sexta-feira, 27 de abril de 2012

Pessoal, boa noite.

Tô passando pra avisar que os seminários de Brasil começam dia 9/05 naquela mesma ordem que divulguei no face e que combinamos em sala.

Será um grupo por dia. Qualquer dúvida mandem e-mail.

Ahhh... Nem todo mundo tem face ou acessa  blog, então divulguem por favor.


Só pra lembrar...

Grupos:

1- Juazeiro (Coronelismo)

Rosana Maria
Taciana
João Santos
Thiago
Voney

2- Chibata

Sebastião
Paulo Luiz
Luiz Felipe de Abreu
Derwin

3- Contestado

Amanda Alves
João Lucas
Aline Cardoso

4- Movimento Operário:

4.1- Anarquismo / Política (Tendências)

Natália Ferraz
Felipe Aragão
Adizailma Maria (Dida)
Cíntia Marques
Sandra

4.2- Organização sindical - Greve (1917).

Alvinho Duarte
Bruno Leandro
Andrezza Bárbara
Pablo Lucena
Wellington Júnior

5- Cangaço

Alexandre Aguiar
Izabela Conceição
Janaína Paz
Raphael França
Saulo Araújo

6- Tenentismo (Coluna Prestes)

Anderson Holanda
Isabela Dias
Monike Moura
Suzane Araújo
Jéssika Adrielly.


Ats,

Juliana.

domingo, 22 de abril de 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA






Resenha do livro Os bestializados o Rio de Janeiro e a República que não foi. Em cumprimento as obrigações da cadeira Brasil sete.




Prof. Dr. Isabel Guillen
Aluno. Derwin Mandú Galdino






RECIFE - 2012
Os Bestializados,
O Rio de Janeiro e a República que não foi.
Resenha
            O José Murilo de Carvalho apresentar o texto inicialmente com opiniões de personalidades da época, que classificavam o povo brasileiro como apolítico não atuante em seu contexto social. Com isso o autor quer chamar a atenção para analise dicotômica baseada nos ideais do cidadão europeu, desses que viveram o período.  A Linha teórica seguida por Carvalho é entender o fenômeno social do período republicano como um viés de mão-dupla mesmo que pese para um dos lados. Sendo assim ele crítica a opinião dos autores da época de que a forte opressão social é que deixava a população apática ou a interpretação da realidade desta maneira que legitimava todo o sistema, mas em contraponto a essa situação inicialmente a República vai trazer a esperança do proscênio das pessoas para a política.
            Sendo um historiador tradicional expõe como os formadores de opiniões da época idealizavam uma República a moda francesa. Nesta perspectiva tradicional resgata o conceito de cidade que é tido como lugar de desenvolvimento da cidadania, com isso ele desenvolve seu caminho medotológico de entendimento da República do país, usando como ponto de partida a cidade do Rio de janeiro e a repercussão das transformações sociais, políticas e culturais desta no resto da nação. Sendo sua argumentatividade bem estruturada e convincente, pois ele comprova com dados estatísticos que a população do Rio era a maior de país, com dados geográficos, pois era capital administrativa e política do Brasil, que maior parte dos militares estava na capital, as lideranças sindicais e o desenvolvimento de uma política estruturada desde os municípios com uma rede de ligações até ao presidente.
               As transformações trazidas pela República no Rio irão repercutir, da economia a vida moral, com uma política econômica diferente da época da monarquia no sentido de maior liberdade, com as pessoas praticando um capitalismo predatório de especulação inconseqüente que não pensavam na coletividade, mas em sua própria situação. Na vida moral, as pessoas deixam de casar reduzido assim o número de famílias que era o núcleo social da época. O fenômeno republicano que tinha que melhorar a vida das pessoas, pois em seu conceito original de “coisa de todos” deu  assim uma esperança a muitos grupos da época, que ao ver  essa transformação política pensava em reivindicar seus direitos. Porém “a coisas de todos” aqui no Brasil não foi assimilada em seu significado original, mas adaptada ao modo de grupos dominantes fazer política. Onde maior parte da população ficava excluída das mudanças que lhe poderia beneficiar. Mesmo não tendo cidadãos como copias do modelo europeu aqui no Brasil houve durante esse período formas de resistências que a nega a idéia ser o povo bestializado como o grupo dos capoeiras que atuavam no Rio de Janeiro. Porém o que se contata é que o povo depois desse período inicial tinha perdido a esperança de participação para melhora de sua situação. Com a pluralidade brasileira não existiu um líder que orquestrasse o povo reunindo a grande variedade de ideologias que não trazia um entendimento em comum entre os cidadãos, tudo isso foi usado pelos grupos dominantes para assegurar as suas riquezas. Este pode ser um modo de analise antigo marxista, porém uma vez que a parte abastada da população quase sempre na história detém os meios de forma opiniões, de coerção, recebem melhor educação e tem os meios de produção em suas mãos, então este método ainda é válido tendo em vista as permanecias da história.
            Depois de mostra o Rio de Janeiro as vantagens e desvantagens da República o autor tentar definir as varias concepções de cidadania vigentes na época de mudança do regime político. Depois ele examina a participação eleitoral destes cidadãos na capital do país. Frente à grande mistura de ideais importadas, como positivismo, liberalismo e socialismo da Europa e mal assimiladas pela população. O autor deixa entender que houve uma lógica de exclusão uma vez que a cidadania era uma pratica de poucas pessoas é a própria lei da época classificavam-no em cidadãos ativos e inativos, onde os primeiros possuem os direitos civis e políticos e os segundos somente os direitos civis, pois se entendia nesta época que o direito político era por merecimento. Como bem colocado nas aulas, a perversidade desse sistema ser assim é por causa do medo, pois grande parte da população era ex- escravos ou descendente que vivia marginalizados e dá direitos de voto a essa população era perigoso, entre essa forma de exclusão outra era a de que analfabeto não podia votar, essa era mais uma maneira de deixar o povo sem saída, uma vez que o governo não era obrigado de dar educação primária.
            Neste período fez muito pouco para o alastramento dos direitos civis, ainda que alguns autores pregassem que a população teria que participar mais diretamente no novo regime, pois algumas concepções de cidadania e prática política contrastavam com a exercida aqui. Esses grupos que assimilavam essas idéias vindas de fora eram unidos pela idéia de pátria ao menos no interesse de ampliação de cidadania, onde diversos setores da sociedade do período irão lutar como o contexto lhe permite uns como os militares que usavam o próprio estado para poder participar do processo, mostrando assim a intensa dependência das pessoas da época que para serem incluídas tinham que ser funcionárias do Estado, outros como os operários reivindicavam seus direitos por meios de idéias anarquistas e socialistas fazendo greves e mobilizando massas de trabalhadores. Porém a resistência de ampliação dos direitos de cidadania fez com que se perdesse o encanto inicial da República. Mas cada grupo deste tinha uma noção de cidadania os positivistas não aceitavam os partidos e a democracia representativa e somente admitia os direitos civis, Já os socialistas buscavam uma cidadania que interviesse no poder público, para os anarquistas a idéia de pátria coloca-se em primeiro lugar, enquanto que cidadania em segundo, pois eles se referiam a pátria como a própria família que é integração, é comunidade e cidadania é cálculo, é pacto, é defesa dos interesses. Mesmo com tantas versões de cidadanias nem sempre compatíveis entre si,  já servir para mostra que esta população não tinha nada de bestializada e que lutava de acordo com as condições impostas. Onde na realidade segundo o autor a concepção de “cidadania” era a participação não a parti da organização de interesses, mas a parti da maquina governamental, ou em contato direto com ela.
