quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Movimento Operário I: Anarquismo/Tendências


Alunos: Adizailma Maria
            Cintia Marques
            Felipe Aragão
            Natália Ferraz
            Sandra Mendes


INTRODUÇÃO

Era comum que os anarquistas se referissem ao anarquismo como uma aspiração natural humana, a relação do anarquismo com o desenvolvimento do espírito antiautoritário da humanidade é frequentemente realizada pelos anarquistas. Defendiam que o espírito libertário é inerente à natureza humana, a partir dessa ideia são citados supostos anarquistas ao longo da história da humanidade. Os seguidores de Tolstoi, por exemplo, consideravam Jesus Cristo o verdadeiro fundador da Anarquia. Outros anarquistas reivindicavam Rabelais e La Boétie como seus precursores. Kropotkin também afirmava que os filósofos do século XVIII romperam com a tradição religiosa e procuraram seu apoio na ciência e na razão e, nesse sentido, essa filosofia teria sido também anarquista.
O anarquismo enquanto movimento organizado surge em um momento histórico muito preciso na crítica à sociedade industrial e aos males do capitalismo. Como na Europa, o anarquismo brasileiro surge nesse contexto.
Grupos anarquistas começaram a serem formados; de modo geral, todos os seus integrantes compartilharam a desilusão, o sofrimento, e algumas vezes a revolta. São Paulo, como o centro econômico do país concentrou o maior número de anarquistas e foi o cenário perfeito para o desenvolvimento da ideologia libertária. Formada por pessoas de culturas distintas, mas que compartilhavam a mesma realidade, nos cortiços, nos bondes, nas fábricas ia sendo compartilhadas as suas ideias, ilusões e desilusões.
É interessante observar que o anarquismo tinha um caráter de conversão quase religiosa; não era apenas um conjunto de idéias políticas, o anarquismo era uma forma de vida.
"O anarquismo nos tomava inteiramente porque nos exigia tudo, oferecia-nos tudo. Não havia um recanto da vida que ele não iluminasse, ou ao menos assim nos parecia. Podia-se ser católico, protestante, liberal, radical, socialista, até sindicalista, sem que nada mudasse na vida de cada um e, portanto, na vida. Afinal bastava ler o jornal respectivo, a rigor, freqüentar uns ou outros cafés. Tecido de contradições, dilacerado em tendências e subtendências, o anarquismo exigia antes de tudo o acordo entre atos e palavras." [1]  


FORMAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO OPERARIADO

O movimento operário no Brasil começou a ganhar força a partir do início do século XX, no momento em que a cafeicultura passou a ser o principal produto da economia brasileira, principalmente em São Paulo e no Distrito Federal, naquela época o Rio de Janeiro. Na medida em que cresceu a demanda de exportação em larga escala surge à necessidade de investir na modernização, em especial, no sistema de transportes e na construção de vias férreas que seria importante no escoamento da produção para os portos estratégicos.
Com o crescimento da produção do café e a crise do sistema escravista, acontece a imigração em grande escala no país, espanhóis, portugueses e, em sua grande maioria, italianos chegam ao país para trabalhar, sobretudo, no campo. A indústria nesse momento, segundo Claudio Batalha, era, essencialmente, de pequeno porte com poucos operários e sem haver uma concentração, sendo espalhadas por um imenso espaço geográfico.
Claudio Batalha afirma que a grande parcela desses imigrantes viria do campo e com um pensamento de juntar dinheiro, fazer fortuna, para voltarem ao país de origem, ou seja, muitos deles não eram operários e não tiveram contato com as ideologias que estavam impulsionando trabalhadores no movimento operário europeu. Vamos encontrar no eixo centro-sul a maior concentração de mão de obra, contudo, a maioria com baixa qualificação, vindo para atender um setor que estava em plena expansão. Exatamente em São Paulo e no Rio de Janeiro onde se concentraram em maior número os imigrantes, o primeiro porque se consolidou como o maior mercado distribuidor e a capital pela relevante atração que exercia sobre os imigrantes que entravam no país.
A condição operária no Brasil no inicio de século era da coexistência de fases da revolução industrial ao mesmo tempo, como diz Claudio Batalha:
As diversas experiências de trabalho e de relações de trabalho do artesão independente, passando pelo trabalhador doméstico produzindo para um empregador, o empregador em uma pequena oficina e, finalmente, o operário industrial (...) ilustra o que era o mundo do trabalho urbano no Brasil das primeiras décadas do século XX. (BATALHA,pag.9,2000).
Porém, com o declínio do setor agrícola e o difícil acesso a terra um grande número desta mão de obra vai se deslocar para o meio urbano. Neste momento, a industrialização vai ganhando força e crescendo nas cidades. Esses imigrantes vão se concentrando cada vez mais nas capitais, e disputando espaço com brasileiros e com eles mesmos, pois, existia rivalidade entre estrangeiros de diferentes países, como também, entre aqueles que tinham a mesma nacionalidade, mas provinham de diferentes regiões.
A partir do momento que ocorre o crescimento da industrialização, especialmente, em algumas capitais do país é que teremos uma maior proximidade dos operários, iniciaria, assim, uma melhor situação para a formação da consciência de classe. Outro fator que contribuiria para isto foi à ligação entre o interior e cidade através das suas linhas férreas, segundo o historiador Boris Fausto, é nas proximidades destas que se encontra parte das indústrias e, conseqüentemente, a aglomeração dos trabalhadores, com a formação de cortiços, por exemplo.
Os trabalhadores reivindicavam, em especial, melhores condições de trabalho, aumento nos salários e diminuição da jornada de trabalho. Contudo, existiam algumas diferenças que atrapalhavam essa junção do operariado na reclamação junto ao patronato. A diferença entre trabalhadores qualificados e não qualificados, os primeiros tinham melhores salários e melhor condição de trabalho e de vida, geralmente, eram organizados por ofícios.
Alguns outros fatores dificultaram a organização desses trabalhadores. Como já citado, a rivalidade entre brasileiros e estrangeiros, as diferenças étnicas. Além disso, segundo Batalha, a diferença de língua, raça, cultura, temperamento e hábitos também dificultariam neste processo. A grande quantidade disponível de mão de obra e a oposição entre setores organizados e não organizados trariam outro problema, porque em meio a uma greve, para ilustrar, os patrões recorreriam a essa mão de obra reserva e aos fura greves.
É nesse contexto o anarquismo surgiria no Brasil como principal formulador dos pensamentos dos movimentos operários do inicio do século. Defendendo a organização de uma sociedade sem nenhuma forma de autoridade, considerando o Estado como uma força coercitiva, organização sindical autônoma e pregando a extinção do Estado, da Igreja e da propriedade privada. Assim como a maioria da mão-de-obra se encontrava no eixo Rio de Janeiro/São Paulo, era nesses estados que predominava a ideologia anarquista.
A repressão do Estado, principalmente, por meio da força policial também é destaque, pois a concepção anarquista aceitava o uso da violência, invasão das fábricas e quebras de equipamentos como forma de reivindicação. Além, logicamente, de evitar a paralisação em setores fundamentais para os interesses do próprio Estado, a exemplo, setor de transporte e distribuição, pois, apesar da queda do domínio agrícola, o país ainda dependeria fortemente da agro exportação.
Apesar das dificuldades e diferenças entre trabalhadores que integravam a classe operária, a primeira Republica fica marcada pelo momento de mobilização coletiva e enorme organização da classe, que mesmo sendo uma minoria começava a dar um passo em busca da formação de consciência de classe, o proletariado.
O trabalho nas fábricas no início da República no Brasil apresentava uma grande diversidade em relação ao trabalho e ao tipo de trabalhador, tanto em relação ao sexo, como idade e cor. Mas uma coisa era comum nas várias regiões do Brasil, onde as fábricas estavam instaladas, que era a exploração do trabalhador, com jornadas de trabalho de 14 a 16 horas por dia, dependendo da região, com habitações precárias, problemas de infraestrutura e transporte e, em muitos casos, esses trabalhadores moravam em vilas operárias sob o domínio do patrão, tudo isso, representando a ausência do Estado na vida desse trabalhador.
O Estado para manter a satisfação dos patrões, repreendia as manifestações de revolta dos trabalhadores com prisões arbitrárias, expulsões de estrangeiros sem processo regular, invasões de domicílios, espancamento e destruição de jornais.
A organização operária começou desde século XIX, os trabalhadores urbanos livres mais qualificados começaram a se organizar em sociedades de socorros mútuos. Como a Constituição de 1824 não permitia a formação de cooperativa e sindicatos, as sociedades mutualistas puderam agir em defesa do trabalhador, em muitos casos essas sociedades mutualistas eram financiadas pelo Estado, por isso, elas não recorriam às greves ou qualquer tipo de manifestação contraria ao Governo. Essa era a postura também dos sindicatos reformistas que vem a surgir, como as sociedades, eles também não se envolviam em manifestação que fosse contrária a política do Estado, pelo contrario, queriam fazer vínculos políticos para poder conseguir melhoria para a classe trabalhadora e acreditavam que as greves não seria o caminho para isso.
As sociedades mutualistas eram, na verdade, uma reunião de pessoas com interesses parecidos, com o intuito de proporcionar ajuda aos seus membros, na omissão do Estado, essa ajuda poderia ser paga ou não por quem recebia. As ajudas eram constituídas pelo pagamento de pensões, indenizações, financiamento de enterros, fornecimento de remédios e atendimento hospitalar.
Mesmo com a Constituição proibindo as formações de sindicatos e cooperativas, assim mesmo eles se formaram, mas usando para sua legalidade o Código Comercial de 1850, o registro era feito como uma sociedade comercial, que em todo caso tinha que registrar seus estatutos em cartório e comunicar a sua existência a polícia. O grande atuante na República como organizador de um operariado de luta foi o sindicato revolucionário, que era chamado também de sindicato operário, para diferenciar do sindicato reformista, que como as sociedades mutualistas eram contrario as manifestações e acreditavam no diálogo com os políticos e que uma união seria melhor para o trabalhador.
No início houve três tipos de sindicatos que poderiam ser tanto reformista quanto revolucionário. Foram as associações pluriprofissionais, que basicamente era a reunião de operários de diferentes ofícios; as sociedades por ofícios, que reunia membros de um determinando oficio; e o sindicato de indústria, que era a reunião de todos os trabalhadores de uma determinada indústria indiferente de qual seja a sua ocupação. Tanto os sindicatos reformistas como os revolucionários se mobilizaram para reivindicar ao Governo melhoria para os trabalhadores, a diferença foi à forma e o discurso que os dois sindicatos usaram. Os reformistas chegaram a formar quatro Congressos com datas de 1892, 1902, 1906 e 1912, mas com pouca manifestação publica.
Já os Congressos formados pelos sindicatos revolucionários foram de grande impacto na sociedade, com uma data semelhante ao dos reformistas, com o Primeiro Congresso de 1906, Segundo de 1913 e o Terceiro de 1920, mas com discurso bem diferente, os revolucionários não aceitavam o Estado, negava o poder que era atribuído a Igreja e queria a federação dos sindicatos.

