sábado, 24 de março de 2012

O Símbolo: Representações do Imaginário da República Brasileira


Por Andrezza Melo


Mulheres sentadas estão a bordar um manto,uma delas está dando o peito a seu pequeno;crianças um pouco maiores também estão em cena, uma delas trás ao seu corpinho aquele manto contraído ao peito como buscasse proteção e reconforto.Sobre o chão repleto de estrelinhas cortadas,carretéis,fitas azuis e verdes,brinca deitada com uma dessas estrelinhas,uma outra criança que também está protegida envolta pelo manto.O infante tão pequeno ainda não sabe o que a vida pode lhe reservar, o futuro é incerto,mas a esperança está sempre nos nossos corações.

O trabalho continua,o manto tem de ser finalizado.É preciso,a hora está chegando.Mas que importância e o que é esse manto?É o símbolo,a ideia a esperança,as boas novas:a bandeira republicana.

Essa é a descrição de um quadro muito conhecido - A Pátria- de Pedro Bruno, e que nele representa a construção do imaginário da República,da bandeira nacional que junto ao hino,símbolos mor  desse processo.Em  A formação das Almas de José Murilo de Carvalho trás à tona a análise,entre  outros elementos, a ideia de construção do imaginário social e que nela os símbolos, alegorias tentaram a legitimação do regime político republicano.

No estudo anterior do autor – Os Bestializados – que transcorre a análise também do período de transição do Império para a República se questiona sobre apatia popular sobre a proclamação,como em outros casos,a participação popular fora de suma importância em outros países como na França em oposição a República brasileira extremamente manipulada pelas elites e é nessa questão que A formação das Almas denota a busca pela perguntas já feitas em Os Bestializados: se o povo não teve participação nos embates para construção e idealização da República,mas como coopá-los e regimentá-los  para os verdadeiros idealizados da República,a elite brasileira?A criação de um arcabouço de elementos que sanassem os anseios populares em meio de um momento emblemático no cenário político.

Numa época de temores,insatisfações, a esperança sempre mananceou  os corações e a construção de símbolos se faz importante para   o acalento das massas,entretanto,a elaboração como o próprio autor,do imaginário, conclui é que não ajudou a saciar as inquietações e celeumas do momento,mesmo os republicanos com sua habilidade manipulação dos símbolos não conseguiram trazer a nação as glórias e felicidades prometidas.

A “formação da alma” da República brasileira ficou no campo da abstração. Tentaram tecer o manto o mais rápido possível ,mas o trabalho é árduo, e também esmerado, paulativo.porém tentaram içar-lo  depressa demais mesmo não estando pronto.

Referências bibliográficas
A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. José Murilo de Carvalho. São Paulo: Companhia da Letras,1990
Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. José Murilo de Carvalho. São Paulo: Companhia da Letras,1987



quinta-feira, 22 de março de 2012

A transição para a república e suas correntes ideológicas, formando as almas do Brasil.

Ao realizarmos uma reflexão sobre a obra, a formação das almas, do autor Jose Murilo de carvalho, iremos verificar uma época de inquietação fomentada pelo grande momento histórico vivido pelo Brasil.
Momento este, que a transição para a república e as formações de suas bases estão sendo forjadas,  impulsionada por uma nova dinâmica social em que o império não conseguia mais dar conta, e que só um novo modelo de governo poderia dar a sustentação necessária.
Diante deste cenário, o autor faz uma explanação, muito pertinente, em que o mesmo verifica uma necessidade, na época, de se buscar uma forma de justificar ideologicamente o novo regime e assim realizar uma verdadeira batalha pela conquista do imaginário popular republicano.
As disputas por legitimar o regime republicano eram formadas por três correntes ideológicas:

  • Liberais, que Tinham o apoio dos proprietários rurais e federalistas, cuja modelo foi usado nos Estados Unidos
  • Os jacobinos que defendiam a participação política direta dos cidadãos, porém possuíam poucos seguidores.
  • Os positivistas ao qual defendiam um executivo forte e intervencionista, uma espécie de paternalismo governamental, era o grupo mais ativo e com boa aceitação em camadas médias urbanas e setores militares.
Essa trama ideológica apresentada pelo autor é por si só bastante interessante e a mesma convida o leitor a fazer uma reflexão da quão agitada se encontrava nossa república e a forma como estas ideologias transpassaram da elite para a população em geral.
O titulo é, neste caso, bastante emblemático, onde formar almas se torna idéia central na construção da obra.
A criação de uma gama de mitos, heróis, hinos e bandeiras surgiram no final do século, cujo único intuito era a luta pela conquista do imaginário popular republicano. 
A figura de Tiradentes é um exemplo emblemático deste contexto, onde o resgate de sua figura, personificada em forma de um tipo de Cristo civil, na busca desesperada e inconclusa da identidade de nossa republica. 

Volnei Neto

segunda-feira, 19 de março de 2012

Sobre a Construção da República no Brasil


Por Sandra Mendes


Rodrigo Patto, no texto “Culturas Políticas na História: Novos Estudos” levanta um tema importante, que, segundo ele,deveria ser mais explorado pelos historiadores; se trata da conciliação, visto por muitos como traço marcante da cultura brasileira. O autor cita em seu texto a análise de Roberto da Matta,o qual defende a tese de que a lógica relacional é marca central da cultura brasileira,calçada na recusa a definições rígidas e no horror aos conflitos,que são evitados em favor de ações gradativas,moderadoras,conciliadoras e integrativas.Já José Honório Rodrigues,ainda nesse texto, trata da questão de maneira mais crítica,considerando a conciliação como estratégia das elites para excluir o povo das decisões políticas, tentando convencê-lo de que é pacífico e ordeiro.Um exemplo relacionado ao referido tema é o modo como se deu a implantação da República no Brasil que,segundo o autor,as lideranças políticas do velho e novo sistema acomodaram-se com poucos choques. Esse recurso à conciliação visa, sobretudo, evitar grandes rupturas, realizando mudanças com estabilidade.

