segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Revolta de Juazeiro.

Grupo: João Santos, Rosana Maria dos Santos, Taciana Prieto Barreto, Thiago da Silva Paz e Volnei de Barros Neto.



INTRODUÇÃO
            Este trabalho tem como objetivo a análise das causas da Sedição de Juazeiro, bem como a caracterização da figura mística do Padre Cícero, e o messianismo impregnado na região do Juazeiro, ressaltando-se nesse contexto messiânico o beato José Lourenço e o movimento do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, também de caráter messiânico. No entanto, é de fundamental importância uma explanação prévia do conceito de Coronelismo para que haja um melhor entendimento dos meandros políticos, econômicos e sociais da Primeira República brasileira, e o posterior levantamento de questões pertinentes à Sedição de Juazeiro.
            Para a elaboração do presente trabalho foi necessário recorrer a um considerável número de bibliografias referentes ao tema. Além disso, foi possível fazer uma análise historiográfica mais aprofundada e levantando-se questões que serão abordadas no processo de fechamento do trabalho, baseando-se, entre outras obras, no livro Cangaceiros e Fanáticos, do historiador Rui Facó.
            Para entender as causas da Sedição de Juazeiro é preciso levar em consideração, inicialmente, a luta das oligarquias pela conquista do poder político. Os estados de São Paulo e Minas Gerais, em 1910, romperam com a até então política do café com leite, que consistia na eleição de candidatos à presidência, sendo eles paulistas ou mineiros. Essa política foi quebrada porque os dois estados não chegaram a um acordo sobre a sucessão imperial. Após esse quadro inicial, é possível explanar o tema, que será feito adiante.


Discussão conceitual acerca do coronelismo, mandonismo e clientelismo
            É comum na literatura brasileira o uso equivocado do conceito de coronelismo, tendo, na maioria das vezes, se identificado a uma imagem do coronel como grande latifundiário. No entanto, vários tipos de coronéis existiram: desde esses fazendeiros de grandes propriedades de terras, até comerciantes, médicos e até padres. É nesse contexto que se é necessário estabelecer limites entre o conceito de coronelismo, que será bastante útil no fechamento deste trabalho, ao constatar que Padre Cícero foi, de fato, um grande coronel, e não somente um padre.
            O Coronelismo segundo Victor Nunes Leal (1948) procura examinar, sobretudo o sistema político, a estrutura e a maneira pelas quais as relações de poder se desenvolviam na Primeira República, a partir do município. Ele é datado historicamente, e nasce na confluência de um fato político com uma conjuntura econômica, ou seja, o fato econômico em questão é o federalismo e a conjuntura econômica seria a decadência econômica dos fazendeiros.
            O federalismo cria o governador de estado – chefe da política estadual - que detém amplos poderes e era eleito pelos partidos únicos estaduais, e ao seu redor se arregimentavam as oligarquias locais, sendo os coronéis seus principais representantes. Já a decadência econômica dos fazendeiros acarretava o enfraquecimento do poder político dos coronéis, passando a exigir a presença do estado, que expandia a sua influência e diminuía a dos donos de terra.
            Desta forma, o coronelismo é um sistema político nacional baseado na relação entre o governo e os coronéis: o poder dos coronéis – controle dos cargos públicos - é garantido pelo governo estadual, e os coronéis dão seu apoio ao governo na maioria das vezes em forma de voto.
            Já comparando o coronelismo ao mandonismo, o cientista político José Murilo de Carvalho acredita que este último não é um sistema, e sim uma característica da política tradicional, existindo desde a colonização do Brasil e sobrevivendo até os dias de hoje. No entanto, a tendência é que o mandonismo desapareça à medida que os direitos civis e políticos alcancem todos os cidadãos (CARVALHO, 1997).
O coronelismo seria um momento particular do mandonismo, em que os mandões começam a perder força e tem de recorrer ao governo.
            O conceito de clientelismo também é recorrentemente confundido com o de coronelismo, no entanto este primeiro é um fenômeno muito mais amplo. “O clientelismo indica um tipo de relação entre atores políticos que envolve concessões de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto” (CARVALHO, 1997).