CORRENTES ANÁRQUICAS

              Como já fora dito, o Brasil abriu suas portas à imigração. São Paulo se tornou,  assim, o maior centro econômico da nação.  Essa mão de obra fora absorvida principalmente nas fazendas de café, após algum tempo trabalhando nas plantações, esses imigrantes se dirigiram para as grandes cidades do país a fim de exercerem atividades artesanais ou industriais, o que já praticavam nos seus respectivos países. Essa nova mão de obra contribuiu enormemente para o surgimento de um proletariado urbano, além da nova força de trabalho, esses imigrantes traziam também novas ideias. Muitos deles, principalmente italianos, espanhois e portugueses, traziam o ideário do anarquismo em suas mentes. Boris Fausto:
O Anarquismo, como movimento, é um “[...] sistema de pensamento social visando a modificações fundamentais na estrutura da sociedade, com o objetivo de substituir a autoridade do Estado por alguma forma de cooperação não governamental entre indivíduos livres”. (FAUSTO,pag.63,1983)
Segundo Boris Fausto, para conseguir o intento de suplantar o capitalismo faz-se necessário alcançá-lo pela via direta, ou seja, limitada ao terreno ideológico e econômico, com recusa as lutas políticas. Sendo assim, liberdade, autodisciplina e responsabilidade são palavras de ordem do movimento anarquista, o futuro da humanidade exclui todo e qualquer princípio de autoridade, de domínio e de exploração do homem pelo homem. Sendo esses individuos livres, estes podem optar por integrar um sindicato, participar de uma greve ou de um movimento insurrecional, ou seja, segundo Fausto: “a ‘ação direta’, vincula-se ao princípio de que as transformações sociais só são possíveis através de órgãos não coercitivos, expressando a decisão individual de seus membros”.
Para Boris Fausto o Estado  é a corporificação da ideia de autoridade, sendo utilizado como instrumento pela classe dominante para atender os seus objetivos. Sendo assim: “[...] toda a prática política, que tem como nível específico o Estado, é um ‘jogo corruptor’, dentro dos limites da autoridade”.
Nas concepções de Boris Fausto, os conflitos entre as classes estava baseado nas relações econômicas de produção/exploração e é justamente, no terreno dessas relações que se pode encontrar o método revolucionário que poderá dar fim a desigualdade social, ou seja, a adesão dos trabalhadores às associações livres, pressupõe a possível evolução da consciência dos setores de explorados da sociedade ao nível libertário. Essas associações seria um meio pelo qual sem a presença de um patrão ou a regulamentação do Estado, os produtores diretos teriam em suas mãos um modo de suprimir e acabar com o poder estatal e de todo o sistema opressor através do ato revolucionário.
Fausto ressalta que as correntes anarquistas não consideravam o proletariado como “classe universal”. Sendo a sociedade, a grosso modo, composta de “exploradores e explorados, e estes abrangiam os camponeses, a classe operária e o lumpenproletariado. Segundo a sociologia marxista o lumpenproletariado era composto por uma camada social carente de consciência política, constituída pelos operários que viviam na miséria extrema e por indivíduos que viviam direta ou indiretamente desvinculados da produção social e que se dedicavam a atividades marginais. Segundo o teórico russo Bakunin, é injusto o desprezo que Marx e Engels professa em relação ao lumpenproletariado, visto que é nesse grupo que residem à força e o espírito da futura revolução social e não na camada aburguesada da massa operária.
            É a partir desse tronco comum que se distinguem o mutualismo proudhoniano, o anarco-coletivismo, o anarco-comunismo e o anarco-sindicalismo. Começando pelo mutualismo proudhoniano, corrente baseada no associativismo e no cooperativismo, ou seja, na associação de indivíduos livres que se apóiam mutuamente para garantir as condições de produção sem exploração. Nas palavras de Boris Fausto: “O mutualismo proudhoniano investia contra o capital e o Estado capitalista, pretendendo substituí-lo por uma livre associação de produtores diretos, possuidores dos meios de produção”.(Idem,pag.64,1983).
            Os meios de produção podiam permanecer sendo utilizados de forma individual, mas o produto final pertencia a quem trabalhou nele diretamente, portanto não permitindo o seu usufruto pelas classes parasitas. Boris Fausto:
“O mundo do futuro era concebido como uma grande federação de comunas e cooperativistas de trabalhadores, ligadas por contratos de troca e crédito mútuo que assegurariam a cada indivíduo o produto de seu trabalho”. (Idem,pag.64,1983)

O anarco-coletivismo que teve em Bakunin sua figura mais importante distingue-se do mutualismo, visto que prega a necessidade de expropriação revolucionária imediata de toda a propriedade excludente pelos trabalhadores para organizar a sociedade e a produção com bases libertárias. Segundo Boris Fausto essa distinção é marcante, pois opta claramente pela coletivização dos meios de produção, por sua defesa da violência e principalmente pela ênfase no papel que os sindicatos desempenhariam na obra emancipadora da sociedade. Bakunin compara a autogestão por parte das massas de trabalhadores como um germe que pode até em primeira instância libertar economicamente esta classe, mas esta é apenas uma premissa insuficiente para impedir o surgimento de uma classe de exploradores. Esta autogestão só poderá de fato ocorrer quando “os capitais, os estabelecimentos industriais, as matérias-primas e instrumentos de trabalho se tornaram propriedade coletiva das associações operárias produtivas, tanto industriais como agrícolas, livremente organizadas entre si”. Enquanto a revolução de fato não ocorria às cooperativas serviam, segundo Bakunin como um instrumento que habilitaria o operariado a autodirigir-se, mas a sua eficácia como instrumento de luta era limitada, sendo assim, Bakunin incitava os trabalhadores a irem à luta, ou seja, ocupando-se mais de greves do que de cooperação. Assim, segundo Boris Fausto: “a ênfase no papel do sindicato representa uma ponte entre o anarco-coletivismo e o anarco-sindicalismo”.
            Essa ponte entre o anarco-coletivismo e o anarco-sindicalismo não é uma constante no pensamento de Bakunin e seus seguidores cujas concepções de uma revolução espontânea se baseiam com frequência nos lumpenproletariado e nos camponeses. Foi em meados da década de setenta que Bakunin acentuou a importância do trabalho dos anarquistas nos sindicatos, através dos sindicatos as massas iriam de organizar naturalmente, e este seria um instrumento de guerra verdadeiramente eficaz. Boris Fausto:
“O sindicato operário seria o articulador da autogestão e um instrumento do plano econômico e da unidade da produção. As diversas associações produtivas deveriam ser coordenadas pelas federações sindicais, que impediriam a ‘gestão egoísta’ capaz de gerar novas diferenças sociais”. (Idem,pag.65,1983)
Enquanto os mutualistas optaram pela multiplicação pacífica das organizações cooperativas, os anarco-coletivistas se inclinaram pelo caminho revolucionário, caminho no qual Bakunin dedicou toda a sua vida.
            Outra corrente demasiado importante quando se fala em anarquismo é o anarco-comunismo.  Esta corrente reivindicava a abolição de todo o sistema de salários e preços, o controle de toda a economia pela comuna popular. Tanto os meios de produção quanto os próprios bens produzidos, devendo ser de propriedade comum. Segundo Boris Fausto, as relações de produção/apropriação no interior da comuna libertária constituíram o ponto central de divergência entre esta corrente e as demais correntes citadas à cima. Kropotkin desferiu duras críticas às noções de “mutualismo” e “coletivismo”, afirmando que essas correntes mantinham intactas as formas de exploração e assim, abriam caminho a novas desigualdades. Kropotkin também teceu diversas críticas ao sistema de distribuição de Proudhon e Bakunin, este se baseava na quantidade e qualidade do trabalho e pressupunha a permanência de alguma forma de salário, através dos Bancos Operários ou de cheques de trabalho.
Os anarco-comunistas sentiam a necessidade de realizar de imediato um principio fundamental da sua corrente: “de cada um conforme as suas capacidades, e a cada um conforme as suas necessidades”. O critério a ser adotado era de se distribuir os bens e serviços conforme a necessidade de cada um, e não através do trabalho destes, suprimindo-se assim o salário como fonte de desigualdades no interior da comuna. Esta tática radical de Kropotkin fez contraponto com outra moderada, este teórico via com relutância o uso da força para conseguir os seus objetivos, pois segundo o mesmo, a violência aconteceria de todo modo, para o bem ou para o mal no curso das revoluções, sendo a violência um estágio inevitável do progresso humano.
Segundo as concepções de Kropotkin o evolucionismo tendia a conceber as revoluções muito mais como um produto espontâneo de condições sociais do que da ação humana, ou seja, evolução e revolução se alternavam, as revoluções nada mais eram do que períodos de evoluções aceleradas, estas evoluções pertencem às unidades da natureza tanto quanto os períodos em que a evolução ocorre de forma mais vagarosa.
Por fim e não menos importante, o anarco-sindicalismo, uma das últimas correntes surgidas na história do movimento operário, esta corrente é filha direta das posições de Bakunin. Em curso dos anos noventa, na França a partir de organizações sindicais desenvolveu-se o anarco-sindicalismo, com sua principal tática no papel do sindicato não só como órgão de luta – cuja principal tática era a greve geral, mas como núcleo básico da sociedade do futuro. Para Boris Fausto:
“[...] a originalidade do anarco-sindicalismo consistia na adaptação de elementos do passado ás circunstâncias do mundo industrial de fins do século XX, considerando o sindicato e não a comuna a unidade social fundamental, e ressaltando a ação operária, oposta à conspiração ou à insurreição popular”.(Idem,pag.66,1983).