            As conflitantes propostas de cidadania indicavam tanto a insatisfação com o passado como a incerteza quanto aos rumos do futuro. Parte das divergências poderia ser atribuída a conflitos reais entre os vários grupos sociais que naquele momento começavam a mobilizar-se contra a República.  A diversidade poderia ser também atribuída à insegurança dos formuladores das novas propostas e quanto à reação do público, a quem se dirigiam, ou em alguns casos, quanto à própria identidade desse público: assim o exame de cidadania deve ter como contraponto o estudo dos candidatos a cidadão e as práticas concretas de participação política. Quem eram estes cidadãos? Como o modelo de cidadania europeu irá influenciar na analise dos formadores de opinião brasileiro? Como os imigrantes irão se estabelecer e influenciar a cidadania brasileira? Dentro dá  perspectiva européia idealizada, o povo que estava presente, mas de uma forma desorganizada marginal  eram classificados como gentalha, escoria... Já para o governo o bom brasileiro era o republicano florianista e nacionalista; o mau povo era o estrangeiro, particularmente o português antinacional, monarquista ou na melhor das hipóteses apático a situação política. Muitos outros imigrantes chegaram ao Brasil para trabalhar nas fabricas e esses chegavam com os ideais socialistas, anarquistas da Europa, poucos queriam se naturalizar brasileiro, pois os países protegiam muito bem seus cidadãos, e não queriam servir no exército e nem arcar com os custos da naturalização. Os que aderiram em maior número à cidadania são os africanos e portugueses, os primeiros por não terem cidadania e os segundos por que o governo português não conseguia proteger seu interesse dentro do país.
Quanto à cidadania no processo eleitoral, analfabeto, mulheres, frades, menores de vinte anos e praças das forças armadas não voltavam por diferentes motivos. Porém 50% da população do Rio eram alfabetizadas, mas isso não quer dizer que esse percentual votava, pois havia um processo de auto-exclusão no processo eleitoral, pois as eleições tinham um alto índice de corrupção, era perigoso por causa dos capangas contratados para obrigar os eleitores a votar no candidato da situação. Portanto ver-se que a cidadania era uma caricatura, o cidadão republicano era o mancomunado com os políticos, os verdadeiros cidadãos mantinham–se afastados da participação do governo da capital e do país. Quanto à criação de partidos políticos a grande heterogeneidade fez com que os partidos não se fortalecessem e tivessem poucos anos de vida. “A própria República não via com bons olhos” os partidos a não ser que fosse PRM, o PRR, PRP. Todavia a população do Rio era fragmentada e socialmente independente para ter partidos únicos. De uma maneira formal pode-se dizer que o Rio não tinha povo participativo na política oficial, mas a margem dela, com greves, arruaças, quebra-quebras ou por movimentos revolucionários como a Revolta da Vacina.
A Revolta da Vacina é captura pelo autor em suas concepções dos direitos e deveres do cidadão nas relações entre individuo e o Estado. No meio desse contexto ele procura entender aspectos da mente popular no seu cotidiano e quais pessoas fazem parte dessa população?E suas motivações justificadoras. É no governo de Rodrigues Alves que para desenvolver a economia começam construções e modificações na paisagem do Rio de Janeiro, com demolições de casa, cortiços, higienização de ruas e casa para combater pragas, combate a doenças por meio da vacinação obrigatória, proibição de criação de animais no o perímetro urbano, essas são séries de decretos e medidas que iram interferir e irritar a população do Rio e principalmente a parte mais pobres. Observa-se que a revolta esteve ligada a disputas políticas e ao contexto socioeconômico do período, baixa qualidade de vida, precariedade nos serviços públicos, etc. Como exposto pelo autor a população que era altamente excluída do processo político tinha um acordo não formal com a classe política de não interferir na política diretamente e aceitar as condições impostas mesmo que em desvantagem. Contudo quando o governo quebra esse informal acordo e interferi na vida íntima das pessoas existiu logo uma inquietação dos brios de cada um, na hora das casas violadas pelos agentes do governo. Este cenário foi muito bem aproveitado pela oposição que ficava divulgando todo tipo de informação para idealiza a causa e dá cunho político. Deste modo eles conseguiram junto com a insatisfação da população contra os vários setores da política. Onde neste primeiro momento a revolta se dar em torno da vacinação obrigatória, mas depois várias revoltas aparecem dentro desta própria, como  a conspiração militar-centro das classes operárias que buscava derrubar o governo; com os consumidores dos serviços públicos acertaram as velhas contas com a companhia; os produtores mal pagos; a classe popular retomou seu combate com a polícia; os cidadãos desrespeitados em seus direitos acertaram as contas com o governo. Estes vários incidentes aconteceram de uma forma fragmentada em uma sociedade já fragmentada que estava a muito tempo insatisfeita com sua posição de exclusão do processo político.
Pode-se dizer que a revolta da vacina foi uma “explosão de uma panela de pressão, com os ingredientes que a muito tempo fervia”, pois o governo com as medidas tomadas ele quis terminar de sufocar o povo, porém a população provou que a vontade geral pode ser conquistada através da luta.
No ultimo capitulo o autor tentar responder quem era este povo? Uma vez que opiniões da época eram baseadas no etnocentrismo preconceituoso europeu que constatava ser o povo desorganizado em suas revoltas, confundir a esfera pública com a privada, cita algumas tentativas fracassadas de mobilizar e organizar a população dentro dos padrões conhecidos do sistema liberal. Porém mesmo que os europeus tivessem razão este povo estava dentro de um processo formação histórica diferente e realidades distintas. Mas para o autor e para os documentos da época existiam dois tipos de cidadãos o bestializado e o bilontra. Onde o primeiro era o que participava da política, já o segundo era o que sabia se aproveitar dela em beneficio próprio. Estas características de nossa população são apresentadas pela geração de sociólogos 1930, e alguns historiadores de épocas posteriores que tentaram explicar este forte assistencialismo na política brasileira; relacionando como as características formadoras da população brasileira, que se originaram principalmente do português, indígena e africano e o nosso período colonial que é onde surgi às características políticas do brasileiro, na qual estes que não se reconhecem ainda brasileiro sempre encontraram soluções a sua maneira para os problemas encontrados na colônia que estava tão distante de sua pátria original. Nesta perspectiva ele volta às origens portuguesas para responder quais as categorias da cultura Ibérica são deixadas de heranças aos brasileiros como a grande sociabilidade intensa que visava a paz, porém não o fazia solidário, se dava na extroversão das relações pessoais dos pequenos grupos. Ao abordar este assunto por viés do dominador europeu o autor não explorar amplamente as contribuições dos grupos altamente marginalizados, negros e índios que contribuíram também para construção da República. Porém é muito fácil classificar esta população de bilontra ou bestializada, mas ao analisar o presente e observar as permanências da história fazendo relações ver que a população passou por intensas formas de intimidação, repressão e retaliação que ameaçava sua existência, e quando a vida esta posta em risco quem quer ser o primeiro a morrer por todos, ou por uma causa.
O autor levanta questões muito importantes como o analfabetismo e sua importância para deixa a população fora da política, ao mostrar o Rio como influenciador da realidade do Brasil, argumenta de forma convincente e prova com dados seus argumentos. Porém toma o caminho da generalização e não mostra como cada o regionalismo também influenciou o Rio de Janeiro. Ele também reforça esta tendência da historiografia brasileira de colocar o centro econômico e de produção intelectual que é o sudeste para ter uma postura determinante nos caminhos dados para as possibilidades da história. Quanto à cidadania o autor levanta um importante debate que esteve presente naquela época e que afligi a sociedade brasileira de hoje, fazendo repensar se é bom simplesmente passar pela história ou tentar modificá-la para as próximas gerações.     
 


