossa função engolir tudo que nos é mostrado como única opção. José Murilo nos tira dessa zona de conforto com suas obras – Bestializados e Formação das Almas -  trazendo discussões e mostrando caminhos que diferem dos que nos acreditávamos entender, junto a esses dois trabalhos está o trabalho de “ler” a historia por meio dos arcaicos livros didáticos e termos a compreensão de como o ensino de História acaba por restringir a nossa própria História.



Bibliografia:
1.                               SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. Culturas Políticas na História: Novos Estudos. Belo Horizonte, 2009
2.                              2.       CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da república do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 1990
3.                              CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo, Companhia das Letras

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