O ANARQUISMO NO BRASIL

Segundo Boris Fausto[2], o anarquismo brasileiro está vinculado a um sistema de pensamento cientificista, calcado no evolucionismo e no livre pensamento, cuja influencia é perceptível nos núcleos urbanos brasileiros no inicio do século XX. Este sistema de pensamento consistiu numa tentativa de implantação de uma racionalidade burguesa, no momento em que as transformações da sociedade apontavam pra emergência do capitalismo. A luta contra o poder da igreja assume, no Brasil, uma forma de combater a velha ordem patrimonialista, em nome de uma nova ordem baseada no progresso e na verdade cientifica. Tais ideias anticlericais contribuíram para formação de uma elite dirigente pouco receptiva a encontrar na igreja um aparelho ideológico de sustentação do regime.
A campanha contra a igreja tomou forma nos jornais. Em “O livre Pensador” que era dirigido por Everardo Dias, adepto ao anarquismo, era combinado elogios a Lamarck, Darwin, Spencer, Haeckel, com artigos socialistas e anarquistas. A oposição aos dogmas católicos surge no momento em que se formaram duas importantes figuras do movimento libertário. José Oitica foi diretor de uma escola em Santa Catarina, na qual aplicou concepções anarquistas, foi também líder da liga anticlerical do Rio de Janeiro, entrando posteriormente em contato com o movimento libertário.  Astrojildo Pereira, antes de iniciar sua carreira como anarquista, foi também um anticlerical, admirador de Benjamin Constant e Rui Barbosa.
No plano das concepções teóricas, Spencer aparece nas folhas anarquistas ao lado de Bakunin, Proudon e Malatesta. Alguns anarquistas adotaram as concepções de Spencer no aspecto da identificação da evolução social com a do organismo vivo, sujeita ao mesmo tipo de transformações. O que atraia em Spencer não era o progresso ou darwinismo social e sim outros aspectos do liberalismo spenceriano: a redução das grandes fortunas, o equilíbrio entre produtores, a forte limitação do poder do Estado. Em nota, Boris Fausto ressalta que as relações entre evolucionismo e anarquismo não se limitam ao Brasil, pelo contrario, a ajuda mútua de Kropotkin se fundamenta no modelo evolucionista, associado ao princípio de solidariedade da espécie.
A ligação do pensamento anarquista com o pensamento cientificista e laico gerou criticas, pelo fato de levar ao acordo com elementos estranhos a área libertária. Tais “desvios” foram apontados criticamente por Gigi Damiani, que após um ano de cerrada campanha contra a igreja, defendia uma estratégia puramente anárquica, pois a luta anticlerical estaria servindo a interesse de terceiros. Dizia Gigi: “quem não crê em Deus, mas crê no Estado não mudou nada: não se inclina ao padre, mas se inclina ao patrão” (Boris Fausto, pag.74,1983). A luta puramente anárquica defendida por Gigi era o anarco-sindicalismo, que se tornara tendência predominante nos círculos libertários. O sindicato, instrumento de conquista de direitos da classe trabalhadora e pré-figuração da sociedade futura, seria o único órgão capaz de agrupar, solidarizar os operários conscientes tendo por base seus interesses econômicos comuns. Esses interesses seriam o eixo da luta política e da rejeição das “táticas políticas”, pois estas dividem o proletariado e são o campo dos partidos, organismos autoritários onde predominam burgueses, semiburgueses, literatos, idealistas.
A grande questão era a criação do sindicato. A princípio, acreditara-se na tendência espontânea do operariado a organização sindical e o papel da propaganda, ao mesmo tempo em que concepções de técnicas de organização coercitivas, disseminada entre os trabalhadores qualificados, encontram um eco favorável nos meios anarquistas. É o caso, por exemplo, das medidas tendentes a impedir a obtenção do emprego pelos operários não sindicalizados. Nessa visão, o sindicato seria um órgão regulador da oferta de força do trabalho, responsável pela qualidade deste, como também órgão normativo de conduta dos associados e mediador de conflitos no nível das empresas.
            No plano dos princípios, o anarco-sindicalismo brasileiro definia o sindicato como órgão de luta, que recusa funções assistenciais- fazendo um contraponto às associações mutualistas- aberto aos operários de todas as tendências políticas. A verdadeira força do sindicato repousaria na solidariedade e não nos recursos materiais. O dinheiro corruptor deveria constituir apenas uma caixa de resistência, e deve ser gasto sem muita demora na propaganda, na agitação. Nas greves, é preferível contar com o apoio mútuo entre os operários do que com esse tipo de recurso. A defesa de reivindicações imediatas tinha o mesmo objetivo de reforçar a solidariedade, despertar a consciência dos trabalhadores, em busca da emancipação final.
Os instrumentos de luta - a greve geral ou parcial, o boicote, a sabotagem, a manifestação pública – fundam-se sempre na ação direta. O recurso à atividade normativa do Estado é visto como inútil, mesmo em áreas de alcance restrito. Como um instrumento privilegiado, a greve geral surge como arma reivindicatória e premonição do ato emancipatório final: “a greve única, mundial, precursora do grande cataclismo de que brotará a sociedade nova, liberta dos privilégios e da opressão” (Idem, pag. 76 e 77). A sabotagem assume as formas da queda do ritmo de trabalho, da produção defeituosa, da destruição das maquinas. Um exemplo desta última foi vivenciado na greve dos têxteis na fábrica carioca Cruzeiro, em 1908.
Tanto a organização interna do sindicato, como os laços entre ele e os organismos mais amplos, são concebidos a partir do principio da soberania individual dos seus membros. Esse princípio aponta para a necessidade de não distinguir entre base e direção –germe do autoritarismo – e de evitar qualquer tipo de centralização. O sindicato seria:
“A coesão dos operários que se unem para a ação contra o capital e que, portanto, essa ação deve ser de todos, pois, do contrário, seria insubsistente; e que as delegações de poder e mando levam os operários á obediência passiva e prejudicial nas suas lutas [...] A associação dos trabalhadores não tem por base a soberania da classe, mas a individual de seus membros que não pode ser delegada através de um mandato”. (Idem, pag.77,1983).
A repulsa pelas delegações de poderes não ocorria apenas no interior dos sindicatos, as formas centralizadoras nas relações entre sindicatos, federação e confederação deveriam ser combatidas pelos mesmos motivos. Assim, devia-se conservar a mais larga autonomia do individuo no sindicato, do sindicato na Federação regional e da Federação na Confederação.
Seguindo na análise de Boris Fausto, por volta dos anos 1917-1920, momentos de sua ascensão e crise, o anarco-sindicalismo esteve sujeito a críticas no interior dos círculos anarquistas. As críticas se direcionavam, grosso modo, a eficácia da greve parcial ou geral, posições de aberta rejeição aos seus princípios. Começa a circular uma pronunciada corrente de opinião descrente do sindicalismo como instrumento capaz de levar o proletariado a transformação social ou mesmo como meio de proporcionar elementos para que se desenvolvam as ideias libertárias. A análise do sindicalismo no Brasil traz à tona sua artificialidade: as melhores mobilizações operárias sempre se realizaram antes da existência das associações e estas foram consequências e não causa das mobilizações. Mostra-se incoerente as grandiosas declarações sindicalistas e a mesquinhez da ação dos sindicatos, o que resulta em confusão e mistificação do anarquismo, que passa a ser compreendido de forma diferente do que realmente é. Chega-se a conclusão de que os anarquistas poderiam até pertencer a essas associações, mas que deveriam centrar suas atividades na propaganda anárquica.
Essa grande decepção deriva dos magros resultados da atividade organizatória, com a distância entre o discurso dirigido à emancipação e a dificuldade da luta cotidiana. Outro fator que emerge nesse quadro de decepção é a maneira que os operários de vanguarda se referem à grande massa. Fazem isso com os mesmos estereótipos de uma visão paternalista e patronal: “as concepções da mentalidade infantil do operariado, ou melhor, da massa anônima, são sempre muito exíguas. O seu cérebro embrutecido só lhe deixa conceber o que seja imediatamente palpável, concreto. Não lhe é dado abstrair, ponderar, deduzir” (Idem, pag. 80). O trecho revela a influência do quadro mental da classe dominante e uma decepção gerada pela distancia do projeto de emancipação final e a dura realidade cotidiana de uma massa “atrasada”, com poucas condições de organizar-se de maneira estável em busca de reivindicações econômicas.  O que se percebe, no caso do anarquismo, é que na medida em que se acentua o significado da opção individual, com menor ênfase nas determinações sociais, tende-se a estabelecer um corte entre os elementos conscientes e a massa informe, corte que aparece, segundo Boris, em mais de um escrito e no comportamento de muitos libertários.
Francisco Hardman[3], em sua tese de mestrado, afirma que há várias razões para o predomínio anarquista no movimento operário, mas aponta para tendências históricas as quais considera importante.  Citando Boris Fausto, no primeiro tópico, ele aponta que as doutrinas anarquistas propagaram-se em regra nas áreas de menor concentração industrial – Itália, França, Espanha, Portugal- onde predominava a pequena indústria de propriedade individual ou familiar, na qual a organização do trabalho se baseava amplamente em trabalhadores qualificados, nos ex-artesãos convertidos em assalariados. Boris afirma que a ideia tradicional de que o papel ideológico representado pelos imigrantes no Brasil tem a ver com a similaridade do estágio de desenvolvimento do capitalismo industrial em seu país de origem foi duramente criticada por Sheldon Maram, este procurou demostrar que não há nenhuma relação entre o grau de desenvolvimento capitalista e a maior ou menor influência do anarquismo. Seu argumento se funda na ideia de que o problema da articulação dos trabalhadores não deve ser visto sob o ângulo de ideologias mais ou menos adaptáveis a determinadas formas produtivas. Os operários qualificados teriam se organizado primeiro pela maior facilidade de se articularem, enquanto a sindicalização das massas dos não qualificados surgiu depois, após décadas de esforço.  Critica também a associação trivial do imigrante ao anarquismo, afirmando também que havia outras correntes no movimento operário da Itália, Espanha e Portugal.
No segundo tópico, Hardman, ainda citando Boris, afirma que não se pode ignorar nem reduzir o papel dos imigrantes na implantação do anarquismo, e a importância de sua proveniência de países onde o movimento libertário tenha pelo menos um grande prestígio. Se o anarquismo logrou êxito no Brasil, isto não se deve unicamente ao fato de ter encontrado um campo de germinação na pequena empresa de base artesanal, mas a outros elementos, elementos esses que são destacados tanto por Boris Fausto quanto por Edilene Toledo[4]. A recusa da luta política e o implícito economicismo tinham particular atração sobre a massa de imigrantes, chegados à nova terra em busca de ascensão social e não de um mundo político estranho. Quando têm a primeira expectativa frustrada, passam a defrontar-se com o Estado. O anarquista corporificava este sentimento e lhe dava um conteúdo de luta, pela via da organização dos sindicatos e da greve geral revolucionária. No contexto brasileiro da época, o Estado era sentido como fonte de opressão, a ideia de que ele era nocivo e desnecessário e que existiam alternativas viáveis de organização social voluntária eram fatores de atração considerável.
A dificuldade de conquistar direitos e melhorias por meio da política institucional, e a exclusão política de amplos setores da população pelo pacto de dominação vigente na República oligárquica funcionou como fator de incentivo a adoção do anarquismo, fazendo do mundo do trabalho um terreno fértil para ideias libertárias, já que os anarquistas recusavam a participação dos oprimidos na política institucional propondo outras formas de atuação. Os anarquistas denunciavam constantemente o caráter classista do Estado brasileiro e o caráter fraudulento de todo o processo político e eleitoral. Assim, os trabalhadores demonstravam receptividade a essas ideias e práticas que representavam uma contribuição para o melhoramento de sua vida cotidiana e que apontavam para uma futura emancipação.
Por fim, Hardman, no seu terceiro e último tópico, reafirma a ideia de Leôncio Martins Rodrigues, ressaltando que as condições ideais para a expansão do anarquismo parecem se criar quando se conjugam, no plano político, Estados burocráticos e autoritários e, no plano econômico, a pequena oficina. Não obstante as óbvias diferenças entre os Estados burocráticos e autoritários europeus e o Estado oligárquico latino-americano é possível constatar a mesma combinação de sistema político excludente e pequena empresa.