Referências


FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala; Rio de Janeiro OLYMPIO, 1966.
PRADO, Caio Junior. Formação do Brasil contemporâneo; São Paulo, BRASILIENSE, 1997            

sábado, 21 de abril de 2012


CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.


Jéssika Adrielly

Redimensionando a participação popular na transição para a República, José Murilo de Carvalho, em Os Bestializados, abastece-nos com uma série de consistentes reflexões concernentes as estruturas políticas do Rio de Janeiro, então, capital política e administrativa do país. Refuta as assertivas que pintam com as cores do imobilismo e da apatia as condutas populares. Desse modo, é que as ideias suscitadas nesta obra são perpassadas pela discussão atinente a construção da cidadania no Brasil.
Sob a pecha de bestializados, essa “massa” foi caracterizada, pelos apologistas republicanos, como desprovida de tradição cívica e de envolvimento com as normas do mundo político. Em José Murilo de Carvalho a perspectiva é distinta, afinal, “o povo sabia que o formal não era sério. Não havia caminhos de participação, a República não era para va­ler. Nessa perspectiva, o bestializado era quem levasse a política a sério, era o que se prestasse à manipulação”.[1] Aqui a participação política do povo é manifesta fora dos canais oficiais da política, noutras instâncias e com seus próprios ritmos, portanto, greves, quebra-quebra e arruaças eram comuns na cidade. Aliás, é precisamente da cidade do Rio de Janeiro que vai se deter no primeiro capitulo do livro.
 Eivada de conflitos de todo tipo, a capital fluminense vivenciara um intenso recrudescimento de sua população, implicando precarização das residências e das condições de vida, ao passo que convivia também com dificuldades inflacionárias e a ampliação dos índices de criminalidade. Eis o Rio de Janeiro do início da república, em certa medida, caixa de ressonância do Brasil.
A implantação do regime republicano não significou a redução da exclusão destas camadas, ao contrário, representou, em alguns aspectos, continuidade ou mesmo acréscimo. Convém uma digressão: é, aliás, por acentuar aspectos “modernos” do império brasileiro que José Murilo de Carvalho vem sendo caracterizado por alguns críticos de monarquista. Assertiva retrucada, “não era minha intenção defender a monarquia, eu não estava sendo monarquista quando me manifestei” [2].
Para corroborar a sua tese - “quem apenas assistia, como fazia o povo do Rio por ocasião das grandes trans­formações realizadas a sua revelia, estava longe de ser bestializado. Era bilontra”[3] - José Murilo de Carvalho vai buscar no desenrolar da Revolta da Vacina um exemplo. Não encontrará, ao modo de Sevcenko, “mentes insanas”. Multifacetada, o autor explicará a revolta recorrendo aos padrões de moralidade das classes populares que resistiu às ações invasivas do Estado republicano. Era contra a invasão do lar e da sua privacidade que o povo que se mobilizava. Nesse sentido, a revolta caracterizar-se-ia, fundamentalmente, por “razões ideológicas e morais”.[4]
Essas repúblicas, que se mantinham nos subterfúgios da cidade, e que não se deixavam dominar inteiramente pela República Liberal, essas estruturas comunitárias – o samba, o carnaval, as irmandades e etc.– não se encaixavam in totum ao liberalismo dominante da política formal, são elas que, paradoxalmente, serão caracterizadas como os elementos mais “autênticos” da cultura nacional.
As incursões historiográficas de José Murilo de Carvalho na historiografia, seguramente, produziram saldo positivo. Ainda que não sejam negligenciáveis as críticas que vem sofrendo dos seus mais coevos interlocutores. A ideia que subjaz na obra é que de fato o povo, apesar de não ser bestializado/tolo, foi de passivo. O conceito de bilontra, nesse sentido, remove o povo do papel de espectador passivo e coloca-o no de espectador ativo. Deliberadamente, escolheram não participar. [5] Seria, pois, o excesso de compreensão, e não sua insuficiência, que explicaria a passividade do povo. Mas esta continua, nas linhas gerais de “Os Bestializados”, como um dado. Sobrevém, na perspectiva de seus críticos, uma representação “um tanto estática, baseada na formulação da "Republica que não foi", vale dizer que não teve representação ou participação política, que não construiu cidadãos e não teve povo”[6]. O desinteresse do povo pela política, deste modo, emerge como derivação do argumento. Assertiva, ao menos, controversa.
Para além de todas as possíveis objeções, a obra de José Murilo de Carvalho já se converteu em parada obrigatória para os estudiosos da história do Brasil. Onde os ‘visitantes’ encontraram uma interpretação bastante singular dos albores da República e da cidadania no Brasil.








[1] CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Republica que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p.160.
[2] Entrevista com José Murilo de Carvalho. Entrevista concedida em 9 de outubro de 1998 a Lucia Lippi Oliveira, Marieta de Moraes Ferreira e Celso Castro.
[3] Ibidem.
[4]  [4] CARVALHO, José Murilo de.  Op. Cit, p. 135.
[5] MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ecos da Política: A Capital Federal, 1892 – 1902.
Niterói: UFF/ICHF (tese de doutorado em História), 2004.
[6] BONAFÉ, Luigi. Como se Faz um herói republicano: Joaquim Nabuco e a República. Tese de Doutorado: Orientadora, Ângela de Castro Gomes, Universidade Federal Flumimense, 2008, p. 100.

terça-feira, 17 de abril de 2012

CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

Rosana Maria dos Santos
Resenha
O texto propõe analisar o livro de José Murilo de Carvalho cujo título é: Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. José Murilo de Carvalho é graduado em sociologia e política pela Universidade Federal de Minas Gerais e pós-doutor em História da América Latina pela University of London. Autor de vários livros e artigos relacionados ao período Imperial e o Republicano.  Atualmente atua no programa de pós-graduação da universidade Federal do Rio de Janeiro onde desenvolve pesquisas nas áreas de história intelectual, Cidadania, Republica formação da nação, imaginário e pensamento conservador. O autor também é referencia em história do período republicano, pois apresenta uma vasta bibliografia sobre o assunto como, por exemplo, o artigo “República, democracia e federalismo Brasil, 1870-1891”. Nesse artigo o autor discute como foi a transformação dos radicais liberais em republicanos, ocorrida a partir do manifesto Republicano de 1870 e como esse processo de transformação provocou um retrocesso conservador e suspendeu o programa de reformas sociais e políticas no Brasil, essa idéia foi  proposta pelos radicais durante a década de 1860
Mas, ao mesmo tempo em que José Murilo de Carvalho é referência em história do Brasil Império e Primeira República, o autor também recebe várias críticas sobre suas obras e principalmente sobre a obra que será discutida nessa resenha, em que muitos autores buscam compreender esse conceito de “bestializado” presente na obra de José Murilo de Carvalho, como por exemplo a obra de Stéphane Monclaire cujo título é: “Democracia, transição e consolidação:precisões sobre conceitos bestializados”.
A obra que será resenhada contém cento e noventa e seis páginas está dividida em cinco capítulos cujos títulos são: O Rio de Janeiro e a República, República e cidadanias, Cidadão Inativos: abstenção eleitoral, cidadão ativos: a revolta da Vacina, Bestializados os bilontras?. Nessa obra o autor procura discutir os elementos principais da república no Rio de Janeiro. No título o autor já deixa claro a idéia central de seu livro, “Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi”, mas,  é a partir do capítulo três que o autor vai discutir a idéia central de seu texto que é: o “povo” da capital do país assistiu bestializado a proclamação da república? O “povo” do Rio de Janeiro era realmente apolítico?(CAVALHO, 1987, p.68).

No primeiro capítulo (O Rio de Janeiro e a República) José Murilo de Carvalho, afirma que a cidade do Rio de Janeiro de Janeiro passou durante a primeira década da República por uma fase turbulenta de sua existência. Onde ocorreram grandes transformações de natureza econômica, política, social e cultural. As mudanças no regime político, segundo o autor, causaram grandes agitações na capital do país e só começaram a acalmar no final da década.
Para o autor o que levou a cidade do Rio de Janeiro a sentir com maior intensidade os impactos que ocorreram no país após a proclamação da República, foi o fato do Rio de Janeiro ser maior cidade e a capital econômica, política e cultural o país.
A república não ocorreu como um grande acontecimento da época, ou seja, a cidade do Rio de Janeiro já vinha passando por transformações sociais e econômicas de ressonância nacional, esses acontecimentos tiveram um grande impacto na vida dos que moravam na capital do país. Dentre esses fatos pode-se citar a abolição da escravidão. Essa nova realidade trouxe novas realidades para a cidade do Rio de Janeiro, uma delas foi o crescimento demográfico, que alterou a população da capital em termos de números de habitantes, de composição étnica e de estrutura ocupacional. Segundo o autor,

A abolição lançou o restante da mão-de-obra escrava no mercado de trabalho livre e engrossou o contingente de subempregados e desempregados. Alem disso provocou um êxodo para a cidade proveniente da região cafeeira do estado do Rio de Janeiro e um aumento na imigração estrangeira, especialmente de portugueses (CARVALHO, 1987, p.16).
Segundo o autor, em termos absolutos a população quase dobrou entre 1872 e 1890, passando de 266 mil a 522 mil. Além disso, a cidade ainda teve que absorver mais 200 mil novos habitantes na última década do século.
Esse aumento populacional trouxe impactos sobre as condições de vida, como conseqüentes pressões sobre a administração municipal. Os problemas de habitação agravaram-se tanto em termos quantitativos quanto em termos qualitativos. Para solucionar esse problema foram criadas várias leis que conseqüentemente levaram a diversas revoltas, dentre elas a revolta da Vacina.
Outro problema enfrentado pela república foi o aumento do custo de vida agravado pela imigração, que ampliava a oferta de mão de obra e acirrava a luta pelos empregos.
A proclamação da república, não acarretou só prejuízos para a capital ela trouxe também novas expectativas de renovação política, houve uma maior participação no poder por parte não só da contra-elite, mas também, da classe excluída.
Acreditando que as mudanças poderiam ocorrer os operários tentaram organizar-se em partidos, promoveram greves, seja por motivos políticos ou por um aumento do seu poder aquisitivo que vinha decaído em virtude da inflação.
A economia enfrenta índices inflacionários absurdos, ideais para as elites, por causa da especulação, mas terrível para as classes populares.
Mas, o único setor da população excluída a ter uma atuação na República foram a dos capoeira. Eles foram perseguidos logo no inicio da republica, mas a mesma não conseguiu destruí-los, mas sim “domesticá-los” criando condições para a sua reincorporarão ao novo sistema de forma mais discreta.