            Ao contrário do coronelismo, que teve data determinada – 1889 até 1937, quando foram derrubados os grandes caudilhos gaúchos, no Estado Novo – para acabar, e o mandonismo, que tende a decrescer, o clientelismo perpassa toda a história política do país. Além disso, segundo José Murilo de Carvalho, é possível que o clientelismo tenha se ampliado com o fim do coronelismo e aumentado com o decréscimo do mandonismo.

Padre Cícero
O fanatismo religioso, como o cangaceirismo, perdurou por décadas nos sertões, sobretudo no nordeste, e atingiu a sua fase mais aguda entre o fim do século XIX e o inicio do século XX.  O Cangaço, como forma primária de luta provocada, em parte, pelos desajustes sociais nascidos do monopólio da terra, cujas origens remontam aos tempos coloniais, com a divisão do Brasil em capitanias hereditárias e a subsequente concessão das sesmarias, as quais deram origem aos latifúndios.
Desse modo, o fanatismo religioso surge como uma procura do sobrenatural para a solução de todos os males e dramas da sociedade.
Episódios como os de Canudos, Caldeirão, Contestado, Pau de Colher, Pedra Bonita e Juazeiro foram as chagas maiores, superações de um organismo social doente. O mal vem de longe. Vem do abandono de toda uma legião de párias, de injustiçados pelas condições de vida do campo. Se o cangaceirismo foi uma maneira inconseqüente de protesto contra alguma coisa que estava errada, o fanatismo ainda é uma escapatória aos padecimentos crônicos (CARNEIRO, 2007, p.9-10).
Mas, embora sendo movimentos que tenham em comum a luta contra a exploração do homem pelo homem, existem algumas particularidades em cada um desses movimentos, como por exemplo, os “fanáticos” de Canudos eram, religiosamente, os mesmos fanatismos de Juazeiro. Entretanto, o comportamento foi oposto, existia uma distância muito grande entre as figuras de Antônio Conselheiro e Padre Cícero. Antônio Conselheiro era o “espelho” do seu próprio povo, humilde e desvalido como os que estavam com ele. Antônio Conselheiro foi um mal que precisava ser destruído, segundo a opinião dos governantes da época. Padre Cícero foi um “mal” bem útil para os senhores de terra. Ao governo interessou acabar com Canudos. Enquanto que, a antiga política utilizou-se do de Juazeiro, deu-lhe força, incentivo. Antônio Conselheiro representava a figura do inconformado, um revoltado em potencial; padre Cícero, um representante do conformismo, facilmente manobrável e até mesmo útil e necessário.
Padre Cícero Romão Batista nasceu no dia vinte e quatro de março de 1844, na vila do Crato, Ceará. Filho de Joaquim Romão Batista e de Joaquina Vicência Romana. O Pai comerciante tentou de várias formas encaminhar o filho para os negócios da família. Mas Cícero desde cedo mostrava interesses pela vida religiosa. Então, sei pai resolveu não contrariá-lo, e Cícero seguiu sua vocação.
Ele fez seus estudos primários na vila onde nasceu, depois transferiu-se para o colégio do Padre Rolim, em Cajaseiras, na Paraíba. Aos vinte e dois anos de idade, transferiu-se para o seminário maior e ordenou-se padre no dia trinta de novembro de 1870.
Segundo o escritor Caio Porfírio, durante o período de seminário, Cícero Romão não foi um aluno brilhante, passou despercebido, mas já apresentava um exagerado fervor religioso, que chamava a atenção de todos, ao ponto do reitor Padre Chevalier, não ver com bons olhos a sua ordenação.
Quando, ordenado, vai para as vilas de Trairi e São Pedro no Ceará. Posteriormente, quis retornar à sua terra natal. Locomovia-se de um lugar para outro, fazia visitas aos doentes, consultava remédio aos necessitados, intervia em casos jurídicos e conselhos espirituais.
Mas um acontecimento extraordinário aos olhos dos religiosos mudará a trajetória do Padre Cícero. O caso aconteceu no dia seis de março de 1889. A beata Maria Araujo, ao comungar na missa Celebrada pelo Padre Cícero, sentiu a boca cheia de Sangue. A notícia correu como um rastilho. Sempre que a beata recebia a hóstia das mãos do Padre, as Romarias a juazeiro partiam em levas para vê o fenômeno. Vinham dos mais distantes lugares, de Alagoas, Sergipe, Pernambuco (CARNEIRO, 2007).