EDUCAÇÃO ANARQUISTA NO BRASIL

O movimento anarquista tinha por objetivo a divulgação de ideias políticas que englobavam também a construção de uma cultura e moral operárias não contaminadas pelos dogmas da Igreja, do Estado e pela moral burguesa. Além da propagação desse ideário político, cultural e moral, o anarquismo procurava incentivar a luta do operariado contra a exploração capitalista.
Apesar da heterogeneidade de opiniões entre os anarquistas, havia unanimidade em relação a certos aspectos: a necessidade da abolição do Estado, a recusa da tática eleitoral e parlamentar, a oposição à idéia de um partido centralizado. Para todos os teóricos anarquistas, a anarquia era um estado social em que tivesse desaparecido toda autoridade.
Segundo os anarquistas, a ignorância era o maior empecilho para a conquista da liberdade e, consequentemente, a maior motivadora do poder de dominação que o governo tinha sobre a sociedade. Assim, o meio mais eficiente para se alcançar as ideias libertárias seria através da educação.
Com esse intuito, o de atingir a população através do conhecimento e da cultura, os anarquistas usaram de vários artifícios. Os periódicos são os mais famosos, houve vários; o tempo de vida desses periódicos geralmente era curta, alguns duraram anos, mas a maioria resistiu apenas por meses. Mas todos eles foram importantes para a expansão das ideias e reivindicações anarquistas. Como exemplos temos o jornal La Battaglia, que era escrito em italiano, entretanto sua tiragem variou entre 3.500 a 5.000 exemplares entre os anos de 1904 a 1912, sendo distribuído em mais de 100 localidades no Brasil – muitas no interior de São Paulo – e no exterior (Cf. FELICI, 1994, p. 345).
O primeiro jornal anarquista, em língua portuguesa, a ter uma publicação regular foi O Amigo do Povo, que alcançou três anos de existência. Além de ter sido o pioneiro entre os periódicos em português, O Amigo do Povo estava ligado à origem da constituição de um movimento político e sindical organizado, que influenciou sem dúvida a nascente classe operária e despertou um interesse geral pelo anarquismo gerando o surgimento de outros periódicos. A imprensa operária no período de 1847 a 1920 contou com a publicação de 341 jornais que, de alguma forma, tratavam da questão do proletariado (FERREIRA, 1978).
Entretanto, o primeiro número do jornal O Amigo do Povo já enfatizava a necessidade da fundação de Centros Educativos Anarquistas. Outra maneira de formar cidadãos mais conscientes e que daria condições para a luta através do conhecimento. Esses centros tinham a finalidade de “promover a instrução entre associados e propagar as ideias libertárias” (FERNANDEZ, 1905).
Tais centros promoviam várias atividades que variavam de reuniões onde ocorriam leituras em voz altas dos periódicos para aqueles que não sabiam ler e para que houvesse uma discussão em torno dos assuntos abordados nestes, como havia também a própria alfabetização. Eram muitas as conferências realizadas nos centros, que também promoviam cursos profissionalizantes para os seus adeptos.
(...) Difundir a cultura nos meios populares, o Centro de Cultura Social prossegue no desenvolvimento de sua fecunda atividade despertando cada vez mais interesses principalmente entre os trabalhadores.
Além das conferências sobre as questões que se relacionam com o problema social, vêm agora realizando sessões de debates, que têm o duplo resultado de ventilar assuntos úteis para o desenvolvimento da cultura popular e generalizar o hábito de discutir em público com serenidade e espírito de tolerância mútua.”
(C. C. S. ,1934B).
Além dos Centros Culturais, foi fundado em 1934 o Ateneu de Estudos Científicos e Sociais, que tinha por finalidade:
(...) permitir o estudo dos problemas humanos com absoluta independência de credos políticos, sociais ou filosóficos, à margem do partidarismo político e das paixões religiosas.
O interesse por esse problema levou ao salão dos Contadores um bom número de pessoas que haviam sido convidadas, notando-se vários estudantes das escolas superiores, intelectuais e operários.
(...) Deu-se, então, por fundado o Ateneu de Estudos Científicos e Sociais que tem por fim promover conferências, leituras comentadas e editar uma revista de caráter científico, crítico e filosófico (ATENEU..., 1934).
Quando se remete ao anarquismo e sua ação educacional e cultural não se pode deixar se citar as escolas libertárias, além de promover a alfabetização, as crianças tinham acesso as informações das lutas libertárias, a ideologia anarquista era apresentada aos seus futuros militantes. Foi criado ainda, o jornal O Início, que era escrito e dirigido pelos alunos das Escolas Modernas, visando divulgar trabalhos escritos e fornecer informações das atividades sociais.
A primeira escola libertária brasileira foi a “Escola União Operária”, no Rio Grande do Sul, provavelmente originária dos ex-integrantes da Colônia Cecília. Outras começaram a surgir em distintas regiões do país como a Escola Germinal no Ceará (1906) e a Escola Moderna em Petrópolis (1913).
Como em São Paulo era observado uma maior efervescência das ideias libertárias, na cidade foram fundadas duas escolas libertárias Escolas Modernas nº 1 e nº 2. A inauguração da segunda escola moderna em São Paulo foi noticiada nos periódicos:
Cientificamos às famílias que se acha instalada no prédio da Rua Muller 74, a Escola Moderna nº 2, criada sob o auspício do Comitê pró Escola Moderna.
Esta escola servir-se-á do método indutivo, demonstrativo e objetivo, e baseia-se na experimentação, nas afirmações científicas e racionadas, para que os alunos tenham idéias claras do que se lhes quer ensinar.
(...) Na tarefa de educação tratar-se-á de estabelecer relações permanentes entre a família e a escola, para facilitar a obra dos pais e dos professores. Os meios para criar estas relações serão as reuniões em pequenos festivais, nos quais se recitará, se cantará, e se realizarão exposições periódicas dos trabalhos dos alunos: entre os alunos e professores haverá palestras a propósito de várias matérias, onde os pais conhecerão os progressos alcançados pelos alunos.
S. Paulo, 16 de agosto de 1913.
A Diretoria (O ENSINO..., 1914).
Os propósitos da Escola Moderna podem ser assim resumidos: as crianças devem ser instruídas na justiça, na verdade, livres de preconceitos e capazes de raciocinar e, ao saírem da escola, devem continuar “inimigas mortais dos prejuízos, serão inteligências substantivas, capazes de formar convicções pensadas, próprias, suas, a respeito de tudo que seja objeto do pensamento” (FERRER, s.d., p.26). As escolas modernas também defendiam a prática como meio de aprendizagem, sendo o convívio com a realidade juntamente com o professor um ponto fundamental da pedagogia libertária.
Outro diferencial das escolas libertárias é que os anarquistas acreditavam que a educação mista era necessária, para eles “crianças de ambos sexos tenham idêntica educação; que por semelhante maneira desenvolvam a inteligência, purifiquem o coração e moderem suas vontades; que a humanidade feminina e masculina se complementem, desde a infância, chegando a mulher, a ser não do homem, sim na verdade, a companheira do homem (FERRER, s.d., p.30). provocando, assim, mais um embate com a Igreja que promovia a educação em escolas exclusivas para meninas e meninos separadamente.
Através das escolas libertárias, os anarquistas promoveram um bem para todo o país. Independente do objetivo de formar militantes anarquistas, tanto as Escolas Modernas como os Centros Culturais contribuíram para a formação de uma sociedade mais bem informada, diminuindo, inclusive, o analfabetismo entre a classe operária. Alem de ter promovido uma reciclagem dos métodos educacionais, como a co-educação de meninos e meninas, a relação não autoritária entre professor e aluno, a participação ativa da família, a produção e apresentação de temas científicos pelos alunos como parte de eventos realizados nas escolas, a presença dos assuntos do cotidiano proletário dentro da produção de conhecimento curricular, entre outros.
  
CONCLUSÃO

              No decorrer das nossas leituras percebemos que o anarquismo teve uma amplitude ideológica e política, no contexto das movimentações operárias, da qual não tínhamos conhecimento. Podemos desconstruir várias ideias, como por exemplo, o estereótipo comum que associava o imigrante ao italiano-anarquista, como também ter a noção de que o anarquismo não foi uma ideologia homogênea, tendo várias correntes. O ideário anarquista foi demasiado importante para a contribuição na formação de uma consciência de classe e, no caso brasileiro, a sua atuação foi, sobretudo, através dos sindicatos revolucionários. A divulgação do pensamento anarquista se deu através dos periódicos, assim como nos centros culturais e escolas modernas.
Para finalizar, achamos interessante trazer à tona a concepção de Caio Túlio Costa a respeito dos anarquistas:
“Ninguém, mais do que os libertários, olharam para a história como o Angulus Novus de Paul Klee, como disse o Walter Benjamim; um quadro que ‘representa um anjo como se estivesse a ponto de distanciar-se de algo que o deixa pasmado. Seus olhos e boca estão desmesuradamente abertos, as asas estendidas. E este deverá ser o aspecto do anjo da história. Tem o rosto voltado para o passado. Onde nós vemos simplesmente uma sequência de datas ele vê uma catástrofe única que amontoa incansavelmente ruína sobre ruína, arrojando-as a seus pés.’ Assim também os anarquistas, envolvidos pela catástrofe e pasmados ante a barbárie que o próprio homem produziu.”        
(COSTA, pág. 120, 1996)


BIBLIOGRAFIA

BATALHA, Cláudio. “Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva”. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Alves. O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
 BATALHA, Cláudio H. M. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
CARONE, Edgard. Movimento Operário no Brasil. São Paulo: DIFEL, 1979-1984.
COSTA, Caio Túlio. O Que é o Anarquismo. 15ª ed. Coleção Primeiros Passos, n. 5. São Paulo: Brasiliense, 1996.
FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social. 3. Ed. São Paulo: DIFEL, 1983.
FERNANDEZ, Evaristo R. Centro de estudos sociais. O Livre Pensador. São Paulo, 09 de dez. 1905.
FERREIRA, Maria Nazareth. A imprensa operária no Brasil 1880-1920. Petrópolis: Vozes, 1978.
GALLO, Silvio; MORAES, José Damiro de. Educação Anarquista no Brasil da Primeira República.
GALLO, Silvio; MORAES, José Damiro de. Anarquismo e educação – a educação libertária na Primeira República. In.: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara (org.) História e memória da educação no Brasil, Vol. III: século XX.. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
HARDMAN, Francisco Foot. A estratégia do desterro: situação operária e contradições da política cultural anarquista, Brasil 1889-1922. Campinas. 1980. Dissertação (Mestrado) IFCH/UNICAMP.
TOLEDO, Edilene. A trajetória anarquista no Brasil na Primeira República. In: FERREIRA, Jorge; REIS, D. A. As Esquerdas no Brasil. A Formação das Tradições (1889-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
TOLEDO, Edilene. Anarquismo e sindicalismo revolucionário: trabalhadores e militantes em São Paulo na Primeira República. Rio de Janeiro: Fundação Perseu Abramo, 2004.
Site:


[1] SERGE, Victor. Memórias de um Revolucionário. 1901-1941. São Paulo, Cia. das Letras,
1981, p. 51.