O autor também descreve ao longo do capitulo da vida social da cidade. Para ele: “o pecado popularizou-se, personificou-se”.  Os Cortiços se proliferaram na cidade vários jornais da época com freqüência traziam noticias sobre essas habitações e os sujeitos que os constituía.
O capítulo Repúblicas e Cidadania o autor disserta sobre a grande influência que o fim do Império e o inicio da República sofreu com idéias vindas da Europa. Contudo, esses pensamentos não eram bem absorvidos ou muitas vezes eram mal interpretados, resultando muitas vezes em uma confusão ideológica. O liberalismo, positivismo, socialismo, anarquismo misturavam-se e combinavam-se ao mesmo tempo. E nessa época também que começa fortes discussões sobre cidadania, uma vez que, com já foi dito anteriormente no inicio da República houve um aumento de contingente de estrangeiros para o Brasil, sobretudo os que vinham de Portugal. Assim no início da República emergiram várias concepções sobre cidadania nem sempre compatíveis entre si. A mudança para um novo regime despertou na população uma expectativa de expansão dos seus direitos políticos nos mais diversos setores da população. Em síntese o que ocorreu de fato, foi que a vitoriosa elite civil republicana se deteve ao conceito liberal de cidadania, assim como também essa elite criou obstáculos para democratização dos direitos civis a todos os cidadão. Diante  das dificuldades em tornar o país mais democrático e igualitário o povo se articulava de todas as formas. Surgiram na época vários partidos operários.  Vários grupos também se articulavam. Jornais foram criados na época o Nihilista (1883), jornal dos operários, do exercito da armada; união do povo (1887).
Após a proclamação da República houve uma tentativa de organizá-los. A primeira tentativa deveu-se aos positivistas. Em 1889, Teixeira Mendes reuniu-se com quatrocentos operários da União e discutiu um documento que entregou a Benjamin Constant, que ocupava o cargo de ministro de guerra. No documento os operários pediam uma jornada de trabalho de sete horas, descanso semanal, férias de quinze dias, licença remunerada para tratamento de saúde.
Posteriormente em 1890, houve uma tentativa de criar um partido operário  onde os operários do setor privado também poderiam participar. Mas em virtudes de divergências entre os líderes operários França e Silva que lutava por um partido controlado pelos próprios operários, e o tenente José Augusto Vinhaes, da marinha, que organizou um partido sob sua liderança. Vinhaes tinha suas bases principais entre os ferroviários e portuários. Mas, segundo José Murilo de Carvalho, Vinhaes serviu de intermediário entre operários e o estado. Para o autor, até as tentativas dos militares de ter acesso a cidadania mais ampla se deu “pelos porteiros do estado”.
Nos três últimos capítulos o autor descreve a grande efervescência ideológica que marcou os anos iniciais da republica, as propostas de cidadania que convergiam entre sim. O período republicano foi marcado por um sentimento de insatisfação com o passado e ao mesmo tempo uma incerteza quanto ao futuro.
E foram as incertezas que fizeram com que o povo do Rio de Janeiro, quando necessário para a defesa de seus interesses, se rebelou contra o sistema republicano. Segundo José Murilo existia uma mentalidade internacional na qual se acreditava que não havia participação do povo nos negócios do Brasil. a política era na melhor das hipóteses, assunto dos estados-maiores das classes dominantes. Produto das rivalidades de chefes militares, entrando o povo apenas como massa de manobra.  Para Aristides Lobo “o povo teria assistido bestializado a proclamação da republica, sem entender o que se passava” (CARVALHO, 1987, p.68).
A apatia do povo era particularmente dolorosa e frustrante para homens como Aristides Lobo e Raul Pompéia. Mas   a afirmação da inexistência de um povo apolítico para o autor é exagerada, No Rio de Janeiro desde a independência já havia uma intensa participação popular, sobretudo durante o primeiro reinado e a regência.
Pelo critério da participação eleitoral, pode-se dizer que de fato não havia povo político no Rio de Janeiro. O pequeno eleitorado existente era boa parte composto por funcionários públicos, sujeitos a pressão da parte do governo. Assim é que, por exemplo, na paróquia de São Cristovão, um bairro operário, 38% dos alistados em 1890 eram funcionários públicos (CARVALHO, 1987, p.86)
Segundo José Murilo de Carvalho, o que ocorreu de fato foi que as classes populares não viam com tanto entusiasmo a república, o povo tinham forte simpatia pela monarquia, pela figura do imperador D. Pedro II e da princesa Isabel, sobretudo os negros, com a recente abolição.
Muitos movimentos populares marcaram essa época como a revolta do Vintém, em 1880, onde mais de cinco mil pessoas reuniram-se no centro da cidade e provocaram grandes tumultos. Em 1904 a revolta da vacina será a maior expressão da insatisfação popular frente à política vigente. Durante uma semana os populares invadiram as ruas do Rio de Janeiro. “A cidade praticamente parou diante da revolta do povo”. (CARVALHO, 1987, 72).
Existia  uma enorme distância entre o ideal Republicano e a vida das classes populares.  As duras repressões feitas pela administração pública contra os capoeiras, os bicheiros e as intervenções nos cortiços, ocasiões em que era percebido um clima de guerra, isso tudo levou a “classe oprimida” a desacreditar em uma melhor qualidade de vida após a proclamação da República. O governo republicano também procurou tirar os militares do jogo e reduzir o nível de participação popular. Procurou cooptar as oligarquias a fim de formar sua sustentação política, governando “por cima” da multidão, vista como obstáculo à implantação do novo regime.
A análise do tipo de participação popular longe da política, da representação, enfim, da formalidade, mostra a distinção, na sociedade carioca, da política real e da política formal.
O autor também discute em seu livro o termo “bilontra”, que é o cidadão que tem consciência da forma de exercício do poder real e mobiliza-se dentro do espaço que lhe é permitido atuar, paralelamente ao governo.
 Assim, obra de José Murilo de Carvalho nos permite compreender e refletir sobre os acontecimentos que ajudaram a construir o país atual. O povo do Rio de Janeiro não assistiu bestializado a proclamação da República. Entretanto, não podemos negar as críticas feitas por Raul Pompéia e Aristides Lobo quando afirmavam: “o povo assistiu bestializado a proclamação da República”, talvez para esses autores o termo “bestializado” seja identifico como um povo não preocupado em chegar ao poder em mudar uma realidade precária de vida. O povo lutou sempre por causas reacionárias poucos profundas como a revolta da Vacina. Existiam problemas sociais e políticos mais profundos, mas, os “revoltosos” preferiram ficar “bestializados”, pois não se mostraram nem antipatia nem simpatia ao novo sistema.
O povo do Rio, quando participava politicamente, o fazia fora dos canais oficiais, através de greves políticas, de arruaças, de quebra-quebra [...] Do governo queria principalmente que o deixasse em paz. (CARVALHO, 1987, p.90)






Referências Bibliográficas

CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
________, República, democracia e federalismo Brasil, 1870-1891. Disponível em publicação eletrônica na internet via http://www.scielo.br/scielo.php.



Besta é tu?


Besta é tu?