A forma que se deu a implantação da República foi o mais conciliatória possível, o exército foi quem garantiu a mudança de regime, excluindo outros grupos do processo; o povo assistiu na platéia a mudança de regime feita pelo exército, mudança essa realizada com estabilidade e sem rupturas bruscas. Ainda segundo Rodrigo Patto, a tradição conciliatória do Brasil talvez seja a razão pela qual o comtismo ganhou tantos adeptos na recente República “proclamada” – isso porque há questionamentos se realmente houve, de fato, uma proclamação da república - a divisa “ordem e progresso” casa perfeitamente com o espírito conciliador, que aqui no Brasil se materializou como arranjos políticos de um perfil modernizante e, ao mesmo tempo, conservador.

 Como parte integrante da legitimação desse novo regime, a elaboração de imaginário republicano é um tema tratado pelo autor José Murilo de Carvalho, no livro “A formação das almas”. O autor traz diversos questionamentos no que diz respeito ao período inicial da República Brasileira, como as disputas de projetos ideológicos vigentes na época da elaboração da Republica; que como já citado anteriormente, existiu grandes adeptos do comtismo, não esquecendo de enfatizar que tal comtismo foi adaptado a realidade brasileira, uma vez que comtismo e exército-militarismo não caminham juntos, porém houve aqui essa adaptação. Retrata também o esforço empreendido na construção do mito fundador republicano que, segundo o autor, assim como a República, ficou inconcluso.

No entanto, o capitulo da obra mencionada que mais me chamou atenção foi o que versa sobre o esforço de se construir um herói nacional, um símbolo da nação, que desperte valores, admiração. Há a necessidade de se criar esse herói da nação, com o intuito de legitimar o regime político. Aqui no Brasil, tal tarefa foi difícil, pois, segundo Murilo de Carvalho, em países em que houve uma participação popular nas mudanças de regimes políticos esses heróis surgiam naturalmente, no seio do povo, como aqui não houve o referido envolvimento, teve que se forjar um herói. O autor retrata que houve diversos candidatos disputando a figura de herói nacional, um deles foi Frei Caneca, mas porque será que o frei não venceu essa disputa; o autor menciona que há fatores de ordem territorial, uma vez que Frei Caneca representava apenas o Nordeste Brasileiro, além de demonstrar fortes anseios separatistas. Cabe aqui trazer à tona a análise de José Honório Rodrigues, citada no início do texto. Não interessava para as elites instituir um símbolo que representasse formas de lutas mais radicais, um herói que morreu fiel aos ideais de liberdade, quando se tem o intuito de implantar no imaginário popular que o povo é pacífico e ordeiro.

 Tiradentes vence essa batalha porque sua figura casa perfeitamente com o a imagem da República que se quer construir, atende aos anseios políticos. O autor alega que Tiradentes representa a nação, uma vez que ele era de Minas Gerais, região próspera e centro do Brasil na época, em oposição ao Nordeste decadente de Frei Caneca. A meu ver, a questão mais relevante na sua escolha diz respeito à ideia pacífica que ele passa, ou melhor, a imagem pacífica que construíram dele. Na sua imagem há um forte apelo à cristianização, visando convencer, através da mística religiosa, a mentalidade das massas. A forma como foi representada sua morte é que tem o apelo popular forte, pois é visto como uma vítima, ao contrário de Frei Caneca que morreu como rebelde. A revolta encabeçada por ele não aconteceu, ao passo que, em Pernambuco, houve mais de uma revolta encabeçada pelo Frei e que de fato, aconteceram. A memória pernambucana é construída a partir de uma visão de província rebelde.

A construção do Herói Tiradentes tem relação direta com o tipo de governo conservador que se quer implantar, calçado em ações integrativas e conciliatórias, afastando as massas das decisões políticas, e tentando manipular o imaginário popular, convencendo-lhes de que são pacíficos e ordeiros para que não representem ameaça ao regime político que as elites querem implantar.



CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O imaginário da República no Brasil.

 SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política pela historiografia. In Culturas Políticas na História.
                  Quem seria o verdadeiro herói nacional?