[2] FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social. 3. Ed. São Paulo: DIFEL, 1983.

[3] HARDMAN, Francisco Foot. A estratégia do desterro: situação operária e contradições da política cultural anarquista, Brasil 1889-1922. Campinas. 1980. Dissertação (Mestrado) IFCH/UNICAMP.
[4]  TOLEDO, Edilene. A trajetória anarquista no Brasil na Primeira República. In: FERREIRA, Jorge; REIS, D. A. As Esquerdas no Brasil. A Formação das Tradições (1889-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012


A Revolta da Chibata: Batalhas pela Memória para a Construção da Cidadania

 
 

Grupo: Derwin, Lucas Rossiter, Luiz Felipe, Paulo Luiz de Mendonça, Sebastião                                                                       

 

 

1 Introdução

 

O historiador José Honório Rodrigues em seu livro História  e  Historiografia, na década de 1970, argumentou quanto às diferenças entre a história do Brasil real e o oficial bem como a outro aspecto pouco estudado pela historiografia até então e que dizia respeito aos movimentos populares ao registrar:  “Já escrevi nas teses da conciliação e reforma no Brasil que o grande sucesso da história do Brasil é seu povo, e a grande decepção sua liderança, e que os momentos criadores resultam sempre da colaboração intima e estreita entre liderança e o povo. O Brasil real e oficial, a história do Brasil real e oficial são duas faces de uma unidade básica, que devem ser somadas e não divididas, devem ser solidárias e não separar-se.”[1]

 Através da análise de movimentos populares, como a Revolta da Chibata,  podemos discutir quais as perspectivas historiográficas anteriores e posteriores à esse processo, fazendo com que exista um enriquecimento para o fazer histórico e seus respectivos debates, ampliando a análise dos acontecimentos protagonizados pelas camadas populares.   Quem contribui nessa linha de análise é a pesquisadora Tânia Maria Bessone com o artigo A Imprensa e o contexto da revolta da chibata: história e historiografia, que tem como objetivo principal analisar a produção historiográfica relacionando a uma fonte muito importante:  a imprensa do Rio de Janeiro. A partir disso ela disserta que o tema ganhou uma nova importância entre 1990 e 2000,  pois novas teses acadêmicas foram produzidas buscando entender quem eram os homens do mar daquele período.  Utilizando-se de novas linhas teórico-metodológicas que retratam os fundamentos de uma civilização marítima no Atlântico, que busca os traços de cidadania nesses eventos e que é parte integrante de um processo histórico.    Com isso ela mostra que o contexto da jovem república brasileira tinha muitas características do Império, e estava tomada por contradições que por um lado estava passando por transformações urbanas e a introdução de novas tecnologias que modificavam a feição de muitas cidades, enquanto que a maior parte da população vivia em condições miseráveis e não eram assistidas pelo governo da época criando nestes uma continua insatisfação que se refletiu em inúmeras manifestações populares.  

            O Rio de Janeiro no começo do século XX tem todas as características expostas acima, sendo uma cidade cheias de nuances e transformações. A imprensa era uma importante fonte que vem retratar um Rio que busca pelo moderno e pela civilização, mais que também continha elementos nada promissores como: eleições fraudulentas, repressão policial nas ruas, deslocamentos forçado de moradias, e outros projetos ambiciosos que visavam “trazer a civilização” aos trópicos, como um novo templo ao livro e o prédio da Avenida Central para a Biblioteca Nacional, além da  música e o teatro. Essa importante fonte que é a centenária imprensa do Rio vai contribuir de maneira significativa na divulgação, análise e denúncias, com fotos, caricaturas e artigos de opinião sobre os acontecimentos mais variados e supreendentes que se produziam.     A Revolta da chibata terá uma das mais significativas participações da imprensa que a tornará visível aos olhos do Brasil da época e serviriam para a posteridade com importante fonte. 

Um outro autor, este da década de 1980,  é Marcos Silva, que em seu livro Contra a Chibata: marinheiros em 1910,  segue uma linhagem muito próxima a da historiadora Tânia Bessone, mais que diverge em alguns aspectos.   Ele mostra  como nas batalhas pelas memórias houve ações por parte de uma historiografia oficial e a grande imprensa para silenciar comemorações e reduzir a importância do movimento nos livros didáticos, pois não interessava ao Brasil daquele momento que manifestações de cunho popular estivessem em voga.   Com isso seu livro é de tamanha importância, pois além de ser um divulgador da revolta, mostra em que cenário se deu o movimento  e suas inter-relações com as contradições da época.  

O presente trabalho busca registrar algumas “batalhas” ocorridas pela apropriação da memória do movimento conhecido como A Revolta da Chibata, de 1910 até o início do século XXI, e de como a visão sobre esse movimento foi sendo modificada ao longo do tempo.  Cabe ao historiador, a qualquer tempo, buscar o entendimento mais aproximado sobre os processos históricos, através de uma narrativa cada vez mais clara e menos incompleta  pois “...cada vez mais historiadores estão começando a perceber que seu trabalho não reproduz ‘o que realmente aconteceu’, tanto quanto o representa de um ponto de vista particular.   Para comunicar essa consciência aos leitores de história, as formas tradicionais de narrativa são inadequadas.  Os narradores históricos necessitam encontrar um modo de se tornarem visíveis em sua narrativa, não de auto-indulgência, mas advertindo o leitor de que eles são são oniscientes ou imparciais e que outras interpretações, além das suas, são possíveis.”[2]

 

2 –  Contexto Histórico

 
O ano é 1910, ou seja,  “apenas” 21 anos após a abolição jurídica da      escravidão.  Um clima político efervescente, discussões sobre cidadania, política, sociedade, “belle époque” carioca.    Na Marinha, desde o Brasil Império, “se alistar” era algo totalmente negativo e involuntário;  os marinheiros que eram “escolhidos” ou entregues eram normalmente  órfãos,  jovens com pequenos delitos.    Esses jovens eram enviados por um corpo de recrutadores civis ou militares que recebiam um valor para cada homem “recrutado”.   Na virada do século XX são criadas escolas de marinheiros, o que muda o quadro de alistamentos forçados, mas não muda a fonte de ‘fornecimento’ desses alunos: Asilos de crianças.

Esses recrutados eram em sua em sua maioria de “não-brancos” como descreve Álvaro Pereira do Nascimento, em artigo publicado em 2010 em homenagem aos 100 anos da revolta.  Álvaro registra que diante da “nova sociedade” houve uma tentativa de mudança desse quadro, devido a convicção que esses homens “egressos do cativeiro” não teriam condições de formar uma base social adequada a um país que tendia a “potência econômica”.[3]  Enquanto a  mudança social não se dava pela presença de imigrantes europeus, os oficiais da marinha acreditavam que era necessário punir por meio da força para acelerar o equilíbrio da nova sociedade que se pretendia.   É aí que se insere os castigos físicos, a chibata.

Outra questão a ser abordada é o de porque que apenas na República ocorre a revolta da chibata,  se no império já existia esse tipo de punição.    A resposta é a de que no Império aparentemente existia “apenas” a chibatada, enquanto que na República, além da chibatada havia uma multa no salário, ou a opção de ficar por tempo indeterminado detido no navio, até que o seu superior acreditasse que o marinheiro estava redimido da sua ação.

 
3 – Os “Acontecimentos”

 

            Apesar de Fernand Braudel afirmar ser a “...história dos acontecimentos (histoire événementielle) como não mais que a espuma nas ondas do mar da história.”[4], os “acontecimentos” ajudam a nos situar no tempo e no espaço e a levantar questões sobre esses importantes elementos dos processos históricos.

            Em 22 de novembro de 1910 estoura uma revolta que segundo João Cândido Felisberto, principal nome dos revoltosos,  já era planejada há no mínimo dois         anos.     Segundo Joseph L. Love (Universidade de Illinois), existiria uma influência do modus operandi  da revolução ocorrida em Portugal poucas semanas antes, que resultou na deposição do rei D. Manuel II.    Os homens, bem como os oficiais do Adamastor, e os de outros navios portugueses,  teriam fornecido um modelo de revolta naval quando o São Paulo estivera em Lisboa seis semanas antes da insurreição de 22 de novembro no Rio de Janeiro.[5]           Os mais de mil marinheiros subalternos da Marinha de Guerra se rebelaram na baía de Guanabara,  conforme já registrado, exigiam melhores condições de trabalho e o fim dos castigos corporais, em particular, a abolição da chibata.   A rebelião durou aproximadamente cinco dias e mobilizou a sociedade e a opinião da época.   A revolta estava prevista inicialmente para o dia da posse do novo presidente da República, Hermes da Fonseca, no dia 15 de novembro, mas foi adiada em 10 dias, e executada antes devido a pena de 200 chibatadas em um marinheiro de nome  Marcelino. Nas ruas e nas folhas da cidade a maior discussão seria entre os civilistas que apoiavam Rui Barbosa e os militaristas que apoiaram o marechal, pois  diziam que a revolta era um golpe tramado pela oposição.

A carta em que João Cândido expõe as principais reivindicações dos marinheiros, dá uma idéia geral do sentimento dos amotinados.   João Candido demonstra que a chibata era a principal reivindicação, mas não a única.   Se juntarmos a carta de João Candido com o discurso de Rui Barbosa no Senado, conseguiremos notar que a discussão girava em torno da condição de cidadão, “brasileiro e republicano”, dos marinheiros, a reclamação girava em torno de aumento de soldo e outros                 itens.   “ Reformar o código imoral e vergonhoso que nos rege, a fim de que desapareça a chibata, o bolo e outros castigos semelhantes; aumentar o nosso soldo pelos últimos planos do ilustre Senador José Carlos de Carvalho, educar os marinheiros que não têm competência para vestir a orgulhosa farda, mandar pôr em vigor a tabela de serviço diário, que a acompanha.” é um trecho que expressa a luta dos marinheiros por melhores condições de vida.

À luz da cidadania  é possível notar que o marinheiro não era considerado cidadão na plenitude da lei. Um trecho da primeira constituição republicana registrava:

  Art 70 - São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei. 

        § 1º - Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados: 

        1º) os mendigos; 

        2º) os analfabetos; 

        3º) as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior; 

Em destaque temos as “as praças de pré;” item 3º, que seriam os militares sem graduação, que não poderiam votar.     Desconsiderados como cidadãos, os marinheiros não detinham direitos políticos e nem sociais, pois na Constituição estava registrado que  “nenhum cidadão irá punir outro cidadão fisicamente”.

