Resenha:
Formação Das Almas – O imaginário da Republica do Brasil. José Murilo de
Carvalho.
Por
Lucas Rossiter de Miranda Coelho*
Fazendo
um rápido apanhado do texto, vimos que José Murilo de Carvalho, tenta representar
um período de inquietação social no Brasil, a passagem do Império para
República, mostrando como foram as tentativas dos republicanos em criar
arcabouços, alegoria e símbolos que legitimassem o “novo cenário” brasileiro.
Essa tentativa de legitimação ou justificativa ideológica do novo regime é uma
forma de acalentar as massas, formando a alma da jovem Republica brasileira.
A
criação de uma gama de mitos, heróis, hinos e bandeiras surgiram no final
do século, cujo grande intuito era a luta pela conquista do imaginário
popular republicano. É possível entender que a busca por legitimação, visava a
exarcebação da “política” brasileira, que sempre evitava choques e tensões,
algo perfeitamente definido na “ORDEM e PROGRESSO”. É o espirito conciliador
que defendem Rodrigo Patto e Roberto da Matta.
Falando
sobre a criação dos mitos, heróis, vemos um braço interessantíssimo do texto de
José Murilo, diferente das outras republicas nosso herói, nosso mito não
aparece naturalmente “do seio do povo” é algo que precisa ser criado, construído,
legitimado como ídolo. Após “uma batalha” entre os candidatos, se assim podemos
dizer, o “vencedor” foi Tiradentes, que representava o tipo de governo que se
queria implantar, calmo, pacifico, cristianizado e ainda representava Minas Gerais,
que seria uma pequena representação da nação que se pretendia, na visão do
autor, uma região prospera e no centro do Brasil, em detrimento a Frei Caneca e
“seu Nordeste decadente”.
A
primeira grande discussão nasce ai, na criação do herói, é possível pensar
rapidamente: Por que não Deodoro? E ai o autor nos responde:
“era
militar demais para que pudesse ter penetração mais ampla”. Nesse tema do Herói
nasce uma batalha da memória. Como manipular a memória para construir um Herói compatível
com o governo que se pretendia? É interessante a forma como Tiradentes foi
sendo reconstruído e relembrado no imaginário da época, a forma como ele vence
a disputa com Frei Caneca. Deixo aqui um ponto curioso (pelo menos para mim): . Era a celebração da paixão (Cadeia Velha),
morte (praça Tiradentes) e ressureição (Itamaraty) do novo Cristo. Em
celebrações posteriores, acrescentou-se ao final do desfile uma carreta para
lembrar a que, em 1792, servira para transportar o corpo da “santa vítima” após
o enforcamento. Era o “enterro” da nova via-sacra.”³
Dessa passagem é notável o termo: “novo Cristo” deixando
claro a mim o ponto principal para a “vitoria” do Tiradentes.
Me prendi totalmente a discussão da criação do Herói, é um
dos pontos mais notáveis sobre a manipulação e criação de uma memória legitimadora
para a Republica, mas não é o único ponto. No cardápio de opções republicanas
vimos 3 principais as quais não vou me aprofundar:
“pelo menos três modelos de
república à disposição dos republicanos brasileiros. Dois deles, o americano e o positivista, embora
partindo de premissas totalmente distintas, acabavam dando ênfase a aspectos de
organização do poder. O terceiro colocava a intervenção popular como
fundamento do novo regime, desdenhando dos aspectos de institucionalização.”
A formação da nossa república não se prendeu a briga desses 3
modelos, a grande sacada da obra é a forma como os modelos tentavam
legitimar-se perante as almas da sociedade brasileira. O modelo “vitorioso” foi
o liberal à brasileira que apesar de “americano”
teve que se adaptar para se consolidar no nosso regime.
Outro ponto importante, fugindo um pouco da resenha da obra,
é a questão de como a historia congela fatos, de como a História “oficial”
apaga vertentes, ai a obra de José Murilo tem sua diferenciação, demonstrando a
luta das outras vertentes, ou apenas demonstrando a presença de outras ‘opções’
no Brasil.
A forma como cada pessoa cria uma leitura, ou releitura de
determinada obra ou fato histórico é interessantíssima, até mesmo uma simples
resenha revela a forma como cada historiador observa e priorizam fatos e temas,
eu me “encantei” com a forma com que foram criados os heróis, com a disputa
entre as três vertentes, e como dizia José Murilo: Emerge daí uma batalha simbólica “em
torno da imagem do novo regime, cuja finalidade é atingir o imaginário popular
para recriá-lo dentro dos valores republicanos”¹.
Essa recriação de um imaginário, essa formação de almas é um
tema de estudo bem levantado por José Murilo, que é uma continuação de uma
grande duvida levantada pelo seu outro texto: Os Bestialiazados, que levanta a
questão da participação popular na república sob uma nova ótica.
É interessante ver que nós que fazemos a historia devemos ter
essa incumbência de tentar desnaturalizar alguns ‘fatos’ que vem sendo
congelados anos após anos, é também buscar entender e estudar quais posições
foram deixadas de lado e por quais motivos durante os anos, não é nossa função
engolir tudo que nos é mostrado como única opção. José Murilo nos tira dessa
zona de conforto com suas obras – Bestializados e Formação das Almas - trazendo discussões e mostrando caminhos que
diferem dos que nos acreditávamos entender, junto a esses dois trabalhos está o
trabalho de “ler” a historia por meio dos arcaicos livros didáticos e termos a
compreensão de como o ensino de História acaba por restringir a nossa própria História.
Bibliografia:
1.
SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. Culturas Políticas
na História: Novos Estudos. Belo Horizonte, 2009
2.
2. CARVALHO, José Murilo. A Formação das
Almas: o imaginário da república do Brasil, São Paulo,
Companhia das Letras, 1990
3.
CARVALHO, José
Murilo de. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo, Companhia das
Letras
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