Alzernan Elvis*

    “Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação coletiva.”¹

                  Eis uma definição exata do que representa um herói a uma nação, dada por José Murilo de Carvalho, em sua obra “A Formação das Almas”. Portanto, o herói é um elemento crucial para legitimação de regimes políticos. Ele representa o elo da formação de uma identidade nacional. É através deste que pode-se haver uma coesão do sentimento de tal identidade.
                 Ao ler a explanação de Carvalho sobre o herói da República brasileira, Tiradentes, parece impossível não se perguntar, ao menos, quem seria o verdadeiro herói nacional, de fato? Visto que, nesse caso, se trata de uma construção muito bem idealizada ao longo de anos na História do Brasil. Logo, percebe-se que se trata de mais uma “batalha de memória” da nossa História.
                A escolha de um herói, no caso brasileiro, não se deu de maneira unânime. De início, pois implantada a República vários atores desse evento concorriam para ocupar esse cargo tão prestigiado – que representaria o mito de origem da República -, tínhamos os principais participantes do 15 de novembro: Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant e Floriano Peixoto. No tocante a elegibilidade de qualquer um destes, mostrou-se os “calcanhares de Aquiles” de todos participantes dessa corrida. Deodoro tinha muito para desempenhar o papel de herói republicano, porém, nesta última palavra está a chave para sua derrota, pois detinha um incerto republicanismo, e também “era militar demais para que pudesse ter penetração mais ampla”², nos diz Carvalho; quanto ao Benjamin tinha o republicanismo inatingível, contudo, ele não tinha figura de herói, pois não era líder popular nem líder militar; O Floriano, apesar de ter tudo para ser o herói nacional, se inclinava demais aos republicanos jacobinos, desagradando os republicanos liberais, e também, dividia os militares – contrapondo Exército e Marinha.
              Assim, se tornaria uma tarefa mais difícil e penosa, guiar o país com um regime recém-estabelecido e sem herói, sem uma identidade nacional. A crise de identidade era tratada como prioritária. Lembre-se que a participação popular na instauração da República é ínfima, praticamente, não existiu. Portanto, um herói não se pronunciou naturalmente e a escolha deveria servir perfeitamente aos interesses do Estado em instituir um exemplo/modelo de cidadão a ser seguido pela nação e a mesma deveria aceitá-lo, ou mesmo, elegê-lo.
             Percebo como uma espécie de trégua entre os concorrentes do cargo de herói da República, a escolha de Tiradentes como herói da nação, que não é tão simples assim, todavia, em resumo, todos os protagonistas do 15 de novembro tinham apostado suas fichas e derrotaram-se mutuamente, numa tentativa de evitar maiores desgastes em detrimento da situação que passara a República em tal momento – era urgente a necessidade de promover tal herói e os seus principais atores estavam desqualificados. Tanto que recorre-se a um período anterior a instauração da República: a Inconfidência Mineira. Tome-se como uma simplificação grosseira. Pois, é óbvio que todos insistiram até o fim em suas vertentes, como temos esse debate em aberto até hoje, porém, o “herói real” da nação – Tiradentes – “encaixou” perfeitamente no papel por diversos fatores. Mas se deu, principalmente, por via prosélita do movimento mineiro, que cultivou no imaginário dos conterrâneos a memória do martírio vivido por Tiradentes.
            Talvez, o único a deter o poder real de desalojá-lo do patamar que o Tiradentes alcançou, fosse a figura do Frei Caneca, que merecia melhor análise à feita por Carvalho, apesar do mesmo ter colocado Caneca de lado categoricamente, citando o caráter geográfico do eixo político mais influente, que é o centro político do Brasil, formado por Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, a partir da metade do século XIX. Pois, até a disputa de memória entre Pedro I, no ideário popular, foi vencida por Tiradentes facilmente. Todavia, seria difícil bater, o eleito, Tiradentes, devido a sua laboriosa construção idealizada, que parece bastante apelativa em vários momentos, porém, a maior associação, e talvez, principal argumento para vencer seus concorrentes, seja a imagem deste herói relacionada ao Cristo, levando a população a uma espécie de ritual cívico, que na descrição trazida à luz por José Murilo de Carvalho, nos revela um culto que beira um fanatismo religioso à causa:

                                               “... O préstito saiu dos arredores da Cadeia Velha, em que Tiradentes estivera preso,     prosseguiu até a praça Tiradentes e daí até o Itamaraty, onde Deodoro saudou os manifestantes. Acompanharam o desfile representantes dos clubes abolicionistas e republicanos, estudantes, militares, o Centro do Partido Operário – e, em destaque, os positivistas, levando em andor um busto do mártir esculpido por Almeida Reis. Presente também estava um misterioso Clube dos Filhos de Thalma. Era a celebração da paixão (Cadeia Velha), morte (praça Tiradentes) e ressureição (Itamaraty) do novo Cristo. Em celebrações posteriores, acrescentou-se ao final do desfile uma carreta para lembrar a que, em 1792, servira para transportar o corpo da “santa vítima” após o enforcamento. Era o “enterro” da nova via-sacra.”³

            Não bastasse a simbologia que este já emitia em todo contexto do seu martírio, alia-se a simbologia cristã à sua figura. Parece-me exagerado. Mas é com essa imagem de Cristo que ele conquista, de fato, seu posto.
           Assim, percebemos que se instituiu o herói nacional. Este não surgiu naturalmente, como um herói tradicional/autêntico. Entretanto, a ideia aqui não é a de responder ao título dessa reflexão (Quem seria o verdadeiro herói nacional?), mas estabelecer algumas relações e críticas e formular novas questões em torno do assunto que passou – e passa – distante do conhecimento do cidadão brasileiro até hoje, que, realmente, parece pouco se importar, motivado pelo simples fato de desconhecer tal discussão. Por exemplo, podemos pensar, como nos dias de hoje, a figura de um outro herói nacional poderia mudar o nossa identidade nacional, e também nosso calendário, e principalmente, a maneira de pensarmos a manifestação desse modelo heroico na construção da história do país. Em especial, podemos pensar no caso dos pernambucanos, com o cultivo da memória do herói Frei Caneca pelos mesmos, se este não fosse elevado a categoria de herói nacional, ao menos teríamos uma memória fortalecida a respeito do nosso 6 de março de 1817, que mnemonicamente nos é tão fraco, e por que não, tão desconhecido do seu próprio povo, eis que seria um resgate fortalecedor da cultura e espírito cívico do povo pernambucano.

* Graduando do curso de História na Universidade Federal de Pernambuco.


Referências bibliográficas

1. CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da república do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1990; p. 55.
2. Idem, p. 56.
3. Idem, p. 64.

domingo, 18 de março de 2012

Construindo a República: comparações entre os diferentes sistemas republicanos a partir dos valores das sociedades americana, francesa e brasileira


Paulo Luiz de Mendonça*



Existe uma área interessantíssima, dentre tantas outras, a ser pesquisada pelos historiadores, que é o estudo dos valores que cada sociedade em cada tempo tinha e que ajudaram a formar as diferentes culturas.    Valores que podem ser analisados dentro da denominada psicologia histórica “visto que ela vincula os debates sobre motivação consciente e inconsciente àqueles sobre as explicações individuais e coletivas” ¹, ou seja, busca o entendimento sobre a história da ambição, da raiva, da ansiedade, do medo, da culpa, do orgulho, do amor, da hipocrisia, enfim, de todas as emoções humanas que possam ajudar na compreensão das motivações que levaram a determinados processos.