Logo após a anistia e a entrega das armas, é deflagrada uma outra revolta que foi reprimida com muita ferocidade.   Alguns estudiosos levantam o questionamento se essa segunda revolta  teria sido uma revolta “plantada”, que não partiu dos revoltosos mas sim do governo, motivado pelas intensas críticas da imprensa e da sociedade ao presidente Hermes e a sua “derrota” frente aos revoltosos.     Diante disso Hermes anuncia a expulsão dos marinheiros que seriam considerados “inconvenientes à             disciplina”.     Era disseminado o medo frente a novas sublevações entre os marinheiros, que seria um motim imperdoável ao oficialato.    Com essa enorme quantidade de expulsões, o Capitão Anthero José Marques diz o seguinte: "No dia 29 de novembro começaram a circular boatos de nova sublevação nos navios e também no Batalhão Naval.    No dia 2 de dezembro a polícia efetuou a prisão de 8 marinheiros e um soldado naval, que se achavam conspirando em uma casa, na rua do Lavradio. No dia 4, foram presos pela polícia mais 22 marinheiros, que se achavam reunidos em uma casa, na Piedade. Pelo inquérito a que essas praças responderam, ficou apurado tratar-se de nova revolta a bordo dos navios, na qual o Batalhão Naval tomaria parte. No dia 5, foi ordenado no Batalhão Naval rigorosa prontidão, recolhendo-se ao quartel os destacamentos que estavam e que não eram necessários."[6]

Esse levante foi logo reprimido e resultou em um saldo de inúmeros marinheiros[7] fuzilados, presos e transportados em situações degradantes,  entre eles João Cândido, que quase morreu na prisão, mas acabou internado no Hospital de Alienados.   Os sobreviventes às más condições na prisão do complexo naval da Ilha das Cobras, durante o Natal de 1910, foram colocados no navio Satélite, que  foi preparado para deportar para o Norte do Brasil cerca de 491 pessoas.

 

 
4 – A Construção da Memória Sobre a Revolta da Chibata

 

            A construção do personagem João Cândido se dá a partir dos acontecimentos da noite de 22 de novembro de 1910.    Em 1912, o Conselho de Guerra absolve João Cândido e mais 9  companheiros.     A partir de então, qual a memória que se tem sobre João Cândido e a Revolta da Chibata ?   Que elementos são possíveis detectar na construção dessa memória ?     Segundo Daniel Aarão reis, são “...conhecidas as artimanhas da memória.  Imersa no presente, preocupada com o futuro, quando suscitada, a memória é sempre seletiva.  Provocada, revela, mas também            silencia.”[8]  Ao longo do tempo, que imagens foram sendo criadas e resignificadas.    Quais foram retiradas da construção sobre a Revolta da Chibata ?

            Em Novembro de 1910, o palhaço e compositor negro Eduardo das Neves (1874-1919), conhecido também como Dudu das Neves e Diamante Negro, compôs a cançoneta Os reclamantes, sobre a revolta dos marinheiros.    Nela, o desespero dos moradores do Rio, que fugiram  dos possíveis bombardeios, é retratado com humor, concretizando um segundo momento de recepção do acontecimento. O compositor exalta João Cândido, “marinheiro de opinião”, contribuindo, assim como outros órgãos de imprensa que desde logo o chamaram de “almirante”,9 para a sua transformação de anônimo em personagem famoso. Contudo, o grande momento destacado pela cançoneta é o retorno à ordem depois da revolta de novembro,  talvez como forma de se evitarem problemas com as autoridades que costumavam  censurar, no período, algumas manifestações culturais populares por intermédio da ação policial.”[9]

            Ainda em 1910 é produzido o curta-metragem  A Vida de João Cândido.  Esse filme teria sido uma das primeiras produções do  cinema brasileiro a serem censuradas.  Tido como desaparecido, temos poucas  informações sobre seu conteúdo. Uma nota publicada no Correio de Manhã 23 de janeiro de 1912 dizia que o chefe de polícia do Rio de Janeiro proibiu a sua representação, mandou apreender os cartazes-reclamos e deu ordens para que prendesse os distribuidores dos reclamos.”[10]

            Em 1912, o jornalista e escritor Paulo Barreto decidiu publicar uma série de artigos intitulados Memórias de João Cândido, o marinheiro.      Esses artigos  são apontados como sendo de co-autoria do próprio João Cândido, cabendo a Paulo Barreto, a introdução de elementos ficcionais na narrativa.   As Memórias de João Cândido podem ser dividias em três partes.  “Num  primeiro momento, ele conta o seus inícios na Marinha e suas viagens internacionais.  Nesse sentido, suas memórias lembram um ‘diário de viagem’ (narrativa na primeira pessoa, tempo cronológico, descontinuidades e impressões sobre o Outro). Esse tipo de texto pode ser encontrado com frequência em publicações dos oficiais da Marinha, os quais costumam dotar seus textos, assim como o marujo, de um forte sentimento nacionalista. A especificidade das “Memórias” reside, no entanto, no fato de que o testemunho é feito por um marinheiro subalterno, a quem muito raramente se atribui o ‘lugar da escrita’.   Em um segundo tempo, as “Memórias” narram os fatos da revolta dos marinheiros, desde a organização até a anistia. Fornece aos leitores uma série de informações que somente uma pessoa que se encontrava nos navios poderia conhecer. João Cândido revela igualmente diversos detalhes, como as horas precisas, os nomes de outros ‘comandantes rebeldes’ (como ficaram conhecidos em parte da imprensa da época) e a movimentação dos navios. Aqui, o texto assume um vigor típico dos ‘diários de guerra’, outro tipo de narrativa geralmente própria dos oficiais.   Enfim, um terceiro momento da história de João Cândido cumpre uma função de denúncia: ele acusa o governo de ter contribuído para a preparação  da revolta de dezembro no Batalhão Naval, e, à guisa de conclusão, o marujo expõe seu sentimento de injustiça quanto à sua exclusão da Marinha.”[11]

          A partir da década de 1930, surgem os primeiros escritos que tomam partido dos marinheiros rebeldes, como o livro escrito em 1931 pelo poeta comunista e surrealista francês Benjamin Péret (1899-1959).   “A revolta dos marinheiros brasileiros  seria, segundo ele, uma versão tupiniquim do motim russo [a revolta do encouraçado russo Potemkim acontecida em1905]. Entretanto,  seu livro, que se intitulava O Almirante Negro em homenagem a João Cândido,  nunca chegou a ser publicado, pois os manuscritos foram apreendidos pela  polícia de Getúlio Vargas e provavelmente destruídos quase em sua integralidade.   Somente quatro páginas foram encontradas posteriormente, na década   de 1980.  Péret analisa a revolta como uma expressão da luta de classes e convida  o conjunto dos trabalhadores brasileiros para fazerem uma ‘greve geral revolucionária.’”[12]

Outra publicação, de 1934, utiliza a revolta dos marinheiros como pano de fundo para se incentivar a conscientização e a “luta de classes”.    O livro, editado clandestinamente em Pelotas, Rio Grande do Sul, foi assinado com o “...pseudônimo de Benedito Paulo, [que] foi identificado  como o médico Adão Pereira Nunes, ainda escritor e político filiado ao  Partido Comunista Brasileiro (PCB). O Brasil é apresentado como um “país  semicolonial”, cujo “povo oprimido” tinha necessidade de conhecer histórias  como a da revolta dos marinheiros para que se formasse uma consciência de  classe popular.”[13]

            Porém, teria sido João Cândido um homem de esquerda ?   Teria o mesmo se identificado com o socialismo ou com as teorias revolucionárias subjacentes a tal modelo de sociedade ?    Não achamos em nossa pesquisa elementos suficientemente consistentes que pudessem apontar nessa direção.    O mais provável, conforme já registrado, seria “limitar” o pensamento de João Cândido e de seus companheiros às reivindicações apresentadas no auge do movimento de 1910.      “O  fato de ter participado de uma revolta popular que se tornou um legítimo ícone  para intelectuais e políticos de esquerda não significa, no entanto, que João Cândido fosse assumidamente um homem de esquerda. Ao contrário, devemos considerá-lo em seu contexto e em sua complexidade como agente histórico” [14]   Pelo contrário,  na década de 1930, João Cândido “...assumia no período uma orientação política  bastante oposta: era simpatizante da Ação Integralista Brasileira, movimento  de tendência fascista fundado em 1932, cujas palavras de ordem eram “Deus,  Pátria e família”.   João Cândido contava que havia sido abordado pessoalmente  pelo líder Plínio Salgado, e que havia aderido à organização junto a vários companheiros marinheiros e oficiais da Marinha.” [15]

            Quando o próprio João Cândido afirma que Vesti a camisa verde. Pertenci ao núcleo da Pavuna e várias vezes fui recebido pelo Dr. Plínio Salgado, sempre cercado de oficiais da Marinha, com os quais conversei de igual para igual. Entrei no integralismo, por ver a minha gente, de corpo e alma, mergulhada no casarão da rua Sachet (quartel-general dos galinhas verdes). Fiz parte da marcha sobre o catete, ao lado de patentes superiores das Forças Armadas.”[16] está corroborando para o entendimento de que suas ações foram e são apropriadas tanto pela direita quanto pela esquerda.    O seu envolvimento ao movimento integralista se deu por causa da participação da Marinha, com a qual se identificava, nunca querendo instigar a causa revolucionária; porém saiu frustrado com o movimento.

            Durante o Estado Novo (1937-1945), a narrativa sobre a Revolta da Chibata parecia ter desaparecido.     Não só a memória sobre a revolta dos marinheiros, mas qualquer movimento popular que fosse de encontro ao pensamento vigente pelo poder à época, era duramente reprimido, como o comunismo, por exemplo.   “Todavia, com o retorno à democracia, o tema retorna às páginas da imprensa e anima polêmicas envolvendo oficiais da Marinha. O comandante reformado Luís Altran de Alencastro Graça reage, em jornal de grande tiragem, a uma reportagem sobre a memória da revolta dos marinheiros publicada pelo jornalista Raimundo  Magalhães Junior no Diario de Noticias em 1948. O oficial diz, a respeito de João Cândido, que: ‘se o nome desse infeliz pertencesse à História, na opinião do ilustre jornalista, que tão bondosamente o apadrinha, não devia ser à guisade herói.  Melhor então não possuir história, para não confundi-la com os anais da criminologia’.”[17]

Em 1959, um jornalista conhecido do Rio de Janeiro escreve um livro em que expõe 10 anos de pesquisa sobre o tema.      Trata-se de Edmar Morel   (1912-1989), que publica, no Rio de Janeiro, A Revolta da Chibata.    A publicação torna-se um marco para a memória do acontecimento, batizando  a rebelião.    Narrativa de um “historiador amador”, a obra de Edmar Morel é uma fonte importantíssima sobre o tema.   “Os temas históricos eram frequentemente escolhidos pelo repórter Morel,  e ele utilizava métodos próximos aos do historiador, como o recurso a fontes impressas localizadas em arquivos e nas coleções da imprensa. Porém, ele sempre se apresentou como jornalista ou repórter, assumindo mais facilmente a importância do tempo presente como ponto de partida. Além disso, se o procedimento  de investigação do autor é próximo do método do historiador, sua  escrita é bastante diferente. Enquanto o historiador sente necessidade de citar datas, de fazer referências às fontes, de interromper seu texto com notas de rodapé, o repórter Morel prefere privilegiar a fluência da narrativa, que não deve ser muito interrompida com esse gênero de referências.    No entanto, mesmo sem evidenciar suas relações com outras escolas do pensamento, estabelece diálogos com outras linhas da historiografia, nomeadamente através da  recuperação da figura de um “herói da ralé”, nos seus dizeres.[18]  A obra de Edmar Morel pode se encaixar, então, na perspectiva de uma proposta de leitura de uma história “...vista de baixo’; em outras palavras, com as opiniões das pessoas comuns e com sua experiência da mudança social.”[19]  

