INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo a
análise das causas da Sedição de Juazeiro, bem como a caracterização da figura
mística do Padre Cícero, e o messianismo impregnado na região do Juazeiro,
ressaltando-se nesse contexto messiânico o beato José Lourenço e o movimento do
Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, também de caráter messiânico. No entanto, é
de fundamental importância uma explanação prévia do conceito de Coronelismo
para que haja um melhor entendimento dos meandros políticos, econômicos e
sociais da Primeira República brasileira, e o posterior levantamento de
questões pertinentes à Sedição de Juazeiro.
Para a elaboração do presente
trabalho foi necessário recorrer a um considerável número de bibliografias
referentes ao tema. Além disso, foi possível fazer uma análise historiográfica
mais aprofundada e levantando-se questões que serão abordadas no processo de
fechamento do trabalho, baseando-se, entre outras obras, no livro Cangaceiros e Fanáticos, do historiador
Rui Facó.
Para entender as causas da Sedição
de Juazeiro é preciso levar em consideração, inicialmente, a luta das
oligarquias pela conquista do poder político. Os estados de São Paulo e Minas
Gerais, em 1910, romperam com a até então política do café com leite, que
consistia na eleição de candidatos à presidência, sendo eles paulistas ou
mineiros. Essa política foi quebrada porque os dois estados não chegaram a um
acordo sobre a sucessão imperial. Após esse quadro inicial, é possível explanar
o tema, que será feito adiante.
Discussão conceitual acerca do coronelismo,
mandonismo e clientelismo
É
comum na literatura brasileira o uso equivocado do conceito de coronelismo,
tendo, na maioria das vezes, se identificado a uma imagem do coronel como
grande latifundiário. No entanto, vários tipos de coronéis existiram: desde
esses fazendeiros de grandes propriedades de terras, até comerciantes, médicos
e até padres. É nesse contexto que se é necessário estabelecer limites entre o
conceito de coronelismo, que será bastante útil no fechamento deste trabalho,
ao constatar que Padre Cícero foi, de fato, um grande coronel, e não somente um
padre.
O Coronelismo segundo Victor Nunes
Leal (1948) procura examinar, sobretudo o sistema político, a estrutura e a
maneira pelas quais as relações de poder se desenvolviam na Primeira República,
a partir do município. Ele é datado historicamente, e nasce na confluência de
um fato político com uma conjuntura econômica, ou seja, o fato econômico em
questão é o federalismo e a conjuntura econômica seria a decadência econômica
dos fazendeiros.
O federalismo cria o governador de
estado – chefe da política estadual - que detém amplos poderes e era eleito
pelos partidos únicos estaduais, e ao seu redor se arregimentavam as
oligarquias locais, sendo os coronéis seus principais representantes. Já a
decadência econômica dos fazendeiros acarretava o enfraquecimento do poder
político dos coronéis, passando a exigir a presença do estado, que expandia a
sua influência e diminuía a dos donos de terra.
Desta forma, o coronelismo é um
sistema político nacional baseado na relação entre o governo e os coronéis: o
poder dos coronéis – controle dos cargos públicos - é garantido pelo governo
estadual, e os coronéis dão seu apoio ao governo na maioria das vezes em forma
de voto.
Já comparando o coronelismo ao
mandonismo, o cientista político José Murilo de Carvalho acredita que este último
não é um sistema, e sim uma característica da política tradicional, existindo
desde a colonização do Brasil e sobrevivendo até os dias de hoje. No entanto, a
tendência é que o mandonismo desapareça à medida que os direitos civis e políticos
alcancem todos os cidadãos (CARVALHO, 1997).
O coronelismo
seria um momento particular do mandonismo, em que os mandões começam a perder
força e tem de recorrer ao governo.
O conceito de clientelismo também é
recorrentemente confundido com o de coronelismo, no entanto este primeiro é um
fenômeno muito mais amplo. “O clientelismo indica um tipo de relação entre
atores políticos que envolve concessões de benefícios públicos, na forma de
empregos, benefícios fiscais, isenções em troca de apoio político, sobretudo na
forma de voto” (CARVALHO, 1997).
Ao contrário do coronelismo, que
teve data determinada – 1889 até 1937, quando foram derrubados os grandes
caudilhos gaúchos, no Estado Novo – para acabar, e o mandonismo, que tende a
decrescer, o clientelismo perpassa toda a história política do país. Além
disso, segundo José Murilo de Carvalho, é possível que o clientelismo tenha se
ampliado com o fim do coronelismo e aumentado com o decréscimo do mandonismo.
