segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Formação das Almas


Resenha do livro “A Formação das almas: o imaginário da República no Brasil”, de José Murilo de Carvalho.


   Por Geraldo Candido Neto




        Em seu livro “A Formação das almas: o imaginário da República no Brasil” [1], José Murilo de Carvalho busca essencialmente uma análise sobre os primeiros anos da República e como aconteceu a imposição desse novo regime, um período conturbado de transição em que o país saía da monarquia e passava para o poder republicano, evento que não atingia todas as esferas sociais da mesma forma, já que boa parte da população era alheia à política.
       Carvalho prioriza bastante nos seus estudos temas como o imaginário da sociedade, e se debruça justamente sobre isso em “Formação das almas” para trabalhar como esse imaginário popular foi sendo construído, e muitas vezes forjado, durante o período da República. Ele elenca alguns mitos, heróis e símbolos que foram construídos e impostos à nação como forma de legitimar quem foram os verdadeiros defensores ou criadores da República, fomentando inúmeros debates sobre o episodio da Proclamação e seu desdobramento. O autor discorre nos seis capítulos do livro como foi elaborada essa manipulação para infligir um modelo de República ao povo, um jogo de poder feito principalmente pelas elites para a imposição de uma ideologia que sintetizasse o ideal de república que deveria ser seguido.  
       No primeiro capítulo “Utopias Republicanas”, por exemplo, o autor apresenta como essa disputa de ideologias era presente entre aqueles que detinham o poder, e exemplifica através de Benjamin Constant duas correntes que defendiam diferentes visões sobre a liberdade no contexto da modernidade. Apesar de historiador por formação, José Murilo de Carvalho consegue se desvencilhar de uma linguagem estritamente acadêmica, o que torna seu trabalho acessível a qualquer tipo de leitura; por isso alcança sucesso também entre o público em geral (ou não acadêmico), pois consegue exemplificar de maneira objetiva e clara o conteúdo da sua análise. Assim, de forma bastante lúcida, ele explica como esses conceitos de liberdade são trabalhados e quais os modelos ideológicos são importados para formar a nossa ideia do que seria República, ou de como seria a liberdade nessa República. O liberalismo americano e o jacobinismo francês, como aponta o autor, são amplamente discutidos nesse período, debates limitados aos círculos intelectuais que trabalhavam maneiras de infundir essas ideologias numa população praticamente ausente dos acontecimentos políticos.
       Ele traça esse caminho também para questionar as visões de República no momento da Proclamação, ou, como ele próprio coloca, das Proclamações, evidenciando os mitos criados em torno do 15 de novembro de 1889 com o intuito de privilegiar determinadas ideologias políticas que deveriam ser exaltadas nesse momento de criação da República. A importância dada a determinados fatos e principalmente a certos personagens são problemas que surgem desde os primeiros momentos da Proclamação, como Carvalho coloca, era preciso definir e solidificar uma memória sobre esse evento e propalar como verdade àqueles que apenas observavam tudo “bestializados” e sem participação efetiva, o povo.
      O povo, tratado como coadjuvante durante todo episódio, era o principal alvo dessas simbologias fabricadas, recebiam esses mitos e heróis construídos como figuras do novo regime. Assim foi o caso de Tiradentes, escolhido para ser o personagem que serviria de herói da República, papel que carecia de atores, já que outras figuras não preenchiam os anseios coletivos para essa posição. Essa mistificação em torno de Tiradentes foi justamente uma ferramenta para aproximá-lo ainda mais do povo, criando essa aura mítica carregada de referências cristãs.
     A escolha dos símbolos oficiais também foi marcada por disputas ideológicas, como no caso da bandeira, por exemplo, onde prevaleceu o modelo positivista em detrimento do modelo que copiava a bandeira norte-americana.
     Carvalho aponta os esforços positivistas para a implantação não só desses elementos, como a bandeira ou o hino, inerentes a qualquer Estado, mas também durante todos os embates ideológicos, sendo positivistas ortodoxos os mais esforçados em erigir símbolos e mitos que representassem essa nova ordem republicana que se instaurava no país. Hobsbawm afirma que “Em tempos de Revolução nada é mais poderoso do que a queda de símbolos” [2], e tão poderoso quanto a queda é a construção destes, principalmente quando responsáveis por erguer todo um imaginário numa Nação.


[1] CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da República do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 1990.

[2] HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: 1789-1848. 25. Ed. SP: Paz e Terra, 2010.

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