Sem dúvida a obra de Edmar Morel  foi o primeiro trabalho sistematizado sobre a “Revolta da Chibata”, título que ele colocou para o movimento e que até hoje se perpetua.   Conforme já registrado, existiram narrativas sobre a revolta antes de Edmar Morel produzir sua pesquisa, porém, a obra de Edmar Morel, como afirmam muitos autores, ajudou a preservar a memória do movimento liderado pelo marinheiro João Cândido. Aliás, o livro tem também o cunho biográfico desse líder, numa tentativa de preservar a memória desse marinheiro na História do Brasil, que na famosa afirmação de Gilberto Amado foi “o negro que violentou a história”.[20]

A primeira edição foi publicada em 1959, sendo publicadas mais quatro (1963, 1979, 1986 e 2009). Ao mesmo tempo em que novas edições foram sendo lançadas, o autor ampliou o livro com mais informações e inclusão de documentos que ajudaram a preservar a memória de João Cândido. A edição usada para essa pesquisa foi a última (publicada em 2009),  produzida devido à aproximação do centenário do movimento em 2010, e organizada pelo filho do autor,  Marco Morel.  Essa edição é mais completa, uma vez que faz um relata a história do livro e de seu autor e inclui informações  significativas que não estiveram ao alcance de Edmar Morel, incluindo anexos importantes.    Tais inclusões são constituídas pelas Memórias de João Cândido publicado na Gazeta de Notícias e pela versão oficial de Luís Alves de Oliveira Bello, que procurou desconstruir a narrativa de Edmar Morel.

O objetivo do livro, além de narrar as revoltas de novembro e de dezembro de 1910, é enaltecer a figura de João Cândido e colocá-lo em um patamar de herói para o povo brasileiro, mais especificamente para os marujos, dando-lhe a alcunha de ter acabado com a chibata na Marinha. Assim como enaltece a figura do jangadeiro cearense Francisco José do Nascimento, que no século XIX impediu o transporte de escravos para outras partes do Brasil – sendo intitulado Dragão do Mar – Edmar Morel afirma ser João Cândido um dos heróis que deve ser lembrado e registrado em nossa história.

Vale ressaltar que outras versões tentaram desconstruir a de Edmar Morel contida nesse livro como a do oficial da marinha Luís Alves de Oliveira Bello.[21]    Essa versão coloca João Cândido como um líder indeciso, sem muita capacidade de liderança sobre a tripulação e que tinha uma má reputação entre eles.     É evidente o tom racista dessa versão.

Morel mostra que longe de ser um levante desorganizado, sem planejamento, com uma liderança incapacitada, a Revolta da Chibata – ou seja, o movimento insurgido em novembro - foi um movimento louvável em seus objetivos, em sua organização e humanidade. Através de relatos do próprio João Cândido, Morel narra como foi planejado o movimento que foi organizado com dois anos de antecedência; traz à tona a capacidade de liderança do “almirante negro”, que é marcado por sua profunda humanidade, sendo paciente em não ter bombardeado a cidade do Rio de Janeiro, que estava à mercê dos marinheiros revoltosos; e mostra que tal movimento não incitou nenhuma revolta política contra o governo brasileiro, mas procurou se deter em acabar com as práticas retrógradas que existiam na Marinha, em meio a um sistema político – República -  instaurado poucos anos antes, que não dava lugar aqueles costumes repugnantes – como os severos castigos físicos típico à época da escravidão, má alimentação e aumento da carga horária de trabalho.    De acordo com Morel  “Com João Cândido, almirante por cinco dias, negro, gente do povo, a história era outra. Não havia política na sua insurreição. Não existia nenhum interesse em busca de uma maior boa posição na vida. Reclamava, apenas, o direito de viver com dignidade, sem relho, comida farta e sadia, enfim, vida de gente.”[22]

     Percebemos em algumas passagens do livro, que os marinheiros não reivindicavam uma maior participação na política, ou seja, uma ampliação dos seus direitos políticos. Em uma delas, a marujada, ao enviar a seguinte mensagem exigindo a anistia ao governo, afirma que está    “Confiante na pessoa de V. Exa. a marujada faz humilde aos vossos pés, mas não se descuidando, desta data em diante, de andarmos prevenidos para uma outra ocasião, quando forem violados nossos direitos, bem como pedimos que nesses direitos o marinheiro tem por fim de proceder com a melhor forma de correção. Outrossim a Marinha pede a garantia de todos revoltosos e que nenhum castigo soframos depois da nossa entrega Em nome da Marinha Brasileira, somos de S. Exa. humildes subordinados – Saúde e fraternidade. Os marinheiros revoltados.”[23]

            Percebemos nessa afirmação que havia sim uma busca por maiores direitos sociais sem, contudo, exigirem uma maior reivindicação de direitos políticos. Portanto, também em Edmar Morel, seria equivocado afirmarmos que a revolta dos marinheiros liderada por João Cândido representava uma luta política, a exemplo do que tentavam alguns movimentos políticos ocorridos na primeira metade do século XX, principalmente por setores comunistas que usavam a revolta para arregimentar o apoio de militares à causa revolucionária.     

A reflexão que podemos fazer a respeito da Revolta da Chibata é que a mesma está inserida em um contexto histórico brasileiro em que o significado da palavra cidadania encontrava-se ainda em seus momentos iniciais de definição, uma vez que tal conceito tem sido construído pela sociedade brasileira ao longo da República.[24] Hoje podemos conceituar o termo “...como um complexo de direitos e deveres atribuídos aos indivíduos que integram uma Nação, complexo que abrange direitos políticos, sociais e civis. Cidadania é um conceito histórico que varia no tempo e no espaço” [25], porém a mentalidade dos marujos revoltosos, ao analisarmos a obra de Edmar Morel, era desprovida dessa conceituação de cidadania que temos atualmente. Para eles, especialmente para João Cândido, conforme já registrado, as exigências gravitavam em torno dos direitos sociais.   Podemos refletir também, sobre o que os marinheiros revoltos esperavam do regime republicano. Quanto a isso, Edmar Morel tenta problematizar o fato da permanência da chibata em meio ao regime republicano.  Após a proclamação da república, o governo provisório havia proibido o uso dos castigos físicos na marinha.    No entanto, devido a pressões de oficiais da marinha a chibata tinha sido retornada.   Os revoltos viam o próprio governo republicano como a instituição responsável a abolir essa prática.

Edmar Morel também faz comparações com o levante de novembro aos movimentos que ocorreram no Brasil, na época da Colônia e do Império, e o encouraçado Potemkin. Em relação aos movimentos insurretos ocorridos nos séculos anteriores no Brasil, Edmar Morel distingue o movimento liderado por João Cândido por ter sido mais organizado, com líderes vindo da parte mais baixa da sociedade.

 Em comparação ao levante ocorrido no encouraçado Potemkin na Rússia, Morel enaltece a dignidade com que ficou caracterizada a Revolta liderada por João Cândido, na qual os marinheiros trataram com respeito à oficialidade e mantiveram a disciplina entre a tripulação, jogando ao mar todas as bebidas e deixando os navios em perfeita ordem.    “Ressaltem-se, por fim, os sentimentos de humanidade de João Cândido, mandando para terra os corpos dos seus superiores abatidos, quando, de arma em punho, tentavam restabelecer a ordem a bordo. A lancha que conduziu os cadáveres do Comandante Batista das Neves, dos capitães-tenentes José Cláudio da Silva e Mario Lahmeyer levou, também os despojos dos marujos mortos pelos seus superiores.  [...] No Potemkin os oficiais assassinados foram atirados ao mar...”[26]

No que se refere aos objetivos, a revolta de João Cândido não foi, segundo Morel, por causa de comida, como foi o caso do movimento do encouraçado Potemkin, mas sim pelo fim dos castigos físicos aos marinheiros.    Porém, a obra de Edmar Morel não discute com mais detalhes as outras reivindicações dos marinheiros no levante de novembro e principalmente de dezembro. Apesar de registrar o recrutamento forçado existente para a Marinha, o autor não aborda a questão do racismo existente nesta mesma instituição, que impulsionava ou justificava os castigos corporais aos marujos negros.    Quem vai fazer um registro histórico mais acurado sobre essas reivindicações dos marinheiros é o historiador Álvaro Pereira do Nascimento em seu artigo A Revolta da Chibata e seu centenário.    Esse autor procura discutir, de forma acadêmica, a questão da reivindicação dos marinheiros por um melhor tabelamento de serviços, por aumento dos salários,  o porquê do pedido da retirada dos oficiais carrascos,  a luta pela mudança no código disciplinar e a educação para os marinheiros.

Outro ponto importante na obra de Edmar Morel é a riqueza documental que foi utilizada para fundamentar a sua produção.   Dentre eles, destacam-se os discursos de Rui Barbosa, principal defensor da anistia para os marinheiros, e de outros políticos nos deixando a par do que ocorria no senado naquele tenso momento, e deixando patentes as ideologias que fundamentavam cada argumento. Outra fonte escrita são as cartas e mensagens dos marinheiros ao presidente deixando evidente que a revolta não tinha uma intenção política, mas sim as melhores condições de trabalho para os    marinheiros. Outra fonte, oral, é a dos depoimentos de João Cândido concedidos ao próprio autor.

            A obra de Edmar Morel tem sido obrigatória para aqueles que desejam pesquisar a revolta dos marinheiros de 1910, sendo indispensável na bibliografia referente a esse  assunto.

