Resenha do livro “A Formação das almas: o imaginário da República no Brasil”, de José Murilo de Carvalho.
Por Geraldo Candido Neto
Em seu livro “A Formação das almas: o imaginário da República no Brasil” [1],
José Murilo de Carvalho busca essencialmente uma análise sobre os primeiros
anos da República e como aconteceu a imposição desse novo regime, um período conturbado
de transição em que o país saía da monarquia e passava para o poder republicano,
evento que não atingia todas as esferas sociais da mesma forma, já que boa
parte da população era alheia à política.
Carvalho prioriza bastante nos seus estudos temas como o
imaginário da sociedade, e se debruça justamente sobre isso em “Formação das
almas” para trabalhar como esse imaginário popular foi sendo construído, e
muitas vezes forjado, durante o período da República. Ele elenca alguns mitos,
heróis e símbolos que foram construídos e impostos à nação como forma de
legitimar quem foram os verdadeiros defensores ou criadores da República,
fomentando inúmeros debates sobre o episodio da Proclamação e seu desdobramento.
O autor discorre nos seis capítulos do livro como foi elaborada essa
manipulação para infligir um modelo de República ao povo, um jogo de poder
feito principalmente pelas elites para a imposição de uma ideologia que
sintetizasse o ideal de república que deveria ser seguido.
No primeiro capítulo “Utopias Republicanas”, por exemplo, o
autor apresenta como essa disputa de ideologias era presente entre aqueles que
detinham o poder, e exemplifica através de Benjamin Constant duas correntes que
defendiam diferentes visões sobre a liberdade no contexto da modernidade.
Apesar de historiador por formação, José Murilo de Carvalho consegue se
desvencilhar de uma linguagem estritamente acadêmica, o que torna seu trabalho
acessível a qualquer tipo de leitura; por isso alcança sucesso também entre o público
em geral (ou não acadêmico), pois consegue exemplificar de maneira objetiva e
clara o conteúdo da sua análise. Assim, de forma bastante lúcida, ele explica
como esses conceitos de liberdade são trabalhados e quais os modelos
ideológicos são importados para formar a nossa ideia do que seria República, ou
de como seria a liberdade nessa República. O liberalismo americano e o
jacobinismo francês, como aponta o autor, são amplamente discutidos nesse
período, debates limitados aos círculos intelectuais que trabalhavam maneiras
de infundir essas ideologias numa população praticamente ausente dos
acontecimentos políticos.
Ele traça esse caminho também para questionar as visões de
República no momento da Proclamação, ou, como ele próprio coloca, das
Proclamações, evidenciando os mitos criados em torno do 15 de novembro de 1889
com o intuito de privilegiar determinadas ideologias políticas que deveriam ser
exaltadas nesse momento de criação da República. A importância dada a
determinados fatos e principalmente a certos personagens são problemas que
surgem desde os primeiros momentos da Proclamação, como Carvalho coloca, era
preciso definir e solidificar uma memória sobre esse evento e propalar como
verdade àqueles que apenas observavam tudo “bestializados” e sem participação
efetiva, o povo.
O povo, tratado como coadjuvante durante todo episódio, era
o principal alvo dessas simbologias fabricadas, recebiam esses mitos e heróis
construídos como figuras do novo regime. Assim foi o caso de Tiradentes,
escolhido para ser o personagem que serviria de herói da República, papel que
carecia de atores, já que outras figuras não preenchiam os anseios coletivos
para essa posição. Essa mistificação em torno de Tiradentes foi justamente uma
ferramenta para aproximá-lo ainda mais do povo, criando essa aura mítica
carregada de referências cristãs.
A escolha dos símbolos oficiais também foi marcada por
disputas ideológicas, como no caso da bandeira, por exemplo, onde prevaleceu o
modelo positivista em detrimento do modelo que copiava a bandeira
norte-americana.
Carvalho aponta os
esforços positivistas para a implantação não só desses elementos, como a
bandeira ou o hino, inerentes a qualquer Estado, mas também durante todos os
embates ideológicos, sendo positivistas ortodoxos os mais esforçados em erigir
símbolos e mitos que representassem essa nova ordem republicana que se
instaurava no país. Hobsbawm afirma que “Em tempos de Revolução nada é mais
poderoso do que a queda de símbolos” [2], e
tão poderoso quanto a queda é a construção destes, principalmente quando
responsáveis por erguer todo um imaginário numa Nação.
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