A beata era uma mestiça de 29 anos, com cabelos carapinha, que usa cortado baixinho, de estatura média, um pouco delgada e tem cabeça pequena e arredondada, olhos escuros, quase negros e suaves na expressão, lábios um pouco grossos, nariz pequeno, faces um pouco salientes, queixo curto e pescoço bem proporcionado. Veste Roupa preta, conservando a cabeça coberta, com o aspecto fisionômico e geral de uma pessoa simples (MOREL, 1966, p.6)
Diante das controversas do Milagre, o Clero envia dois médicos a Juazeiro para examinarem de perto o caso, depois de analisarem confirma a existência do milagre. Porém a Igreja não aceita o laudo do doutor Marcos Rodrigues Madeira, e envia outro médio a região, o doutor Ildefonso Correa Lima, que também confirma a existência do milagre. Inconformado, o Clero envia a Fortaleza o doutor Júlio César da Fonseca que discorda dos outros dois diagnósticos: “o fenômeno que produz na dita beata não é novo, nem surpreendente, É tão natural como qualquer dos que a cada momento, caem no domínio dos nossos sentidos.” (CARNEIRO, 2007, p.22).
Diante das controversas vem a punição. Para a Igreja, o milagre era a negação da eucaristia. Dom Joaquim José Vieira, depois de ouvir a comissão que o mesmo nomeou para estuda o caso, nega a ocorrência do milagre. Diante da situação D. Joaquim ordena a Padre Cícero que se retrate do púlpito. O Padre sente-se perseguido, porém permanece no Juazeiro até Roma julgar o seu caso. No dia quatro de abril a Santa Sé dá ganho de causa a D. Joaquim, e padre Cícero Romão deixa Juazeiro, sob pena de excomunhão.
No exílio Cícero Romão Batista vai para Salgueiro, Pernambuco, onde exerce durante algum tempo sua função de clérigo de aldeia. A vigilância sobre ele continua intensa. Levantam-se suspeitas de uma possível ligação entre Cícero e Antonio Conselheiro, mas logo as suspeitas têm fim.
Em 1897 Cícero Romão volta a Juazeiro, onde procura a ajuda de amigos com intuito de arrecadar recursos para ir a Roma. Em Roma, passa alguns meses para ser recebido pelo papa Leão XIII que lhe absolve no Supremo tribunal.
Ao retornar a Juazeiro Cícero Romão percebe que seus milagres já são coisas do passado, pois poucos eram os que se lembravam do ocorrido. O seu prestigio de “santo” e “protetor das almas” havia passado.

O Pacto com os Coronéis
Cícero Romão entra na política por incentivo de Floro Bartolomeu, médico desconhecido até então, vindo da Bahia, fazendo em pouco tempo amizade com o padre. Em 1911 Cícero promove uma reunião com os coronéis do Cariri, visando “pacificar” a região. Ele propõe aos coronéis um “pacto de paz”, pretendendo com isso por fim as contendas políticas, que ocasionavam lutas pelo poder e consequentemente mortes. “Uma fantasia de tal o “pacto de paz”, porquanto todos os caciques reunidos em “assembléias” eram mandantes de muitos crimes e lideravam grupos de jagunços, que se refugiavam em seus feudos. O “pacto” ficaria como ficou, no papel “(CARNEIO, 2007, p.28).
A unidade do coronelismo girava em torno Antônio Pinto Nogueira Acioli, que governou o estado, como mãos de ferro, durante muitos anos. Acioli era de uma família numerosa, em que todos exerciam algum cargo de destaque.  O aciolismo, como ficou conhecido o seu governo, mandou e desmandou durante este período.  A população de Fortaleza não suportando mais os seus desmandos, fez uma “revolução popular”, que tomou conta da capital e Acioli muda-se para sul com a sua família. Com a saída de Acioli no poder, assume o cargo o Coronel Franco Rabelo, que adotou medidas rígidas para reorganizar administrativamente o estado.  A primeira medida de Acioli foi acabar com o banditismo que “infestava” o interior, enfrentar os “coronéis” que sempre foram o esteio da velha oligarquia. Estes cercados de jagunços, fizeram de tudo para depor Franco Rabelo.
Sedição de Juazeiro – A Revolta
Antes de analisar como se deu a Sedição de Juazeiro, é necessário localizar geograficamente a cidade de Juazeiro, encravada na região do Cariri, bem como mostrar que a mesma tinha viés propício a posturas revolucionárias.