Em fevereiro de 1960, o comandante Oliveira Bello escreveu um relatório sobre a vida de João Cândido, o qual foi publicado na quarta edição do livro de Edmar Morel sob o título Versão Oficial.   No relatório, o oficial recupera as origens de João Cândido, sua entrada na Marinha, as viagens feitas.   Faz também  uma descrição física e psicológica do marujo orientada pelo pensamento  racial:  “É preto, de cabelos negros e encrespados, olhos escuros, alto e nutrido, olhar esquivo, feio, boca larga, andar vagaroso, introvertido, de poucas palavras e gestos; tudo isso herdado dos pais. Temperamento híbrido … Inteligência vulgar e pouco desenvolvida, ladino e sonso...”[27]

            João Cândido torna-se uma figura particularmente explorada por um novo  grupo de marinheiros, organizados na Associação de Marinheiros e Fuzileiros  Navais do Brasil (AMFNB), criada em 1962 num contexto de politização  da sociedade e de medo, de ambos os lados, de um golpe de Estado. A associação  dos marinheiros pedia melhorias de sua condição e ampliação de seus  direitos civis, mas se inseria num quadro mais amplo de reivindicações, que marcou o governo João Goulart  (1961-1964).   No dia 25 de março de 1964,  data de aniversário da associação, os marinheiros

organizaram um evento na sede do sindicato dos metalúrgicos e terminou com a prisão de vários membros, porém, assim como depois da revolta de 1910, os marinheiros e fuzileiros presos foram anistiados pelo presidente João Goulart, fato que foi utilizado como um dos pretextos para o golpe militar alguns dias mais tarde.  João Cândido estava presente na reunião. O jornal carioca Ultima Hora do dia 27 de março de 1964 publicou, abaixo do título “Revolta de 1910 presente em 1964”, uma foto do ex-marinheiro aos 84 anos trajando um terno, como gostava  em ocasiões do gênero, ao lado do novo líder dos marujos e fuzileiros, o  chamado Cabo Anselmo. A imagem reproduz em um mesmo plano os dois  líderes dos praças da Marinha, o do passado e o do tempo presente.    Subentende-se assim a existência de uma continuidade entre os dois movimentos, ao  mesmo tempo em que as autoridades e setores conservadores da sociedade  brasileira eram avisados sobre a possibilidade de uma nova rebelião. 

             No início da década de 1970, o tema alimenta outras manifestações       culturais,  como o samba O mestre-sala dos mares, gravado em 1975 por João Bosco  e Aldir Blanc.     A música teve problemas com a censura.   As palavras revolta e sangue foram censuradas; as palavras marinheiro, almirante e negros foram substituídas, respectivamente por feiticeiro, navegante e santos, gerando uma total descaracterização da canção, tornando-a mais próxima de elementos míticos do que da realidade mais concreta que pudesse encontrar maior eco na memória coletiva.

Outro pesquisador muito importante para a revolta dos marinheiros é Álvaro Pereira que em 1997, fez sua tese de mestrado no assunto, procurando dar uma nova abordagem ao mesmo, começa escrevendo seu trabalho a partir de suas memórias da infância que vai fazer com que ele se interesse pelo assunto como pesquisador. Usando ele um modo de escrita simples narra o episódio com enorme desenvoltura, sempre procurando se aprofundar e responder questões que ainda não foram debatidas pela grande maioria dos historiadores, nesta perspectiva retrata as lutas pelas memórias do pós-fato e sai do âmbito de olhar o fato sobre uma dicotomia apaixonante, adotando para sua pesquisa um olhar inovador.  Questionava Álvaro Pereira: Quem eram  aqueles marinheiros ? O que eles pensavam dos castigos recebidos? Será que aconteceram revoltas no período imperial ?  Ou isso só fez parte da República? A conscientização dos marinheiros para tentarem extinguir os castigos físicos só havia começado em   1910 ?     Com uma enorme diversidade de fontes, Álvaro Pereira passa pelo caminho da historiografia sobre a figura do João Cândido.   No decorrer de sua tese procura mostrar como era o espaço de trabalho do marinheiro, e como o processo de recrutamento era desumano e violento, que sempre fazia suscitar conflitos entre oficiais e marinheiros.

Um autor que tem uma visão totalmente diferente da maioria dos autores sobre a Revolta da Chibata é Hélio Leôncio Martins.    O vice-almirante Hélio publicou, em 1988, A Revolta dos Marinheiros, 1910, como forma de livro-resposta ou de atualização da versão oficial da Marinha de forma mais elaborada e  aprofundada.   Nessa obra, o autor retrata a repressão às rebeliões de novembro e dezembro de 1910 como uma reação “natural” dos oficiais à grande violência praticada pela marujada em              fúria.    Tentando aparentar uma suposta neutralidade em sua narrativa, o autor registra que os oficiais, vítimas de agressões físicas, do rompimento brusco da disciplina a que estavam condicionados, mantiveram uma atitude defensiva em relação à própria honrabilidade da Marinha.    Afirma ainda o autor que, escritores de esquerda, utilizaram a sublevação, puramente militar que foi, para transformá-la num movimento popular, fato que mantêm certa coerência com as batalhas pela memória ocorridas ao longo do século XX sobre a Revolta da Chibata.     Em entrevista a Silvia Capanema, em 2006, o vice-almirante Hélio contou que seu pai teria assistido a uma cerimônia de punição corporal com  uso da chibata, ainda quando aspirante a guarda-marinha. Nos seus dizeres:  “Ele aguentou, mas ele tinha um colega mais moço, que se chamava Pareras,  que era um rapaz de 14 anos, que desmaiou à vista daquele sangue. Tal era a  impressão que dava, era horrível”. [28]    Para Hélio, a perpetuação dos castigos corporais era um signo do atraso brasileiro, mas a supressão efetiva das punições só poderia mesmo acontecer no dia em que fosse feita uma substituição das  tripulações, tentando justificar assim, a instituição da chibata como um elemento “civilizador” e controlador do negro.    Termina por afirmar, contraditoriamente que “Nunca houve esse preconceito na Marinha. O Colégio Naval está cheio [de negros].  Agora, é difícil entrar … o nível intelectual do preto continua muito baixo,  porque ele tem relação com o nível econômico. Então a Marinha tinha essa dificuldade.”[29]

 

O estudo sobre a Revolta da Chibata é um importante elemento para se entender a construção da cidadania no Brasil.    Como a História está permanentemente a ser descoberta, esperamos que essa pequena contribuição ajude na construção do edifício da História do Brasil.

 

 
5 –  Bibliografia

 

ALMEIDA, Silvia Capanema P.  Do marinheiro João Cândido ao Almirante Negro: conflitos memoriais na construção do herói de uma revolta centenária in Revista Brasileira de História, vol. 31, nº 61, p.  61-84,    mai. 2010.

 

BURKE, Peter.  A Escrita da História – Novas Perspectivas.    São Paulo: UNESP, 1992.

 

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 12ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

 

FERREIRA, Tânia Maria T. B. da Cruz. A imprensa e o contexto da Revolta da Chibata: história  e historiografia in Antíteses, v. 3 n. p. 11-23, dez. 2010.

 

LOVE, Joseph L.   Aspectos internacionais da Revolta da Chibata in Antíteses, v. 3, n. esp. p. 39-51, dez. 2010.    

 

MOREL, Edmar.   A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo marinheiro João Cândido em 1910. 5º Ed. Comemorativa do centenário da Revolta da Chibata, organizada por Marco Morel – São Paulo: Paz e terra, 2009

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NASCIMENTO, Álvaro Pereira do.  A Revolta da Chibata e seu centenário.  Artigo.

 

_____________, Álvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2008.

 

_____________, Álvaro Pereira do.  Marinheiros em revolta:  recrutamento e disciplina na Marinha de Guerra  de 1880-1910.   Campinas: 1997.

 

REIS, Daniel Aarão.    Ditadura e Sociedade: As Reconstruções da Memória in REIS, Daniel Aarão, RIDENTI, Marcelo e MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Orgs.). O golpe e a ditadura militar. 40 anos depois (1964-2004).  Bauru: Edusc, 2004.

 

RODRIGUES, José Honório. Hitória e Historiografia.  Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1970.

 

SILVA, Henrique Maciel e SILVA, Kalina Vanderlei. Dicionário de conceitos históricos. Ed. Contexto, 3ºed. São Paulo, 2010.

 

SILVA, Marcos A.    Contra a Chibata: marinheiros brasileiros em 1910.  São Paulo: Brasilense, 1982.



[1]  RODRIGUES, Honório José. Historia e Historiografia,  p. 65-88
[2] BURKE, Peter.    A Escrita da História – Novas Perspectivas.
[4] BURKE, Peter.    A Escrita da História – Novas Perspectivas,  p. 12.
[5] ALMEIDA, Silvia Capanema P.  Do marinheiro João Cândido ao Almirante Negro: conflitos memoriais na construção do herói de uma revolta centenária in Revista Brasileira de História, p.  61-84.
 
[7] Segundo  Eduardo Seabra, historiador e criador do blog chibatas.blogspot.com.br
[8]  REIS, Daniel Aarão.    Ditadura e Sociedade: As Reconstruções da Memória in REIS, Daniel Aarão, RIDENTI, Marcelo e MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Orgs.). O golpe e a ditadura militar. 40 anos depois (1964-2004).
[9] ALMEIDA, Silvia Capanema P.  Do marinheiro João Cândido ao Almirante Negro: conflitos memoriais na construção do herói de uma revolta centenária in Revista Brasileira de História, vol. 31, nº 61, p.  61-84.
[10] Idem
[11] ALMEIDA, Silvia Capanema P.  Do marinheiro João Cândido ao Almirante Negro: conflitos memoriais na construção do herói de uma revolta centenária in Revista Brasileira de História, vol. 31, nº 61, p.  61-84.
[12] ALMEIDA, Silvia Capanema P.  Do marinheiro João Cândido ao Almirante Negro: conflitos memoriais na construção do herói de uma revolta centenária in Revista Brasileira de História, vol. 31, nº 61, p.  61-84.
[13] Idem
[14] Ibidem
[15] Ibidem
[16]  Morel, Edmar. A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo    marinheiro João Cândido em 1910, p. 243. 
[17] ALMEIDA, Silvia Capanema P.  Do marinheiro João Cândido ao Almirante Negro: conflitos memoriais na construção do herói de uma revolta centenária in Revista Brasileira de História, vol. 31, nº 61, p.  61-84.
 
[18] ALMEIDA, Silvia Capanema P.  Do marinheiro João Cândido ao Almirante Negro: conflitos memoriais na construção do herói de uma revolta centenária in Revista Brasileira de História, vol. 31, nº 61, p.  61-84.
[19] BURKE, Peter.    A Escrita da História – Novas Perspectivas,  p. 12-13.
[20] Morel, Edmar. A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo    marinheiro João Cândido em 1910, p.  57.  
[21] Morel, Edmar. A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo    marinheiro João Cândido em 1910, p. 327 – 367.
[22]  Idem, p. 103.
[23]  Morel, Edmar. A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo    marinheiro João Cândido em 1910, p. 103.
[24]  Sobre o assunto ver  CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. Ed. Companhia das Letras, 1998. 
[25] SILVA, Henrique Maciel e SILVA, Kalina Vanderlei.  Dicionário de conceitos históricos.  p. 47.
[26]  Morel, Edmar. A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo    marinheiro João Cândido em 191,  p. 143.
[27] ALMEIDA, Silvia Capanema P.  Do marinheiro João Cândido ao Almirante Negro: conflitos memoriais na construção do herói de uma revolta centenária in Revista Brasileira de História, vol. 31, nº 61, p.  61-84.
 
[28] ALMEIDA, Silvia Capanema P.  Do marinheiro João Cândido ao Almirante Negro: conflitos memoriais na construção do herói de uma revolta centenária in Revista Brasileira de História, vol. 31, nº 61, p.  61-84,    mai. 2010.
[29]  idem