Dado ao escasso espaço para análise dos muitos aspectos dos textos estudados, procurei ater-me a um aspecto que considero importante na construção de qualquer sistema social, e no caso particular, de uma república: os valores que levaram os Estados Unidos, a França e o Brasil à formação de seus respectivos sistemas políticos.

José Murilo de Carvalho destaca um anseio presente ao longo da História humana: a liberdade.   Destaca que, no período pós-1776, a liberdade do homem público estaria cada vez mais distante da realidade dos modernos, ou seja, a liberdade do homem privado.    Essa liberdade consolidaria o modelo da representação política e não mais o do envolvimento direto, utopicamente cada vez mais distante, dado o aumento da complexidade dos sistemas econômicos, que demanda tempo de um grupo de pessoas (políticos profissionais) que tem que se debruçar em tempo integral em busca da condução dos negócios da sociedade.     O regime político que vinha se consolidando, desde o século XVIII, como uma forma de se combater o Ancien Régime e se buscar essa nova liberdade era a república moderna.

Na formação da república no Brasil  havia “pelo menos três modelos de república à disposição dos republicanos brasileiros.  Dois deles, o americano e o positivista, embora partindo de premissas totalmente distintas, acabavam dando ênfase a aspectos de organização do poder.  O terceiro colocava a intervenção popular como fundamento do novo regime, desdenhando dos aspectos de institucionalização.”²  Enquanto que na França, a Revolução de 1789 obteve ativa participação popular, onde “O Terceiro Estado obteve sucesso, contra a resistência unificada do rei e das ordens privilegiadas, porque representava não apenas as opiniões de uma minoria militante e instruída, mas também a de forças bem mais poderosas: os trabalhadores pobres das cidades, e especialmente de Paris, e em suma, o campesinato revolucionário.”³ , no Brasil o jacobinismo estava fadado ao fracasso dada a quase inexistente participação popular nas decisões políticas.  Os positivistas ortodoxos, com sua resistência ao parlamentarismo, seu modelo de sociedade baseado numa “Religião da Humanidade”, tendo como proposta a visão comtista de que a sociedade deveria valorizar “as formas de vivência comunitária, a família, a pátria e, como culminância do processo evolutivo, humanidade”4, contrastavam com os adeptos do modelo americano, onde a valorização do individualismo, com o interesse público sendo a soma dos interesses individuais, o liberalismo, o federalismo, o sistema bicameral, saíram vitoriosos nas batalhas pela mudança de regime e pela construção da nação brasileira, sendo este último um modelo muito mais interessante à poderosa elite rural que aderiu rapidamente ao novo regime político brasileiro.

Porém, a formação da república brasileira não se ateve apenas a um confronto entre três modelos republicanos.   As adaptações que cada modelo teria que fazer para se tornar vitorioso é que estão dentro do espectro dos valores que os brasileiros tinham e que levariam em conta na hora da escolha do modelo que melhor se adaptasse aos interesses da elite nacional.    Em um país altamente hierarquizado e com uma imensa concentração de poder, onde a escravidão jurídica havia terminado apenas um ano e meio antes da derrota da Monarquia, mas as brutais permanências se mostravam presentes nas condições sociais dos “libertos”, o jacobinismo não teria como se sair         vitorioso.   “A igualdade jacobina do cidadão foi aqui logo adaptada às hierarquias locais: havia o cidadão, o cidadão-doutor  e até mesmo o cidadão-doutor-general.” 5    

A idéia de positivista de ditadura republicana tinha um forte apelo aos militares brasileiros, importantes elementos na passagem do regime monárquico ao    republicano.  Se por um lado um governo militar seria, pelas teses positivistas, considerado um retrocesso social, por outro, a realidade brasileira impôs ao modelo uma variante importante ao positivismo:  a valorização das ciências através do preparo técnico-científico dos militares brasileiros.

A já citada concentração de poder, o autoritarismo, a presença afirmativa dos militares e a não participação popular desembocaram na vitória do modelo liberal à brasileira:  “O espírito de especulação, de enriquecimento pessoal a todo custo, denunciado amplamente na imprensa, na tribuna, nos romances, dava ao novo regime uma marca incompatível com a virtude republicana.” 6     Modelo que, apesar de denominar-se “americano”, tinha, como nos outros dois, também que fazer suas adaptações para ser consolidado ao regime republicano brasileiro.    Nos Estados Unidos, primeiramente  aconteceu a revolução para a partir de então serem lançadas as bases para a construção da organização do poder da sociedade, baseada nos interesses comuns da federação.  

A credito que não só o sentimento de nacionalidade existente na França, em decorrência das duas frentes em que os revolucionários franceses tiveram que lutar para a sobrevivência da nação após a queda do Antigo Regime, a defesa da Revolução contra os ataques estrangeiros e a expansão dessa mesma Revolução pela Europa, bem como não só a afirmação dos valores dos colonos americanos com relação aos sentimentos para com os Estados Unidos após a expulsão dos ingleses, explicariam a diversificação da participação popular na implantação de seus respectivos regimes republicanos, mas seria um importante “cimento”, inexistente no Brasil, na construção dessas nações, e representaria um importante elemento nas culturas políticas desses países onde o “conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por determinado grupo humano, que expressa uma identidade coletiva e fornece leituras comuns do passado, assim como fornece inspiração para projetos políticos direcionado ao futuro”7 estariam bem presentes.



* Graduando em História pela Universidade Federal de Pernambuco.