Por Aline Cardoso

José Murilo de Carvalho traça em “O Bestializados. O Rio de Janeiro e república que não foi” um panorama sobre esse momento inicial da República brasileira em gênese imersa num contexto de ressignificações que se apresentavam não apenas no campo político, como na própria sociedade e na cultura brasileira no início do século XX. O autor trata desses aspectos tendo como referência os valores, o cotidiano, a política, a mentalidade da então capital do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro.
O autor inicia o texto indo direto ao ponto que anuncia no próprio título do livro, com a citação do ilustre Aristides Lobo que disse “ o povo que pelo ideário republicano deveria ter sido protagonista dos acontecimentos assistira a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ser talvez uma parada militar.” O adjetivo que Lobo dá ao povo tendo em vista sua percepção sobre a participação popular no movimento Republicano reflete o pensamento de alguns intelectuais contemporâneos dele e que, ao longo do texto, José Murilo tenta reconstruir.
 Ora concordando com essa visão, quando apresenta o não enquadramento do povo brasileiro aos padrões de civilidade europeus, como tanto ansiavam os intelectuais da elite abolicionista, republicana e Liberal como o próprio Lobo e Raul Pompéia. Como também, corroborando com essa ótica, Murilo, traz a opinião dos próprios Europeus que visitaram ou viveram nesta época no Rio de Janeiro  como o francês Louis Couty que disse “o Brasil nem mesmo teria um povo”. Ora apresentando as limitações que esta visão preconceituosa carrega, fazendo o leitor refletir sobre as manifestações populares representadas nas peculiaridades históricas e culturais próprias do Brasil. Refletindo sobre como essa participação política popular era indiferentes aos mecanismos oficiais de participação, com seus próprios meios de  se organizar( como Murilo cita: nas organizações em torno da religião, nas associações de bairro, no carnaval, no futebol...) e até mesmo quando essa participação se apresentava contra as ordens estatais quando essas lhe desagradavam (A revolta da Vacina é o exemplo mais latente nesse sentido na obra) ou quando ela só se relacionava com o Estado quando lhe era favorável, demonstrando as origens da esperteza atribuída a imagem que ate hoje se faz dos brasileiros, a qual na obra Carvalho trata como os “Bilontras”, como apelidou Artur de Azevedo, citado pelo autor.
            O entendimento dessas percepções vai ser uma grande preocupação do Autor, que distribuindo a obra em cinco capítulos, além da introdução e da conclusão, vai tentar passar para o leitor como se deu essa construção histórica em que se interligam as temáticas da discussão proposta em “Os Bestializados” que, como o próprio Carvalho concluiu “girou em torno de três temas e das relações entre eles: o tema do regime político(a República), o tema da Cidade( o Rio de Janeiro) e o tema da prática popular( a cidadania)”(p.161).
            Tendo em vista a referida obra, segue uma breve síntese do que capítulo a capítulo, José Murilo de Carvalho organiza e fundamenta suas argumentações.
No primeiro capítulo –  O Rio de Janeiro e a República – o autor faz um apanhado das  questões latentes na cidade do Rio de Janeiro apresentando os contexto social, político, econômico e cultural durante os primeiros anos da nascente República brasileira. Dentre essas questões, destaca inicialmente o crescimento demográfico, associado ao êxodo rural, aumento da imigração que, aliado ao contexto pós-abolição da escravidão, relacionando-os aos problemas próprios desse fenômeno de urbanização desorganizada e rápida que acarretou desde problemas habitacionais a formação de uma classe de marginalizados associados ou não a criminalidade. No aspecto financeiro, cita o período  marcado por uma febre especulativa na ânsia por enriquecimento, pela constante emissão de moeda (pelo governo), da famosa política do “encilhamento”.  Aborda ainda,  a construção das mentalidades, outro elemento marcante no período, seria caracterizado pela importação de ideologias estrangeiras – positivismo, anarquismo, liberalismo e socialismo como principais influências na elaboração do discurso político-ideológico do período.  a idéia principal desta primeira parte do livro tem em síntese relação com um tom de frustração na expectativa de ampliação da participação política popular com a mudança de regime do imperial para o republicano.  Essa frustação é caracterizada da seguinte maneira por José Murilo “ o submundo da cultura popular engoliu aos poucos o mundo sobreterrâneo da cultura das elites. Das repúblicas renegadas ela República foram surgindo os elementos que constituíram uma primeira identidade coletiva da cidade, materializada nas grandes celebrações do carnaval e do futebol.”(p.41).
No segundo capítulo –  República e cidadanias – o autor descreve o cenário político-ideológico do período em que se insere essa República em gênese. Intimamente relacionada comas ideologias vigentes no continente europeu da época, marcando o processo de disseminação dos valores burgueses na mentalidade da elite fluminense. Fazendo uma breve relação de fatos históricos e posicionamentos políticos que vigoravam no período travados entre os mais radicais republicanos e os mais conservadores.
No terceiro capítulo – Cidadãos inativos: abstenção eleitoral – o historiador discute a participação efetiva (ou não) do povo, no que oficialmente singulariza a cidadania numa visão mais oficial dentro de um regime democrático, como deveria ser no novo modelo Republicano, ou seja, através do voto. Inicia o capítulo citando o pensamento de intelectuais estrangeiros como Louis Couty e Blondel, sobre esse “cidadão brasileiro”, que Carvalho identifica, por um lado, como preconceito e um exagerado por parte desses intelectuais acerca da sociedade brasileira visto que eles desconsideravam as peculiaridades históricas de nosso suas povo, tentando adapta-los a conceitos de cidadania e civilidade tipicamente europeias. Coloca também como essas idéias influenciaram também pensadores brasileiros, como Aristides Lobo. Critica essa visão colocando as manifestações não oficiais( ou seja, aquelas que o povo demonstrava longe das urnas), por exemplo, as greves operárias e as ‘arruaças’ que seriam, identificando-as como uma forma de participação política. Além disso, apresenta as limitações do regime eleitoral completamente excludente e ineficiente do período, que caracteriza por fraudes e baixa participação eleitoral.  
O quarto capítulo - Cidadãos ativos: a revolta da vacina – Representa a visão trazida por Carvalho no capitulo anterior que aponta a cidadania como não apenas reflexo do posicionamento oficial de participação. Trazendo as manifestações populares como foco desse debate. Especialmente descrevendo o fenômeno da Revolta da Vacina e seus desdobramentos.
No quinto e último capítulo da obra – Bestializados ou bilontras? – Sintetiza sua tese inicial acerca dessa forma de entender o que aparentemente faziam do povo brasileiro “apático e alienado”. Ressinificando esse conceito seria, na verdade, atribuindo sabedoria e astúcia desse povo que sabia que o formal não era sério, “sabia que a República não era pra valer”(p.160). Nesse sentido, o bestializado era quem levasse a política a sério,aquele que aceitasse as manobras de manipulação do poder. Em contraponto, quem apenas assistia – como fazia o povo do Rio de Janeiro em meio tantas transformações – não seria ‘bestializado’, mas ‘bilontra’. O esperto, o que da política colhe o que melhor lhe oferecer, omisso da vida política por opção, este é bilontra de Carvalho, aquele que sabia que a República era uma fantasiosa, ludibriadora e movida pelos que dela se corrompem.

Pode-se por fim, diante dessa breve análise da obra de José Murilo de Carvalho, afirmar que diante do que foi apresentado ao longo do texto, infantilizar a República que ainda se iniciava numa cultura extremamente particular integrante de um povo que há quase quatrocentos anos sempre esteve alijado do processo político oficial e que, ao menos no plano teórico, começava a projetar essa participação política que, aos poucos, com a própria mudança de regime se construía resumindo-o a bestializados, parece-me equivocada por limitar as significações históricas dos movimentos populares delineados ao logo da história política do país. Trazendo a discussão sobre a cidadania, no sentido compreendido pela visão de que cidadão é aquele indivíduo politicamente consciente, é importante avaliar como essa característica se apresenta na cultura brasileira do inicio da república apresentada por Carvalho, e verificar as permanências e ressignificações desta compreensão até os dias atuais que insiste em estereotipar o brasileiro como um povo apolítico é bastante perigosa. É importante que nos perguntemos constantemente, como o refrão do Moraes Moreira quem é besta, tu?

Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi


Os Bestializados.  José Murilo de Carvalho.
Por:  Suzane Araújo. 
          No prefácio, José Murilo relata a frase de indignação por Aristides Lobo, pois segundo este, o povo assistiu bestializado a implantação da republica e comparou-a com uma movimento de parada militar; e a de Louis Couty que devido a sua experiência com a realidade francesa, concluiu que a população brasileira não era tão participante politicamente como o seu país. O autor traz inicialmente estes dois exemplos de colocações para à partir dessa ideia central ele possa desmembrar toda uma discussão que abrange tal pensamento. O autor, ainda no prefácio, justifica que escolheu como objeto de analise o Rio de Janeiro devido ao fato de que esta era a maior cidade em nível populacional durante os anos iniciais da Republica, da sua importância política, econômica e administrava enquanto capital e vizinha de uma grande zona cafeeira, e, da projeção dos acontecimentos no RJ que ganhavam dimensões em todo o país.
          Ao sair do prefácio e adentrar no primeiro capitulo da obra de José Murilo, este apresenta que o fim da escravidão, a vinda de imigrantes, o êxodo rural, e o desequilíbrio entre o número de homens em relação ao de mulheres, foram as principais mudanças do aumento demográfico, e que consequentemente, este quadro acentuou a falta de trabalhos mau remunerados e a péssima qualidade da habitação e da higiene   vividas pelos fluminenses. A crise econômica desencadeada sobretudo, pela liberação de dinheiro que se fez necessária com o fim da abolição,  trouxe o aumento da especulação do capital, a crise do preço do café, recessão econômica, elevação do imposto sobre os importados, carestias de produtos, aumento do custo de vida e da oferta de trabalho.
          Além dessas mudanças econômicas e demográficas, a população no começo da Republica estava ansiosa em relação a esse novo regime, pois, achavam que teriam mais participação política em relação à política anterior. Somasse a este quadro descrito acima, grande agitação social entre os militares que se acharam no direito de intervir aonde lhes desejassem; operários realizavam greves bem como outros setores da vida econômica, descontentes com a crise geral e com a nova Republica, jacobinos eram agitadores, ameaçavam e matavam portugueses, opositores políticos e o governo; capoeiras e anarquistas eram presos e deportados.
          Ainda durante este primeiro capitulo, o autor mostra que nos primeiros anos da Republica, havia uma movimentação no mundo das ideias. Os republicanos liberais e federalistas inspiravam-se na Revolução francesa e tinham uma postura centralista. Já os positivistas se viam como tutores da nação durante a República. Surgiram também propostas anarquistas e de intelectuais que buscaram ter algum tipo de aliança com a nova Republica.
          A República também proporcionou a afloração de valores morais e costumes que antes estavam ocultos. A sedução, o jogo, a vagabundagem estavam em evidencias e as autoridades republicanas buscaram reprimir o “surto” de imoralidade. Algumas formas de repressão contra pobres, negros, capoeiras, bicheiros e etc. foram vistas de forma negativa pela população o que gerou um sentimento de raiva em relação à Republica, e um saudosismo dos tempos da monarquia. Com base nesse quadro de acontecimento geral, percebe-se que a Republica tinha grandes desafios à superar em sua fase inicial.
          Já que alguns setores da camada social se encontravam frustrados com a falsa promessa de uma Republica participativa, houve a tentativa de participação política, porém, estas formas eliminadas como foi o caso dos jacobinos e de socialistas que encontravam dificuldades de participar do processo eleitoral. A participação popular passou a ser feita de modo extra-oficial, somente desta maneira a população encontrou voz. Não havia o sentimento de pertencimento à uma política coletiva, o único valor em comum a todas as populações, era a religião.
          No segundo capítulo, o autor ao tratar sobre Republicas e Cidadanias, traz a distinção política que se formou durante a República, entre os cidadãos ativos, que eram aqueles que tinham direitos políticos e civis; e os inativos que só possuíam os direitos civis. O autor ressalta que desde os tempos do Império o voto não era ampliado para todos os setores sociais. A República liberal se tornava cada vez mais discriminatória e antidemocrática, pois proibia greves, coligações entre os operários, ela não estendeu os direitos civis e políticos para todos e colocou o poder nas mãos dos proprietários rurais e urbanos.
          O autor traz a concepção de cidadania do radical Silva Jardim, no qual, acreditava que o povo era uma classe homogênea e que ela defenderia um só interesse. Além disso, ele acreditava em uma ditadura republicana que deveria representar um único interesse. Ao falar ainda sobre cidadania, muito antes da República, os militares buscavam um reconhecimento melhor dentro da sociedade em que viviam. Durante a República, eles tentaram se aproximar dos direitos civis e reivindicavam direitos políticos e uma maior participação na política. Segundo o autor, eles desejavam participar do Estado, ter direito à estadania.
          Já os soldados juntamente com os operários defendiam o direito ao voto e de serem representados diante à nação. Particularmente os primeiros, desejavam trabalhar na administração pública. Já a classe operaria idealizou que no novo regime ela teria maior participação política. Ela tentou durante a República, se organizar politicamente através de partidos, mas, em varias ocasiões foi abafada. Com base nos casos dos militares, dos soldados e dos operários, percebe-se que cada um deles buscava os seus direitos políticos e civis de acordo com seus interesses e que não necessariamente, eles desejavam a ampliação desses direitos para toda população que era inativa.
          O autor ao aborda sobre o conceito de cidadania para os republicanos, afirma que eles se baseavam em Comte e que os cidadãos deveriam ter apenas o direito civil e social, sem participação política e teriam que esperar pela ação do governo, além de não reivindicar direitos civis e sociais.
          O socialismo se encontrava divido no Brasil, havia partidos operários de socialistas que buscavam um representante, ou buscavam o apoio do governo. Os anarquistas começaram a ganhar campo em jornais, revistas, federações e congressos. Eles não aceitavam o sistema político. Porém, dentro do anarquismo brasileiro existia aqueles que são de vertente comunista e que pregavam o fim da propriedade privada e do Estado, a Revolução Social e o sindicalismo como arma de luta; já os anarquistas individualistas assumiam as mesmas bandeira dos anarquistas comunistas exceto no que diz respeito à manutenção da propriedade privada e a rejeição de qualquer tipo de autoridade que provenha do Estado, de partidos e de eleições.
          O autor mostra que durante a Republica houve vários conceitos de cidadania e de Pátria. De uma forma sistematizada e se baseando em sociólogos clássicos, o autor mostra que pátria esta ligada à família, a cooperação, à comunidade e ao sentimento. Já a cidadania seria um contrato racional, individualista e em defesa dos interesses. Os positivistas afirmavam que a pátria e a cidade eram sinônimas de convivência coletiva, afetiva e que elas se baseavam em uma relação de deveres entre os seus membros. É interessante ressaltar que em oposição à prática da cidadania, o autor trabalha que a estadania seria aqueles indivíduos que estavam fora dos parâmetros civis, sociais, econômicos e/ou políticos do Estado, mas que desejavam participar de alguma forma na máquina estatal, como por exemplo, os militares e os capoeiras.
          Os anarquistas negavam a ideia de pátria como um sendo a relação de um individuo que pertence a um determinado lugar. Eles acreditam em um conceito de pátria ligado a um indivíduo que pertencia ao universal. Os anarquistas criticam a pátria pregada pelos liberais, pois acreditavam que ela usada em prol do interesse da classe capitalista dominante.
          Já no capitulo que se refere aos Cidadãos Inativos: A Abstenção Eleitoral, o autor aborda sobre quem eram as pessoas que criavam as propostas de cidadania, quais eram as suas participações políticas e atuações enquanto cidadão. Ele traz também o relato de estrangeiros que falavam da não participação do povo na vida brasileira. Dentre essas afirmações esses estrangeiros viram que o povo não participava dos negócios públicos, e que até mesmo as classes dominantes da economia e da política não atuavam de forma efetiva na cidadania. Ainda segundo estes relatos, acreditavam que a política era para ser dirigida pela classe dominante e que no caso do Brasil, os militares poderiam dar qualquer rumo político que o povo facilmente aceitaria.