Localizada no extremo sul do Ceará, o Cariri encontra-se entre os Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e até mesmo o Piauí.
Esta região possuía o desejo de se tornar uma província independente, isto pelo fato de ter uma boa posição geográfica e uma economia relativamente desenvolvida, porém sem uma contrapartida do estado. Toda região do cariri possuía uma forte ligação com Pernambuco e participação em movimentos revolucionários, como na Revolução de 1817 e na Confederação do Equador. Essa participação do Cariri nesses movimentos se deveu ao adensamento de imigrantes na região, a relação com Pernambuco cujos movimentos refletiam na região, progresso econômico do Cariri, e influências de padres católicos imbuídos das ideias da Revolução Francesa.
A vida econômica do Cariri girava em torno da terra (latifúndio) e do gado. Os grandes proprietários de terra dominavam soberanos, até o começo do século XX onde foram depostos a bala, no sul do Ceará, os coronéis – chefes políticos. Além disso, as secas periódicas agravavam ainda mais a situação.
Outro fator relevante em consideração ao Cariri é o de ter sido transformado em refúgio mais seguro dos perseguidos pelas autoridades, pois devido às estreitas comunicações com a sede do governo, dificultava o contato.
Para o historiador Rui Facó, em seu livro Cangaceiros e Fanáticos, o atraso intelectual em que viviam as populações sertanejas era decorrente da estagnação econômica e cultural oferecia campo favorável ao misticismo e ao fanatismo religioso. Crenças de caráter primitivo eram as “únicas compatíveis com o meio social e grau de cultura dos sertões” (FACÓ, 1983).
É necessário, ainda, pontuar alguns fatores que explicam o surgimento de fenômenos como o de Juazeiro: o regime de propriedade da terra (latifúndio com relações de produção pré-capitalista) que se manifesta mais intensamente em regiões de isolamento em relação às cidades, atraso cultural, maior influência do clero – alucinando as massas.
Dito de maneira genérica como o Cariri estava situado dentro do contexto geopolítico da época, podemos falar do movimento de Sedição e como seus atores se portaram, nesta que foi uma revolta da qual era parte de uma estrutura mais ampla de implicações geradas pela nova política nacional.
Para o destrinchamento da revolta, é necessário analisar comparativamente o que acontecia em Juazeiro e o que estava acontecendo no plano nacional. Em Juazeiro temos a figura de dois personagens é muito importante para compreender a Sedição de Juazeiro: Padre Cícero e Floro Bartolomeu.
Floro chegou ao Juazeiro vindo do interior da Bahia, seu Estado de origem, em 1908. Formara-se em Medicina em Salvador e clinicara durante algum tempo nos sertões de sua terra. Se já conhecia de perto o espírito da gente sertaneja. Chegou ao Cariri, atraído pelas notícias de uma mina de cobre da área do Coxa, no município de Aurora. A mina havia sido adquirida então pelo Padre Cícero Romão Batista, mas sua posse era litigiosa. Floro não teve dúvida e entrou logo em contato padre Cícero, conseguindo em pouco tempo se tornar homem da máxima confiança e da intimidade do Padre, servindo-o como médico particular. Floro ganhou ainda mais prestigio com o sacerdote depois que cuidou da questão das minas do Coxa por conta própria, e independente da justiça. Juntou um grupo de capangas, recrutados na própria cidade de juazeiro e os armou.
Após repelir todos os seus opositores a base de bala e fazer a demarcação da jazida o nome de Floro Bartolomeu projetou-se rapidamente por todo o vale do Cariri e passou a ser respeitado não apenas por ter-se tornado um homem de confiança direta do Padre Cícero, mas por sua coragem pessoal, sua decisão de enfrentar inimigos numa luta armada com poderosos locais, se revelando um verdadeiro chefe.
Em contrapartida no cenário nacional iremos ter a chamada política das salvações. Esta foi à política introduzida por Hermes da Fonseca, então presidente da República. Que culminou com a derrubada das oligarquias situacionistas e na ascensão de grupos de oposição. Estes movimentos se estenderam por vários estados do país, principalmente os do Nordeste e Norte, entre 1910 e 1912, período que se realizaram as eleições em vários estados.