Padre Cícero
O fanatismo religioso, como o cangaceirismo, perdurou por décadas nos
sertões, sobretudo no nordeste, e atingiu a sua fase mais aguda entre o fim do
século XIX e o inicio do século XX. O
Cangaço, como forma primária de luta provocada, em parte, pelos desajustes sociais
nascidos do monopólio da terra, cujas origens remontam aos tempos coloniais,
com a divisão do Brasil em capitanias hereditárias e a subsequente concessão
das sesmarias, as quais deram origem aos latifúndios.
Desse modo, o fanatismo religioso surge como uma procura do sobrenatural
para a solução de todos os males e dramas da sociedade.
Episódios como os de
Canudos, Caldeirão, Contestado, Pau de Colher, Pedra Bonita e Juazeiro foram as
chagas maiores, superações de um organismo social doente. O mal vem de longe.
Vem do abandono de toda uma legião de párias, de injustiçados pelas condições
de vida do campo. Se o cangaceirismo foi uma maneira inconseqüente de protesto
contra alguma coisa que estava errada, o fanatismo ainda é uma escapatória aos
padecimentos crônicos (CARNEIRO, 2007, p.9-10).
Mas, embora sendo movimentos que tenham em comum a luta contra a
exploração do homem pelo homem, existem algumas particularidades em cada um
desses movimentos, como por exemplo, os “fanáticos” de Canudos eram,
religiosamente, os mesmos fanatismos de Juazeiro. Entretanto, o comportamento
foi oposto, existia uma distância muito grande entre as figuras de Antônio
Conselheiro e Padre Cícero. Antônio Conselheiro era o “espelho” do seu próprio
povo, humilde e desvalido como os que estavam com ele. Antônio Conselheiro foi
um mal que precisava ser destruído, segundo a opinião dos governantes da época.
Padre Cícero foi um “mal” bem útil para os senhores de terra. Ao governo
interessou acabar com Canudos. Enquanto que, a antiga política utilizou-se do
de Juazeiro, deu-lhe força, incentivo. Antônio Conselheiro representava a
figura do inconformado, um revoltado em potencial; padre Cícero, um
representante do conformismo, facilmente manobrável e até mesmo útil e
necessário.
Padre Cícero Romão Batista nasceu no dia vinte e quatro de março de 1844,
na vila do Crato, Ceará. Filho de Joaquim Romão Batista e de Joaquina Vicência
Romana. O Pai comerciante tentou de várias formas encaminhar o filho para os
negócios da família. Mas Cícero desde cedo mostrava interesses pela vida religiosa.
Então, sei pai resolveu não contrariá-lo, e Cícero seguiu sua vocação.
Ele fez seus estudos primários na vila onde nasceu, depois transferiu-se
para o colégio do Padre Rolim, em Cajaseiras, na Paraíba. Aos vinte e dois anos
de idade, transferiu-se para o seminário maior e ordenou-se padre no dia trinta
de novembro de 1870.
Segundo o escritor Caio Porfírio, durante o período de seminário, Cícero
Romão não foi um aluno brilhante, passou despercebido, mas já apresentava um
exagerado fervor religioso, que chamava a atenção de todos, ao ponto do reitor
Padre Chevalier, não ver com bons olhos a sua ordenação.
Quando, ordenado, vai para as vilas de Trairi e São Pedro no Ceará.
Posteriormente, quis retornar à sua terra natal. Locomovia-se de um lugar para
outro, fazia visitas aos doentes, consultava remédio aos necessitados, intervia
em casos jurídicos e conselhos espirituais.
Mas um acontecimento extraordinário aos olhos dos religiosos mudará a
trajetória do Padre Cícero. O caso aconteceu no dia seis de março de 1889. A
beata Maria Araujo, ao comungar na missa Celebrada pelo Padre Cícero, sentiu a
boca cheia de Sangue. A notícia correu como um rastilho. Sempre que a beata
recebia a hóstia das mãos do Padre, as Romarias a juazeiro partiam em levas
para vê o fenômeno. Vinham dos mais distantes lugares, de Alagoas, Sergipe,
Pernambuco (CARNEIRO, 2007).