          Porém o autor ira afirmar que tal pensamento é exagerado e que não corresponderia totalmente à realidade, pois desde o Primeiro Reinado e no Período Regencial que é verificável intensa participação política por parte do povo. Até mesmo na Republica é visível mobilizações, greves, revoltas e etc. que marcam o sentimento de não apatia. Esse tipo de povo que participava dessas “agitações” em sua maioria não eram cidadãos político. Talvez esse pormenor tenha passado por despercebido dentre os  estrangeiros.
          Em um subtema desde capitulo que se chama O Povo dos Censos, o autor trabalha com os censos de 1890 e de 1906 para mostra quem era a população do Rio de Janeiro daquele período e em que ocupação se debruçava. O autor mostra que do alto da pirâmide social estavam os banqueiros, os capitalistas e os proprietários; na camada intermediaria estavam os profissionais liberais, comerciantes, funcionários públicos e as múltiplas categorias de operários; e que na base havia os jornaleiros, trabalhadores domésticos e pessoas sem profissão reconhecida.
          O autor irá se debruçar neste tópico para falar sobre os estrangeiros. Ele afirma que estes eram em grande número durante a República e que se sobressaia aqui, o português. Os imigrantes estavam presentes desde camadas sociais mais elevadas como também nas desfavoráveis. Havia particularmente, um ódio exacerbado pelos portugueses, justificado pelo seu controle no comércio, nas moradias de aluguel e pela sua preferência nas vagas de emprego.
          A lei de naturalização dava ao estrangeiro o direito de votar. Porém, o governo passou a “subornar” os imigrantes com cargos públicos para que eles se naturalizassem. Com isso, o governo desejava de fato forçar o imigrante a adentrar nas forças armadas brasileiras. Essa ação do governo era muito criticada pelos embaixadores, como afirma o autor. Se tratando do outro subtema do terceiro capitulo que trata sobre O Povo Político, são apresentados vários problemas que dificultavam a atuação política da população: grande número de estrangeiros, parcelas da população não conheciam as forças que direcionavam a sociedade e a política, as greves realizadas pelos portugueses não eram contínuas e o grande número de analfabetos.
          O autor apresenta que oitenta por cento da população era cidadã inativa, e que o povo restante possuidor do direito de exercer a cidadania política, por vezes, não o fazia. Com base nisso, ele conclui que não havia cidadão político no Rio de Janeiro. A população votante provinha, sobretudo da classe do funcionalismo, que por vezes era pressionado pelo Estado fazer o fazer. Além do mais muitos políticos para garantirem seus votos, contratavam bandidos, capoeiras e etc. para intimidar e agredir os que negassem seu voto a determinado candidato.
          Percebe-se com isso que mais uma vez a Republica que foi instalada nada tinha de democrática, e que em certos momentos puniu e repreendeu de forma ditatorial. A única forma que os não votantes encontraram para expressarem a sua insatisfação era por meio de greves, motins e quebra-quebras. Já os votantes, eram cidadãos plenos, mas não exerciam o direito político frente à insegurança.
  Ao falar sobre a Revolta da Vacina o autor primeiramente contextualiza este episódio no governo de Rodrigues Alves e explana as diversas reformas sanitárias e públicas realizadas no Rio de Janeiro. Algumas pessoas não se mostravam simpáticas às medidas sanitaristas que exigiam a interdição ou a demolição de seus imóveis. Antes mesmo de a Revolta emergir, houve grande oposição de políticos frente à proibição da obrigatoriedade da vacina, o que trouxe à tona pensamentos de deposição ao governo. Vale ressaltar que a imprensa estava dividida à cerca da aceitação ou não da vacina e que outras disputas estavam ocorrendo paralelamente à Revolta, como a mobilização dos militares contra o governo.
          O que deve ser tratado como relevante sobre essa Revolta é o fato de que vários setores da sociedade discordavam a cerca da “intromissão” do governo ao obrigar o indivíduo a abrir sua porta, ser tocado por um estranho e ser vacinado. Isso mostrava que o povo tinha uma vaga noção de até onde o Estado poderia ir em relação ao que é privado. A moral estava em jogo, ela foi o “cimento” que unificou grande parte da sociedade.
          A Revolta também nos permite enxergar que as massas anteriormente reprimidas pelo Estado, já tinham antes da Revolta, concentrado forças de antipatia contra o regime republicano.  Ainda sobe essa Revolta, o autor desmente por meio de fontes da época que o motivo real daquela teria sido pelos descontentamentos dos fatores econômicos e pelas obras publicas.
No ultimo capitulo, Bestilizados ou Bilontras? o autor irá trazer uma discussão teórica à cerca do contraponto entre a ação comunitária extra-oficial, da população ao fazer motins, greves, manifestações, à sua capacidade de coletividade nos festejos profanos e religiosos; e de o mesmo povo não poder  expressar a sua cidadania.
Para fundamentar a posição de súdito do povo ao invés de ser cidadão, o autor apresenta estudos de Alberto Sales e Silvio Romero baseados em Richard Morse, que afirmavam que o brasileiro é sociável com indivíduos que lhe são mais próximos e que isso é um traço da herança cultural ibérica de caráter cooperativa e familiar. Tal atitude acarrearia à falta de solidariedade mais ampla e de uma consciência coletiva. Opostamente, a cultura individualista no estilo anglo-saxônica, teria permitido à política participativa, à iniciativa privada, à associação.
          Para os pensadores liberalistas, essa falta da iniciativa privada e do espírito empreendedor gerou uma ânsia pelo emprego publico no Brasil. Em oposição a estes pensadores, Annibal Falcão inspirado em Comte, acreditava que a humanidade caminhava para a integração, e que o individualismo não levava à democracia.  
          A população brasileira se relacionava de forma comunitária, em espírito de associação, como exemplo disso tinha-se as irmandades, os núcleos operários, as festas profanas e religiosas. Aliando-se a esse pensamento sociológico descrito acima, e tomando como base o pensamento weberiano o autor conclui que o Rio de Janeiro devido as suas heranças colônias, escravistas, administrativas e político-econômicas teriam se gerado posteriormente, a burocracia e a dominação do Estado sobre a cidade, o que impediu a autonomia desta ultima. 
          Mesmo com a vinda do Abolicionismo, da Republica e consequentemente do liberalismo individualista, a cultura brasileira ainda estava arraigada no comunitarismo. É por isso que havia no seio da população forças antagônicas. Com base nesta explicação pode-se entender porque a população ao mesmo tempo em que estava integrada nos festejos religiosos, nas festividades e nas assistências mútuas; também apresentava indiferença pela participação política, não possuíam o conhecimento de que eram cidadãos compostos de deveres, e dos limites e funções do Estado. A população da cidade advinda das diversas classes e etnias passou a interagir entre si nas mais variadas formas culturais. Mas, em nível de política, a cidade não se apresentava de forma cooperativa.   
          O autor ao apresentar a figura do bilontra, afirma que a trapaça e a malandragem faziam parte do comportamento do fluminense, e estavam presentes nas relações entre indivíduos e instituições. O bilontra é aquele espertalhão que conhece a realidade, sabe que ela não vai mudar e por isso ele age não a levando a sério. Ao longo da história fluminense, o Estado e os seus representantes passaram a se relacionar de uma ordem diferente da vigente.
          As pessoas que se deixavam levar pela aparência da realidade, eram ingênuas e não percebiam o real. Como o governo não era levado a sério, por vezes tinha que recorrer aos meios de repressão. O povo sabia que o que se apresentava como o real, o formal, não era para ser levado a sério. A população sabia que a Republica não instigava a sua participação política, e ao seu exercício da cidadania, por isso ela não podia ser levada a serio. Bestializado era aquele que pensava que ela era pra valer.
          Penso que a obra de José Murilo contempla um período histórico riquíssimo de modo que sua obra possui um caráter singular na forma com que ele aborda a questões da cidadania, da pátria, das articulações dos grupos sociais, da forma desses pensarem e atuarem (ou não) na política, das concepções de Republica; sem esquecer claro, das valiosas fontes( relatos, jornais, revistas e etc.) com que o autor trabalha para desenvolver e mostrar nuances que até então, não tinham sido explicitas.     

CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.


Thiago Silva Paz

No seu livro “Os bestializados: o Rio Janeiro e a República que não foi.”, o historiador José Murilo de Carvalho discute como, a partir dos primeiros anos após a Proclamação da República, diversas mudanças sociais, assim como políticas, econômicas e culturais ocorreram no Rio de Janeiro e suas consequências.
Com a República, se multiplicaram as promessas de maior participação política, e com isso, um aumento no número das manifestações. Os militares do período inicial da República experienciaram do poder que lhes havia escapado desde o período regencial e tinham a percepção de que seu papel era messiânico, no sentido de que a eles caberia a salvação da pátria, e que por tal característica poderiam agir em quaisquer instâncias que desejassem; enquanto isso, a classe operária se iludia com as promessas feitas pelos representantes do novo governo e buscavam então formar partidos que os representassem. Outros grupos, como os capoeiras, tiveram sua situação comprimida, enquanto os anarquistas, por exemplo, acabaram que vinham de outros países acabaram sendo enviados compulsoriamente de volta aos seus países de origem.
No campo das ideias, houve uma abertura ao novo, num movimento onde “Misturavam-se, sem muita preocupação lógica ou substantiva, várias vertentes do pensamento europeu”, e esse movimento foi acompanhado também pela Intelligentsia no que diz respeito às reflexões sobre política. Uma nova postura moral também foi admitida, no sentido da promoção do ideal de liberdade, que foi assimilado pelas pessoas, e mesmo o desejo de enriquecer de maneira honesta e rapidamente ganha uma valorização maior. Acontece o que José Murilo de Carvalho classifica como a “vitória do espírito do capitalismo desacompanhado da ética protestante”. Mesmo as práticas cotidianas sofreram alterações significativas, ligadas principalmente a ideia de liberdade, e comportamentos antes vistos de maneira questionável ganharam nova significação com a República, foi a passagem da clandestinidade à legitimação de certos comportamentos.
O posicionamento do proletariado com relação à Monarquia, ao contrário do pensamento que buscava se instaurar, e que via na República um horizonte político mais favorável que o promovido pela Monarquia, era de plena simpatia, decorrente da abolição. Dessa maneira, os republicanos buscavam blindar pobres e negros, fazendo uso de práticas coercitivas como a perseguição, como no caso dos bicheiros e dos capoeiras. Como consequências dessas transformações, pode-se situar o problema central na necessidade de conseguir um outro pacto de poder que garantisse alguma estabilidade. Nesse cenário, as ideologias, antes concentradas em círculos restritos, como o liberalismo e o positivismo já presentes antes da proclamação, se multiplicam e se espalham: o socialismo, através dos jornais, e o anarquismo, que ganha bastantes adeptos entre a classe operária brasileira, e também entre os estrangeiros.
O ímpeto que tomou os intelectuais, ávidos por passarem da teoria à práxis política, esbarrou nas dificuldades enfrentadas pelo Rio de Janeiro ao ter de lidar com uma nova forma de vida, caracterizada pela impessoalidade, pelo livre comércio normatizado burguês, típicos das cidades europeias, mas que contrastava com a tradição provinciana ali vigente; era um conflito que se colocava, mesmo do ponto de vista ético, entre duas formas distintas e não raro conflitantes, e que derivava da parca organização social do Brasil, que oscilava entre garantir direitos sociais, e ainda que de maneira limitada, enquanto inviabilizava direitos políticos elementares, como o direito de voto que garantiria a possibilidade de o povo eleger seus representantes.
Poucos anos antes da abolição se concretizar uma reforma eleitoral derrubara a restrição ao voto de acordo com as posses financeiras, mesmo que sob a condição da necessidade de alfabetização, e os militares, tendo sido excluídos de seus direitos políticos, e diante de um governo corrupto, organizaram-se e conseguiram derrubar o Império; a figura de Silva Jardim foi fundamental para legitimar o novo governo, uma vez que este tratou de reunir o povo, e mesmo que posteriormente seus méritos não tenham sido reconhecidos e ele tenha sido afastado pelo novo governo que se instalou.
Um problema imediato após a Proclamação da República foi a ausência de um projeto social concreto, o que fez com que este trabalho de articulação acabasse por ser atribuído aos funcionários do antigo governo, que agiam dentro do novo governo com os mesmos princípios do antigo, ou seja, com preceitos liberais.
A caracterização do povo como bestializado, inerte, diante do novo panorama político que se formou com a República foi alimentada por práticas como as estabelecidas pela Constituição de 1891, que não tornava obrigado ao Estado dar educação ao povo, o que fez com que ex-escravos e estrangeiros, por exemplo, permanecessem fora da comunidade política, e esse quadro ilustra algumas razões pelas quais as classes populares preferiam ainda a Monarquia à República.
O governo republicano, objetivando sua estabilidade e tranquilidade para negociações com o exterior e implementação do novo pacto de poder, procurou tirar os militares do jogo e reduzir o nível de participação popular, além de trazer para seu lado as oligarquias, o que lhes garantiria maior solidez política, enquanto colocava o povo numa situação de inação política, que por conseguinte o separava ainda mais dos seus ditos representantes, sob a justificativa de que este dificultava a implementação da República, e tais práticas culminariam na instalação de vícios políticos como relações baseadas em desejos pessoais que evoluíam para práticas corruptas que acabavam por aumentar ainda mais o fosso político existente entre os republicanos e o povo.
Os primeiros anos da República foram marcados por grandes tensões que tomavam conta da capital, com riscos de fragmentação política e com a crise do café, que ameaçava a economia e elevava a dívida externa. Para conter essa instabilidade era preciso reduzir a participação da capital, o que significaria primeiro, a retirada dos militares do governo e, depois, a redução do nível de participação popular. Campos Salles, e sua política de estados, conseguiu diminuir a participação da capital, com medidas como a dissolução da Câmara de Vereadores, o Código de Posturas e o autoritarismo ilustrado de Oswaldo Cruz e Pereira Passos, ao torná-la indesejada e pouco atrativa; governo municipal e representação dos cidadãos eram distantes e as atividades do povo permaneciam politicamente inexpressivas. Foi criado pela República um novo Rio, domesticado e que buscava inspiração em Paris, que adentrava a chamada “belle époque” com recursos disponíveis para as reformas urbanas, graças às medidas econômicas de Campos Salles.
Mas se esse novo Rio, inspirado por demais nos moldes europeus e, logo, insatisfatório à sua própria realidade, só aumentava a divisão social; as obras incomodaram a população, culminando na Revolta da Vacina, em 1904, e que contou com a participação de militares e populares. Mas uma vez que os militares foram contidos, a revolta se mostrou multifacetada, no sentido de que havia participação, não apenas do operariado, como também das camadas populares que atuavam em contextos distintos. Segundo José Murilo, apesar de discordâncias historiográficas sobre as razões para a revolta, esta teria ocorrido essencialmente devido à obrigatoriedade da vacina expressa em lei, já que antes as pessoas estavam se vacinando em número cada vez maior. "A República se aplicara em importar a parafernália institucional norte-americana. Havia uma constituição que garantia os direitos civis e políticos dos cidadãos, havia eleições, havia um parlamento, havia tentativas de formar partidos políticos. A mesa estava posta por que não apareciam os convivas? Onde estavam eles?” A essa pergunta, José Murilo de Carvalho apresenta como resposta a constatação de que o problema residia no fato de termos importado um regime político estrangeiro que não considerava em sua hierarquia a participação popular, mostrando-se insatisfatório na medida em que cabia ao Estado decidir quem poderia ou não ser considerado cidadão. E o quadro se revelava ainda mais preocupante quando se percebia que, somados todos os excluídos politicamente, inclusos militares, analfabetos, mulheres entre outros grupos, mais de oitenta por cento da população perderia sua cidadania. Essa situação gerava, por parte dos que podiam votar, um desinteresse e um afastamento da práxis política. "Os representantes do povo não representavam ninguém, os representados não existiam, o ato de votar era uma operação de capangagem", o que resultou na ausência de partidos políticos legítimos.
Mas ao contrário do que se pode pensar, havia participação política, e ela se dava quando o povo optava por expressar seus descontentamentos com greves, promovendo quebra-quebra e outras formas de manifestação que causavam tumulto na cidade, numa forma de comportamento que não se adequava aos moldes desejados pelos reformadores da elite. Esses moldes diziam respeito à ideia comum da figura do cidadão ativo, consciente de seus direitos e deveres, capaz de organizar-se para agir em defesa de seus interesses, pelo reformismo parlamentar ou pelo radicalismo da ação econômica.
Nesse sentido, a Revolta da Vacina não apresentava lideranças ou mesmo planejamento, pois coube aos diversos pequenos grupos que se manifestavam por seus interesses, a condução dos acontecidos, que mesmo não diretamente relacionados, representavam interesses comuns entre os grupos. A revolta não ambicionava derrubar o governo republicano, mas representava a insatisfação daqueles que se sentiram frustrados em seu desejo por participação política e cidadania; a revolta deveria mostrar ao Estado que o povo delimitava a autoridade do governo, atitude diante da qual os republicanos reagiam com extremada violência. "Estava sendo violado um direito que o sistema republicano deveria, por sua própria essência resguardar. Ao não fazê-lo, ao violá-lo abertamente, o governo colocava-se contra seus próprios princípios, colocava-se na ilegitimidade e ilegalidade, tornando então justificável e justificado o recurso à força."
Uma vez distanciado da política, o povo se organizava nos domínios da cultura, e foi através de manifestações populares que o povo se manifestava. A política havia se mostrado como uma mera abstração burocrática, não existia para ser respeitada, e a figura do bestializado é, nesse contexto, representada pelo indivíduo que, mesmo não representado, ou impedido de participar dessa forma política, ainda a levava em consideração. O Estado não agia em prol da sociedade, e a única forma de sobreviver a essa situação era aceitando-a desinteressadamente e expondo suas incongruências ocasionalmente. O indivíduo que assim conseguisse agir era denominado bilontra.
Enquanto o bestializado é o indivíduo que aceita ser a massa de manobra, o cliente do coronel, o bilontra é o indivíduo que percebe que a República “não é para valer”. Ele, sabendo disto, não entra no jogo; supostamente o mais politizado, ele não participa do processo, pois sabe que essa forma de política não é realizável. Para José Murilo, o brasileiro é, historicamente, desinteressado por política. Por vezes ele reproduz a memória propagada pelo Estado Novo de que a República Velha era caótica e o Liberalismo tão incapaz que seria mais conveniente uma república autoritária, posição que parece um tanto exagerada quando se volta o olhar ao proveito tirado pelas elites da República Velha, por exemplo. A percepção que fica é que, apesar da qualidade inegável de seu trabalho, José Murilo peca por fazer algumas generalizações e suposições pouco rigorosas a respeito da extensão do que ocorria no Rio de Janeiro, além de colocar o povo numa posição demasiado apática.