1. BURKE, Peter. A Escrita da História, p. 33

2. CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da república do Brasil, p. 22

3. HOBSBAWN, Eric J.   A Era das Revoluções, p. 78

4. CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da república do Brasil, p. 22

5. Idem, p. 26

6. Ibidem, p. 30

7. SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política pela historiografia. In Culturas Políticas na História, p. 21

“A Liberdade Guiando o Povo”? Primeira Republica & participação popular


“A Liberdade Guiando o Povo”?
Primeira Republica & participação popular
Jessika Adrielly

Ao nos debruçar sobre os albores da República Brasileira sobrevêm determinadas características que concorrem para particularizar essa experiência histórica. A política não se restringe a ideias, planos, partidos, manifestos, projetos, propagandas. Dela também faz parte às aspirações, as batalhas para ultrapassar os limites infligidos pela realidade. Todavia, com a proclamação da República em 1889, o Brasil parecia adentrar em outra conjuntura, achava-se longe das idealizações democráticas.
No fim do século XIX, Europa e os estados Unidos fervilhavam de novidades em todos os campos. O desenvolvimento das cidades e o surto industrial estimularam o surgimento de uma classe média constituída de trabalhadores da indústria e do comércio, além de funcionários públicos. A influência dos militares havia crescido após a campanha do Paraguai. Os novos grupos sociais influíram no movimento pela mudança do regime politico.
A República foi proclamada devido ao desgaste sofrido pela monarquia, à ineficácia perante mudanças necessárias ao lado da industrialização, a expansão do café, a monarquia tardava a modernização exigida pelos barões e empresários urbanos. Essa dificuldade gestou-se especialmente por estar estreitamente atrelada aos domínios mais conservadores da sociedade brasileira, uma vez que ela, a monarquia, formou-se sob os auspícios dos latifundiários e deles dependia.
Quando esses interesses foram alcançados pelas mudanças que estavam ocorrendo no mundo, o monarca parecia enfadado e pouco competente para nortear a nação em novas direções. O pausado processo de apropriação das transformações beneficiou as tradicionais elites que puderam, paulatinamente, assenhorar-se de fatias do descontentamento social.
Segundo Aristides Lobo, o propagandista da república, afirma com tristeza os eu desapontamento diante a proclamação do novo regime. Segundo ele, o povo, que pelo ideário republicano deveria ter sido protagonista dos acontecimentos, assistira a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar[1].
Ao ser difundido o rumor da prisão de Deodoro da Fonseca, que se achava enfermo, a tropa movimentou-se contra o Gabinete do Barão de Ouro Preto. Nenhum tiro foi disparado e o governo tombou no amanhecer do dia 15 de novembro de 1889. Dom Pedro II só tomou conhecimento das ocorrências
perto da noite. O mesmo ambicionava desenvolver um novo gabinete sob comando de José Antônio Saraiva. Porém na tarde subsequente, 16 de novembro, foi avisado da determinação do Governo provisório de expulsa-lo do país.
Todavia, é um tanto intrigante quando passamos a nos questionar sobre a não participação do povo no episodio do dia 15 de novembro, visto que de acordo com experiência histórica de outros povos haveria uma relação de reforço recíproco entre a República e a cidadania.  Teoricamente, o novo regime trazia consigo a implantação de um sistema de governo que se propunha a trazer o povo para o proscénio da vida pública, acenando no sentido da ampliação dos direitos e da participação política.
Diante disso, não podemos negar que havia algo mais na política do que simplesmente um povo “bestializado”, ao modo de Aristides Lobo. Para José Murilo de carvalho, tal visão é insuficiente, afinal, trata-se do problema do relacionamento entre o cidadão e o Estado. 
Em Os Bestializados José de Murilo carvalho tenta entender que povo era este, qual o seu imaginário político e qual a sua prática política. Ele considera a cidade como lugar de maior representação da cidadania, ele enfatiza o Rio de Janeiro por ser a capital política e administrativa do Brasil República.
O autor trabalha de forma eloquente as transformações sociais, politicas e culturais do Rio de Janeiro, as várias concepções de cidadania vigentes na época, fala da participação eleitoral, relatando as instabilidades sociais. Em suma, Carvalho traz em seu livro a ideia de que a cidade não possuía cidadãos porque o poder permanecer fora do alcance das massas. O povo não era bestializado, apenas percebeu que o movimento republicano se tratava de “gente grande”, deste modo, propõe Carvalho (1998):

O povo sabia que o formal não era sério. Não havia caminhos de participação, a República não era para va­ler. Nessa perspectiva, o bestializado era quem levasse a política a sério, era o que se prestasse à manipulação. Num sentido talvez ainda mais profundo que o dos anar­quistas, a política era tribofe. Quem apenas assistia, como fazia o povo do Rio por ocasião das grandes trans­formações realizadas a sua revelia, estava longe de ser bestializado. Era bilontra.[2]

Embora se trate de uma investigação de natureza histórica, não restam ambiguidades de que o enigma da cidadania permanece no cerne da inquietação de todos os dias atuais, quando mais uma modificação de regime se executa e mais uma experiência é feita no sentido de edificar a comunidade política brasileira.




















REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASBAUM, Leôncio.  História Sincera da República, de 1889 a 1930. São Paulo: Fulgor, 1968.
BELLO, José Maria.  História da República. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Republica que não foi . 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

http://www.biblioteca.ufpe.br/pergamum/img/transp.gif
CARONE, Edgard. A Republica Velha. São Paulo: DIFEL, 1975.









[1] LOBO, Aristides apud BASBAUM, Leôncio.  História Sincera da República, de 1889 a 1930. São Paulo: Fulgor, 1968, p.18.
[2]
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Republica que não foi . 2. ed. -. Sao Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.160.

A Proclamação ou as Proclamações?

A Proclamação ou as Proclamações?

Por Suzane Araújo.

    “ Os militares fizeram a Republica!”     
Martinho Prado Júniro, in A Formação das Almas. Carvalho,José Murilo de.1990.p.52.

Comecei a discussão por esse trecho retirado da obra de José Murilo de Carvalho, pois achei curioso o fato de que, esta frase ainda continua de maneira tão forte e presente nos tempos atuais.
A República brasileira, ou melhor, "As Repúblicas" , para José Murilo, tiveram as suas origens ideológicas importadas de regiões como a França e América do Norte. À saber: o modelo de República Americana, Positivista e Jacobina, cada qual com as suas especificidades históricas e teóricas. 