Em resumo a política das salvações buscava tirar antigas oligarquias do poder, substituindo-as por candidatos do atual presidente. No entanto essa rivalidade se dava apenas no campo das disputas políticas, pois entres os partidos não existia nenhuma divergência ideológica, muito menos no que diz respeito a programas políticos ou sociais.
No Ceará o governador Antônio Pinto Nogueira Accioli foi deposto, em janeiro de 1912, com o apoio do Exército. Em abril houve a aliança entre o povo e militares lançando a candidatura do coronel Franco Rabelo, que governaria o Estado. 
O conflito envolveu, de um lado, o novo governador eleito, Franco Rabelo e as tropas legalistas, e de outro as tropas de jagunços comandadas por Floro Bartolomeu, apoiadas pelo padre Cícero e pelos coronéis da região do Cariri, contando ainda com o apoio do senador Pinheiro Machado (RS), desde a capital. O movimento armado iniciou-se em 9 de dezembro de 1913, quando os jagunços invadiram o quartel da força pública e tomaram as armas. Nos dias que se seguiram à população da cidade organizou-se e armou-se, construindo uma grande vala ao redor da cidade, como forma de evitar uma possível invasão.
A reação do governo federal demorou alguns dias, com o deslocamento de tropas da capital, que se somariam aos soldados legalistas no Crato. Apesar de estarem em maior número e melhor armados, não conheciam a região e nem as posições dos jagunços e por isso a primeira investida em direção a Juazeiro foi um grande fracasso, responsável por abater os ânimos dos soldados.
Quando os soldados de Franco Rabelo chegaram a Juazeiro do Norte se depararam com uma situação inusitada: Em apenas uma semana, os romeiros cavaram um valado de nove quilômetros de extensão cercando toda a cidade e ergueram uma muralha de pedra na colina do Horto. A fortificação recebeu o nome de "Círculo da Mãe de Deus". O batalhão ao ver que seria impossível romper o círculo, recuou e pediu reforços.
Os reforços demoraram a chegar e as condições do tempo dificultaram as ações para um segundo ataque, realizado somente em 22 de janeiro e que não teve melhor sorte do que o anterior. Com novo fracasso, parte das tropas se retirou da região, possibilitando que os jagunços e romeiros invadissem e saqueassem as cidades da região, a começar pelo Crato, completamente desguarnecida. Os saques tinham por objetivo obter armas e alimentos e foram caracterizados por grande violência. A última investida legalista ocorreu em fevereiro sob o comando de José da Penha, que acabou morto em combate.
Após expulsar os invasores, Floro Bartolomeu parte para o Rio de Janeiro a fim de conseguir aliados. Os revoltosos seguem para Fortaleza com o objetivo de derrubar o governador. Na capital federal, Floro consegue o apoio do senador Pinheiro Machado. Enquanto isso as forças juazeirenses chegam a Fortaleza e pelo mar uma esquadrilha da Marinha enviada pelo senador impôs um bloqueio marítimo na orla de fortaleza. Cercado, Franco Rabelo não teve como reagir e foi deposto.
Hermes da Fonseca nomeou interinamente Fernando Setembrino de Carvalho, enquanto novas eleições foram convocadas. Com as novas eleições Benjamin Liberato Barroso foi eleito governador e Padre Cícero volta a ser vice novamente.

Messianismo no Juazeiro e o Beato José Lourenço
Os movimentos messiânicos são usualmente derivados da insatisfação social de alguns grupos que, excluídos sociais, econômica e politicamente, buscam a realização de ideais utópicos para suprimir a realidade desfavorável. A insatisfação social dá lugar à movimentação libertadora de caráter religioso, que visa à realização de um paraíso na Terra. Sobre o conceito de Messianismo, nos diz Maria Isaura:

A crença na vinda de um enviado divino, que trará aos homens justiça, paz e condições felizes de existência; 2) a ação de um grupo obedecendo às ordens do líder sagrado, que vem instalar na terra o reino da sonhada felicidade. A crença nasce do descontentamento, cada vez mais profundo, de certas coletividades, diante de desgraças ou de injustiças sociais que as acabrunham; afirma formalmente a esperança numa transformação positiva das condições penosas de existência a se produzir (QUEIROZ, 1977, p.383).
O caso do Juazeiro não foi diferente e teve no beato José Lourenço seu grande personagem.