O Brasil, em meio aos problemas políticos, econômicos e sociais vividos no Império, “precisou” importar algum desses modelos na tentativa de resolver esses impasses. Mas, os diversos grupos sociais formados, sobretudo por: pequenos e grandes proprietários, profissionais liberais, militares, professores, estudantes e jornalistas, se identificaram com alguma dessas correntes republicanas. 
Estas correntes deveriam abarcar em seu conteúdo ideológico, questões sobre a Liberdade do indivíduo, a participação ou não de civis na vida política, o desenvolvimento de políticas de inclusão, a promoção do progresso, a tentativa de formar um governo que representativo ou não e possuir um governante que agisse em prol dos interesses políticos econômicos de um determinado grupo. Só para citar alguns pontos relevantes. 

Uma vez que no Brasil se tinha uma gama de grupos sociais, e que, uma parte desses estavam ligados a alguma ideologia republicana, na medida em ocorre articulação política que desemboca na Proclamação da República em novembro de 1899, estas correntes digladiam entre si para determinar qual seria o papel que cada um dos participantes teria nessa Nova Ordem. 

Além disso, começa-se aí a busca para saber qual dos grupos entraria na “história oficial.”

Sabe-se, que a presença militar na instalação da República foi notável, porém, não se pode atribuir somente a este grupo a participação nesse feito. Por trás, existia outras correntes republicanas nas quais, cada um dos seus líderes desejavam implementar um tipo de República na qual acreditavam ser o ideal para a concretização dos seus interesses, e por vezes, a do coletivo. 
A História tradicional tende a favorecer uma só visão dos fatos, além de valorizar os grandes feitos realizados por homens/grupos importantes. Talvez, seja por isso que nos livros didáticos e no pensamento do censo comum, ainda se tenha em mente que a República foi proclamada e idealizada exclusivamente por Deodoro, um oficial membro do Exército.

É ai que retornamos para a afirmação feita no início da discussão, na qual mostra uma visão tendenciosa e unívoca, pois revela apenas o caráter de um só grupo, e não contempla as demais vertentes republicanas. Grupos esses que também estavam engajados na instalação de um Novo Regime, cada qual com as suas ideologias e aspirações específicas.

Cadê os civis?

O passado está sendo constantemente revisto pelos historiadores, dando uma nova análise, criando novas leituras dos fatos. Essas leituras são influenciadas por todo um conjunto de fatores que o pesquisador está inserido, seja o seu tempo, seu local de origem, seja até mesmo a sua idade. Isso faz com que o passado esteja sempre em movimento, sendo desconstruído e reconstruído diversas vezes por múltiplas visões. Não seria diferente com a proclamação da República do Brasil, que já foi analisada diversas vezes ao longo desses cem anos. A análise sobre a proclamação é uma tarefa difícil a ser realizada pelos nossos contemporâneos, pois na própria época em que aconteceu, houve várias versões que foram surgindo para explicar como o Brasil havia se tornado uma nação governada por meio do republicanismo. Porém, nenhuma versão que defendia a participação ativa dos republicanos civis conseguiu se firmar e ganhar muitos defensores.

Logo após a proclamação da República, vários foram os lados que tentaram divulgar uma versão que deveria ser tida como oficial sobre os fatos que desencadearam no fim do Império e na chegada do modelo republicano de governo ao Brasil. Proclamador, consolidador, mestre, quem deveria receber cada papel de destaque, gravando seu nome na história brasileira, nos momentos cruciais da transição do sistema de governo brasileiro? Não faltaram versões para atribuir esses papéis de destaques para diferentes personagens. Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant, Floriano Peixoto, todos esses possuíam defensores. Todas essas personagens eram militares, o que nos leva a fazer um questionamento sobre uma possível participação de algum republicano civil no surgimento da república brasileira.

Quintino Bocaiúva era o chefe do Partido Republicano Brasileiro em 1889, mas não conseguiu nenhum papel de destaque nos acontecimentos que levaram à República. Segundo José Murilo, os republicanos civis só tomaram conhecimento da conspiração quatro dias antes do dia da proclamação, e apenas para que esta não fosse vista apenas como uma ação militarista. Curiosamente, o oposto que iria acontecer no século seguinte, naquele que foi chamado por muito tempo de golpe militar, mas que hoje já percebemos que houve um grande apoio da ala civil da sociedade brasileira. Diferentemente da Revolução Francesa, um movimento que inspirava muitos republicanos da época, os civis brasileiros apenas assistiram o desenrolar dos fatos, enquanto os civis franceses conseguiram ditar os rumos da sua revolução.


Alvaro Duarte.

Desconstruindo as memórias históricas: uma reflexão acerca das batalhas ideológicas e desencantos na construção da República brasileira