            José Lourenço Gomes da Silva, que ficaria conhecido como o Beato Zé Lourenço, nasceu em 1872 e, pelo pouco que se sabe sobre sua vida, trabalhou por muito tempo para latifundiários. Mas sua admiração e devoção por Padre Cícero o fizeram mudar-se para Juazeiro para ajudá-lo.
Ao se tornar beato e discípulo do Padre Cícero, José Lourenço muda também sua forma de viver, dedicando-se a partir de então muito mais aos ideais de caridade e piedade que aos próprios interesses. Decidiu por ocultar-se e se purificar, seguindo conselhos de seu mentor. Mas em 1895 retorna, não é claro se por vontade própria ou por aconselhamento do Padre Cícero, para Juazeiro, após encerrar as penitências. Mas, tendo sido criado em ambiente rural em meio a fazendas e tratando da terra e do gado, nem José Lourenço nem sua família se acostumaram à vida urbana de Juazeiro, tendo então se dirigido ao sítio Baixa D’Antas, próximo ao Crato, cidade vizinha a Juazeiro. Já instalado no sítio, sua missão passou então a ser a de ajudar desvalidos e vítimas de perseguições enviados pelo Padre Cícero.
Durante o período em que esteve no Baixa D’Antas, José Lourenço foi envolvido numa polêmica devido a um boi que recebeu como doação feita pelo industrial pernambucano Delmiro Gouveia. O boi, conhecido como “Mansinho” por seu temperamento tranquilo, aos poucos conquistou dentro da comunidade a fama de milagreiro passando a ser venerado. Relatos mais conhecidos sobre as façanhas do boi falam de doenças que eram curadas através da ingestão de sua urina e mesmo de suas fezes, e, em um relato mais espirituoso, há a menção das virtudes do boi, que, certa vez, rejeitou o capim de um jovem que o havia oferecido como pagamento de uma promessa feita para conquistar uma garota, ao saber que o capim houvera sido roubado (MEDEIROS, 2012).
            Mas a fama divinizada adquirida pelo boi acabou tomando proporções grandes demais, e seu resultado tornou-se incômodo para José Lourenço, mesmo que este pouco tivesse a ver com a adoração que havia sido criada em torno do animal. Visando não manchar a imagem do Padre Cícero, que àquela altura já não era mais pároco local, Floro Bartolomeu tentou desfazer a mitologia que havia sido criada em torno do boi, reprimindo as pessoas que o adoravam, ordenando a morte do animal e a prisão do beato por duas semanas.
            Depois de libertado, graças à interferência do Padre Cícero no caso, José Lourenço estava humilhado e mal-visto como subversivo, e buscando se livrar dele de uma vez, o sítio foi vendido e ele teve de buscar nova morada, tendo então se mudado para um local cedido pelo Padre Cícero, o sítio Caldeirão, ou Caldeirão dos Jesuítas, mas que ficou popularizado com o nome de Caldeirão de Santa Cruz do Deserto.
A vida no Caldeirão era atraente pelo caráter próspero da comunidade. Com a morte de Floro Bartolomeu e o apoio quase incondicional do Padre, o Caldeirão floresceu e tornou-se rapidamente relevante para seus membros. Nesse ínterim, o beato José Lourenço se destacou por seu caráter empreendedor e de liderança, ainda que seu espírito fosse apaziguador e seus desejos passassem ao largo dos interesses próprios. De fato, o maior desejo dos membros da comunidade era viver do próprio trabalho e devoção, muito mais que buscar a realização de uma versão terrestre do Paraíso. A prosperidade e o nível da autogestão eram grandes, de forma que só utilizavam dinheiro para comprar remédios e querosene, pois o resto era conseguido entre si na comunidade, através de um sistema de distribuição. “Com isso podemos inferir que, de uma certa forma, o Caldeirão significa(va) um movimento social de contestação pacífica à situação dos sem-terra. [...] Era o trabalhador provando que era possível viver bem do seu próprio trabalho” (RAMOS, 1991).
Com a morte do Padre Cícero, em 1934, José Lourenço assume, ainda que involuntariamente, sua sucessão como figura de liderança. Mas com muita gente a chegar, o arraial despertou a ira das elites; o poder político, sustentado por coronéis, a Igreja Católica e o Estado. Existia a paranóia de um novo Canudos. Por parte da Igreja, havia também forte interesse pelo ideal de Romanização, desde o Concílio Vaticano I, ocorrido entre 1869 e 1870. Segundo Farias (2000), associados ao temor do comunismo enquadraram e prenderam como bolchevique o pregador Severino Tavares, acusado de ter participado da fracassada Intentona Comunista em Natal, em 1935, e de ser um “agente de Moscou” infiltrado entre os camponeses do Caldeirão.
Além do terror vermelho, fez-se propaganda do terrorismo moral. A Igreja e as autoridades do Ceará e de Pernambuco espalhavam entre os católicos boatos sobre o comportamento desregrado do beato. Dizia-se que Lourenço possuía um harém, com muitas beatas ao seu inteiro dispor sexual. As narrativas davam conta de uma versão sertaneja de Sodoma e Gomorra. Devido ao voto de castidade, o padrinho José, como era tratado pelos romeiros, sequer havia casado, além do fato de, à época, já contar mais de sessenta anos de vida.
Mesmo nesse clima de forte tensão, a figura de José Lourenço ganhava ainda mais brilho, em decorrência das novas romarias que se dirigiam ao Caldeirão depois da morte de Padre Cícero. E, mais uma vez, as elites se sentiram incomodadas com o prestígio que a comunidade alcançava.
A comunidade do Caldeirão e José Lourenço sofreram um duro golpe após a morte de Padre Cícero, uma vez que ele havia deixado as terras da comunidade para os Salesianos, possivelmente na esperança de que estes mantivessem José Lourenço no seu controle. Mas não foi o que ocorreu, e, alicerçados na propaganda negativa da comunidade, se formou uma comoção que visava à expulsão dos camponeses, vistos como uma ameaça comunista, da área.
Com a ajuda da Diocese do Crato e dos coronéis, que se queixavam de perder a mão de obra escrava para o sítio de José Lourenço, os Salesianos recorreram ao governador Menezes Pimentel. Espionado pela Polícia Militar cearense, comandada pelo capitão do Exército Cordeiro Neto, o beato recebeu com banquetes o capitão José Bezerra, escalado pela PM para o serviço de espionagem da comunidade. Bezerra chegara ao sítio em meados de 1936, travestido de empresário desejoso de explorar a oiticica, uma das árvores brasileiras mais ricas em óleo, da região. O resultado desta visita foi à entrega ao comando da polícia, de um relatório que desenhava o Caldeirão como um misto de inferno e sucursal de Moscou, o que representou o ato final de legitimação da invasão por parte das tropas oficiais.
Após a invasão, o beato José Lourenço consegue escapar e refugia-se em Exu, onde construiu mais uma pequena comunidade, e aonde veio a morrer em 1946, vitimado pela gota.
A Guerra e a Destruição do Caldeirão
            A guerra contra o Caldeirão foi promovida pela força policial, a partir de reunião provocada pelo Governo do Estado do Ceará, contando com o apoio da Igreja e de latifundiários, ambos com motivos próprios para isso. Os últimos devido à perda crescente de mão-de-obra barata. A igreja pela afronta ao processo de romanização, que estabelecia o fortalecimento da hierarquia no funcionamento da estrutura clerical. Afronta, porque o catolicismo popular incluía elementos que o distanciava das práticas impostas pela hierarquia dominante, ousando romper com as estruturas de subordinação em vigor. As autoridades no âmbito nacional temiam por sua vez, que aquela aglomeração representasse uma nova célula de comunista, também, que aquele movimento crescesse a ponto de se tornar uma “Nova Canudos”, argumento que seria usado como justificativa para a perseguição. Se fez, ainda, propaganda do terrorismo moral. A Igreja e as autoridades do Ceará e de Pernambuco espalhavam entre os católicos boatos sobre o comportamento desregrado do beato, que, diziam, possuía um harém, com muitas beatas ao seu inteiro dispor sexual.O início do conflito se deu com a morte do padre Cícero, que em testamento doou o sítio do Caldeirão a ordem dos padres Salesianos do Crato:

Tudo indica que o padre Cícero tinha confiança no espírito de caridade cristã dos Salesianos. Mas essa previsão estava equivocada: em 1936, os padres salesianos começaram a reprimir o “fanatismo de Juazeiro” e deram amplo incentivo para a operação militar que expulsou os camponeses do Caldeirão. (RAMOS, 2000: 375)