Anderson Holanda*

É do nosso conhecimento que a história sofre as demandas e influências do presente, das novas experiências e perspectivas teórico-metodológicas, dos novos documentos descobertos e dos paradigmas emergentes, e por isso, é reescrita constante do passado, é crítica permanente. A memória, por sua vez, como enfatiza o professor Dr. Antônio Torres Montenegro, é o congelamento da história que pode resultar na sua naturalização. Um exemplo claro de memória histórica são os livros didáticos (salvando raríssimas exceções) que circulam por esses brasis, congelando significados, sem ousar reescrever a história. Através deles somos informados que um grupo de militares do exército brasileiro, liderados pelo marechal Deodoro da Fonseca, destituiu o imperador e assumiu o poder no país, no dia 15 de novembro, e que a partir daí teria início a instável República Velha. Neles também são reforçadas memórias, como a de que sem o exército não poderia haver república, alijando o povo (mas que povo?) do processo, dando a impressão que não poderia ser de outra forma. Mas a história não é feita apenas de fatos e rotulações. Por trás dessas construções de memória acerca da República brasileira existiram verdadeiras batalhas ideológicas acerca da imagem que a República deveria assumir. É sobre estas batalhas que deterei minha reflexão.
Comecemos destacando o completo engano que é pensar a proclamação da República, em 1889, como um processo homogêneo. Não foi sem luta e choque de interesses entre forças políticas que se desenrolou a passagem do Império para a República. Na busca pela legitimação do novo regime político no Brasil, as batalhas são logo anunciadas pelos próprios aparatos ideológicos em que se apoiaram os três principais grupos republicanos, cada um se acolhendo em modelos que melhor se adequassem às suas aspirações. Emerge daí uma batalha simbólica “em torno da imagem do novo regime, cuja finalidade é atingir o imaginário popular para recriá-lo dentro dos valores republicanos”¹.
As três principais correntes, destacadas pelo historiador e cientista político José Murilo de Carvalho, combateram-se intensamente nos anos iniciais da República. São elas a jacobina, a liberal e a positivista. Esses três modelos foram interpretados e adaptados pela elite política republicana aos seus interesses, e às particularidades locais. “A versão jacobina, em particular, tendia a projetar sobre a Monarquia brasileira os mesmos vícios do Ancien Régime francês, por menos comparáveis que fossem as duas realidades”². Esta era a posição de parte da população urbana (pequenos proprietários, profissionais liberais, jornalistas, professores e estudantes, etc.). O próprio termo ‘jacobino’ já indica de onde tal corrente importa o seu modelo de República, não cabendo aqui discorrer sobre sua idealização. Mas um ponto em especial que merece ser assinalado – que muito tem a ver com o paradigma da cultura política – é a sua concepção de liberdade à antiga, a de participar coletivamente do governo, a liberdade do homem público.
Isso nos leva à segunda corrente republicana: a liberal, inspirada no modelo federalista americano. Sua moderna concepção de liberdade defendia a participação política por meio da representação, não diretamente como a versão jacobina; era a liberdade do homem privado. Em fins do século XIX, esse tipo de liberalismo encontra seu fundamento teórico no chamado darwinismo social. No Brasil, este modelo logo ganha simpatia dos proprietários rurais, sobretudo os paulistas, interessados no federalismo e na concepção individualista do pacto social que garantiria seus interesses particulares. A implantação de tal modelo seria a consagração da desigualdade por meio de um regime altamente autoritário. Havia ainda a corrente positivista, com seu ideal de progresso, fundamentado na lei dos três estados, em defesa da separação entre Igreja e Estado e da incorporação do proletariado à sociedade, apontando uma ditadura republicana como o caminho para a integração nacional. Por razões históricas específicas, o grupo social mais atraído por este modelo era o dos militares, sem anular a simpatia de professores, intelectuais e estudantes pelo modelo.
Como bem coloca José Murilo de Carvalho, o grande problema era a ausência do sentimento de comunidade no Brasil do início da República. Como pensar a identidade nacional e cidadania em um país que não superara, nem ao menos enfrentara um problema social como o da escravidão? Apesar das propostas de alguns abolicionistas como educação dos libertos e reforma agrária como meio de inserção dos ex-escravos à vida nacional, o modelo republicano a ser implantado, uma vez pensado pela elite, viria a excluir a grande maioria da população do direito político, sobretudo do direito de legislar. O positivismo encaixa como uma luva para essa elite, que se alia ao modelo liberal, configurando a República oligárquica que tanto desencantaria a geração intelectual da Primeira República. Tais reflexões sobre o imaginário da República no Brasil evidenciam aquilo que o historiador Rodrigo Patto Sá Motta destaca como “um traço da cultura política brasileira: frágil cidadania, pouco envolvimento da população com a coisa pública”³. Nesse sentido, a desconstrução de memórias congeladas em prol de uma reflexão crítica sobre nossa cultura política pode nos abrir algumas portas e fazer conhecermos melhor a importância do nosso papel enquanto cidadãos, nos ajudando a enxergar que temos que nos importar sim com a política, cabendo a cada um escolher entre a zona de conforto e/ou de conflito.                                                                                                                                                                                  .
* Graduando do curso de História na Universidade Federal de Pernambuco.
1. CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da república do Brasil, p. 10
2. Idem, p. 26
3. SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política pela historiografia. In Culturas Políticas na História, p. 35

Da necessidade de um novo olhar sobre a Proclamação da República


Da necessidade de um novo olhar sobre a Proclamação da República

Thiago da Silva Paz

No que concerne aos processos relativos à Proclamação da República, de imediato nos vem à mente a figura de Deodoro da Fonseca como grande figura e peça chave da nossa república, e a memória que se estabeleceu a respeito de Deodoro é a de homem excepcional, que serve de exemplo e que deve ser lembrado pela posteridade por ter levado a cabo um processo “necessário” por si só e pelos seus meios, ou seja, através do exército, sem o qual a República, esta também a “única possível” não teria sido instaurada.
Para o historiador José Murilo de Carvalho, havia na verdade uma disputa entre os projetos republicanos, que ia muito além de projetos políticos, mas que englobava também a busca pela afirmação de uma ideologia e de um discurso que deveria ser oficializado e legitimado pela História. As figuras de destaque desse conflito foram Deodoro da Fonseca, com seu projeto que visava essencialmente os interesses dos militares na política, Benjamin Constant, cujos seguidores tiravam suas bases para a república do Positivismo, que via na república um progresso político para o Brasil, e Quintino Bocaiúva, de orientação militarista e opositor de Benjamin Constant, que advogava por uma democracia representativa baseada no modelo dos Estados Unidos.
Um outro fator a ser considerado para a proclamação da República foi o fato de a abolição da escravidão não ter sido bem aceita pela elite monocultora, e isto, aliado ao fato de que a monarquia se mostrava incapaz de resolver o problema da inserção do negro na sociedade – problema este que se mostra sintomático da dificuldade de se estabelecer uma identidade nacional brasileira –, abriu espaço para o projeto igualitário dos republicanos que eliminava as distinções entre brancos e ex-escravos, mesmo que tal igualdade não se estabelecesse de facto, mas apenas de jure. Isto é, ainda que estivesse legalizada, não estava em acordo com as práticas sociais da época. Mas mesmo após a proclamação, ainda restava outro ponto crucial: como mudar o inconsciente coletivo brasileiro. Ou seja, muito mais que um marco em termos políticos, a proclamação da República deveria agir no sentido de introduzir uma nova forma de pensamento na população que recém abandonara um regime para adotar outro.
Os republicanos necessitavam de medidas eficazes para introduzir essa nova forma de pensar nas mentes das pessoas, e para isso se utilizaram da figura idealizada de Tiradentes, herói nacional de caráter messiânico, martirizado em nome da liberdade que serviu, em último caso, como mais uma ferramenta de legitimação de uma forma de pensar que se pretendia a mais apropriada e mesmo necessária.
Em meio a esses meandros políticos e de busca pela legitimação de uma forma de pensamento, a população se viu distanciada de sua cidadania e de seus direitos à participação política, de certa forma refém desses maquiavelismos engendrados pelos republicanos desde o início do processo de proclamação até após sua conclusão, o que teve como efeito colateral o aumento na dificuldade de se tentar estabelecer uma idéia de identidade nacional e uma alienação em termos de participação política – que, poderia se dizer, dura até hoje – para os cidadãos.
A História tem se mostrado uma eterna luta pela memória, entre agentes que desejam a todo instante se estabelecer e tornar símbolos de culto da posteridade, e, nesse sentido, cabe ao historiador desconfiar dos mitos estabelecidos e voltar um outro olhar aos acontecimentos, buscando nuances então desconhecidas, personagens que, apesar de não terem sido registrados na história como heróis, tiveram participação relevante para o desenrolar dos fatos entre outras peculiaridades não captadas pela historiografia dita oficial.
Mais que isso, torna-se desnecessária e sem sentido uma tentativa, aos moldes positivistas, de reproduzir os acontecimentos visando encontrar a “verdade” dos fatos, e parece mais útil, e mesmo necessário, analisar a luta pela memória que se estabelece entre os atores do processo, que buscam incessantemente a afirmação de seus próprios interesses.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

CARVALHO, José M. A Formação das Almas: o imaginário da República do Brasil. Companhia das Letras. São Paulo, 1990.

A importância dos heróis nos movimentos sociais e a Proclamação da República


                A humanidade em geral tem certa dificuldade de abstração, para que se compreenda um acontecimento ou um fato qualquer, se faz necessário algo materialize este fato fisicamente, um símbolo que personifique o evento. Desta forma, torna-se mais provável que o evento chegue ao conhecimento da população. Assim, entende-se a necessidade de se buscar um herói para a Proclamação da República, alguém que exalte esse acontecimento, que leve o povo a crer que um grande homem fez algo de grande importância para o desenvolvimento do Brasil; nesse caso, inclusive, por não ter sido um movimento de grande participação popular, a figura do herói é ainda mais importante para criar um vínculo entre a população e o acontecimento.
                Há situações em que os heróis de uma revolução estão bem determinados, devidos a diversos fatores, mas principalmente quando ele tem uma inegável liderança, e se identifica com aqueles que hão de apoiar o movimento. Um notável exemplo é o de Simón Bolívar, considerado o principal expoente da libertação de diversos países latino-americanos. Mas, em outros casos, há que se dar um impulso extra para que este símbolo seja modelado de forma ideal, como ocorreu no caso da Proclamação da República.
                Neste evento, alguns homens seriam candidatos a patronos da revolução, mas a promoção de um herói não pode ser feita arbitrariamente, ele deve ser uma figura na qual a população se identifique. A ideia romântica de que um herói se faz com a sua bravura e determinação não é aplicada no caso em questão.
                Um grande candidato seria Deodoro, militar que se destacava por ter chefiado o movimento que derrubou regime monárquico. Porém, ele tinha uma imagem um tanto desgastada, que lembrava o imperador; além do mais, registra-se que ele tinha uma incerteza quanto à sua opinião sobre o regime republicano.
                Outro possível nome seria o de Benjamin Constant, apesar de ser um grande apoiador do regime republicano, não tinha características de líder, sem relevante apoio popular, se limitando, praticamente, apenas aos positivistas e alguns jovens militares
Floriano Peixoto tinha a bravura e a popularidade, porém, dividia opiniões tanto entre os civis, tendo apoio dos mais populistas quanto entre os militares.
O herói ideal da proclamação foi promovido através da sua luta pela Inconfidência Mineira; Tiradentes, apesar de não ser contemporâneo à Proclamação da República, ele tinha conseguido um apelo popular muito grande. Até mesmo a sua fisionomia idealizada lembrava o Cristo, esse é um fato interessante, porque parece um símbolo dentro de outro, o herói da movimento lembrava o próprio filho de Deus, o homem que morreu pelo Brasil se equiparava ao homem que deu a vida pela humanidade. Essa imagem foi bastante explorada para a formação do mito.
Contribuiu também para expandir a imagem de libertador o fato de que ele provinha da região de Minas Gerais, que juntamente com Rio de Janeiro e São Paulo, era uma das regiões com ideais republicanos mais fortemente consolidados.
José Murilo de Carvalho¹ cita ainda o fato de que Tiradentes foi um mártir por não ter se envolvido em lutas sangrentas, ele aparece como uma vítima do governo e dos seus próprios companheiros, um exemplo de sacrifício. Interessante notar que, ao contrário de Tiradentes, outros nomes citados acima, como Floriano e Deodoro são apontados justamente pelas suas vitórias em batalhas.
Interessante é o fato de que, em várias etapas da história do Brasil, como menciona Carvalho², independente da tendência política, Tiradentes é utilizado para aproximar a população do governo, tentando assim aumentar a sua aprovação, ou ao menos  transmitir uma ideia de proximidade.

Referências Bibliográficas
 
¹ CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da república do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1990;

² Idem