O ataque inicial ao Caldeirão ocorreu no dia 11 de setembro de 1936, quando os moradores foram expulsos e tiveram suas casas queimadas, além de bens confiscados em favor do município do Crato. Os remanescentes, incluindo o próprio Beato José Lourenço, passaram algum tempo vivendo nas matas da Chapada do Araripe. Boatos de que um grupo de ex-integrantes do Caldeirão, liderados por Antonio Tavares invadiriam o Crato, mobilizou novamente as forças policiais, chefiadas pelo capitão José Gonçalves Bezerra. O conflito daí resultante acabou com quatro mortes do lado do governo, incluindo o capitão e cinco do outro lado entre elas do líder Tavares e o Beato Severino. Foi o estopim para uma nova ação, dessa vez maior ainda:
Após a divulgação daquele conflito, fortes contingentes militares partiram de Fortaleza à  caça dos remanescentes do Caldeirão, determinados a vingar a morte do capitão Bezerra. O ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, colocou a força federal à disposição do governo cearense e autorizou o vôo de três aparelhos do Destacamento de Aviação. (…) Dos aviões, as metralhadoras dispararam, enquanto 200 patrulheiros vasculhavam a chapada do Araripe para concluir a missão. Naquele 11 de maio de 1937, cerca de 700 lavradores foram massacrados. Nenhum soldado morreu. Mesmo depois da “grande investida” militar, policiais continuaram a perseguir, prender, torturar e matar pessoas que se vestissem de preto e portassem rosário - as características dos seguidores do beato. (ARAÚJO, 2006: 07)
Posterior a esse embate foi iniciado uma vultuosa campanha na imprensa cearense, onde a figura de José Lourenço era delineada como uma ameaça pública à sociedade, representada, logicamente, pelas elites locais.
A imprensa, por conveniência, construía e disseminava uma imagem negativa do Beato José Lourenço e de suas comunidades, visando legitimar a barbárie perpetrada pelas ações do Governo do Estado e da sua força policial. Destruiu-se moralmente para legitimar a destruição física. José Lourenço ainda tentou reconstruir sua comunidade cristã, mas sempre sob o olhar e repressão dos aparelhos do Estado. Sua morte em 12 de fevereiro de 1946 encerrou as movimentações desse porte, quase relegando as experiências e resultados obtidos ao silêncio, e esquecimento social.

  
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi exposto e com a ajuda das bibliografias pesquisadas, podemos tecer algumas considerações finais acerca do tema trabalhado, especialmente no que tange às características de Padre Ciço, o Padim Ciço do Juazeiro, crença tão forte que perdura até os dias de hoje naquela região.
Diante do conceito de coronelismo defendido por Victor Nunes Leal e José Murilo de Carvalho, o coronelismo não se refere ao consenso comum, de que o coronel é um proprietário de terras, isolado em sua fazenda. No caso do Padre Cícero, percebemos claramente suas características que o tornam um verdadeiro coronel, como o poder de persuasão, forte força política e social, capaz de interferir na vida pública e no rumo que tomará a própria Sedição de Juazeiro.
Além disso, a crença da população pobre do Cariri de que o Padre Cícero era um santo, capaz de realizar milagres, também é equivocada. Sabemos, através de documentação historiográfica, de que a popularidade de Cícero se expandiu devido a este personagem não cobrar dinheiro por seus serviços religiosos e manifestações “místicas”. Grande parte de seus conselhos referiam-se a questões de higiene e saúde, e visto que a população dessa região era pobre e nunca tinham conhecido um médico ou procurado uma farmácia, encontravam nos conselhos do padre os ensinamentos para curas que realmente se efetivavam.
No que tange ao boi “mansinho” que pertencia ao beato José Lourenço, também possamos tecer algumas considerações. O boi que, por possuir um temperamento calmo, foi logo visto pela população como capaz de fazer milagres. Entre as façanhas do boi pode-se citar como dito anteriormente, a cura de doenças através da ingestão de sua urina e fezes. Essa característica messiânica própria da região, era devida ao atraso intelectual da população, que não recebia – até o “milagre” da hóstia, de Padre Cícero – maiores atenções do governo brasileiro, e por conta de sua posição geográfica isolada. Além disso, era comum que essa população fosse persuadida pelo clero a acreditar em crenças e mitos.


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