A beata era uma mestiça de 29 anos, com cabelos
carapinha, que usa cortado baixinho, de estatura média, um pouco delgada e tem
cabeça pequena e arredondada, olhos escuros, quase negros e suaves na
expressão, lábios um pouco grossos, nariz pequeno, faces um pouco salientes,
queixo curto e pescoço bem proporcionado. Veste Roupa preta, conservando a
cabeça coberta, com o aspecto fisionômico e geral de uma pessoa simples (MOREL,
1966, p.6)
Diante das controversas do Milagre, o Clero envia dois médicos a Juazeiro
para examinarem de perto o caso, depois de analisarem confirma a existência do
milagre. Porém a Igreja não aceita o laudo do doutor Marcos Rodrigues Madeira, e
envia outro médio a região, o doutor Ildefonso Correa Lima, que também confirma
a existência do milagre. Inconformado, o Clero envia a Fortaleza o doutor Júlio
César da Fonseca que discorda dos outros dois diagnósticos: “o fenômeno que
produz na dita beata não é novo, nem surpreendente, É tão natural como qualquer
dos que a cada momento, caem no domínio dos nossos sentidos.” (CARNEIRO, 2007,
p.22).
Diante das controversas vem a punição. Para a Igreja, o milagre era a
negação da eucaristia. Dom Joaquim José Vieira, depois de ouvir a comissão que
o mesmo nomeou para estuda o caso, nega a ocorrência do milagre. Diante da
situação D. Joaquim ordena a Padre Cícero que se retrate do púlpito. O Padre
sente-se perseguido, porém permanece no Juazeiro até Roma julgar o seu caso. No
dia quatro de abril a Santa Sé dá ganho de causa a D. Joaquim, e padre Cícero
Romão deixa Juazeiro, sob pena de excomunhão.
No exílio Cícero Romão Batista vai para Salgueiro, Pernambuco, onde
exerce durante algum tempo sua função de clérigo de aldeia. A vigilância sobre
ele continua intensa. Levantam-se suspeitas de uma possível ligação entre
Cícero e Antonio Conselheiro, mas logo as suspeitas têm fim.
Em 1897 Cícero Romão volta a Juazeiro, onde procura a ajuda de amigos com
intuito de arrecadar recursos para ir a Roma. Em Roma, passa alguns meses para
ser recebido pelo papa Leão XIII que lhe absolve no Supremo tribunal.
Ao retornar a Juazeiro Cícero Romão percebe que seus milagres já são
coisas do passado, pois poucos eram os que se lembravam do ocorrido. O seu
prestigio de “santo” e “protetor das almas” havia passado.
O Pacto com os Coronéis
Cícero Romão entra na política por incentivo de Floro Bartolomeu, médico
desconhecido até então, vindo da Bahia, fazendo em pouco tempo amizade com o
padre. Em 1911 Cícero promove uma reunião com os coronéis do Cariri, visando
“pacificar” a região. Ele propõe aos coronéis um “pacto de paz”, pretendendo
com isso por fim as contendas políticas, que ocasionavam lutas pelo poder e
consequentemente mortes. “Uma fantasia de tal o “pacto de paz”, porquanto todos
os caciques reunidos em “assembléias” eram mandantes de muitos crimes e
lideravam grupos de jagunços, que se refugiavam em seus feudos. O “pacto”
ficaria como ficou, no papel “(CARNEIO, 2007, p.28).
A unidade do coronelismo girava em torno Antônio Pinto Nogueira Acioli,
que governou o estado, como mãos de ferro, durante muitos anos. Acioli era de
uma família numerosa, em que todos exerciam algum cargo de destaque. O aciolismo, como ficou conhecido o seu
governo, mandou e desmandou durante este período. A população de Fortaleza não suportando mais
os seus desmandos, fez uma “revolução popular”, que tomou conta da capital e
Acioli muda-se para sul com a sua família. Com a saída de Acioli no poder,
assume o cargo o Coronel Franco Rabelo, que adotou medidas rígidas para
reorganizar administrativamente o estado.
A primeira medida de Acioli foi acabar com o banditismo que “infestava”
o interior, enfrentar os “coronéis” que sempre foram o esteio da velha oligarquia.
Estes cercados de jagunços, fizeram de tudo para depor Franco Rabelo.
Sedição
de Juazeiro – A Revolta
Antes
de analisar como se deu a Sedição de Juazeiro, é necessário localizar
geograficamente a cidade de Juazeiro, encravada na região do Cariri, bem como
mostrar que a mesma tinha viés propício a posturas revolucionárias.
Localizada
no extremo sul do Ceará, o Cariri encontra-se entre os Estados de Pernambuco,
Paraíba, Rio Grande do Norte e até mesmo o Piauí.
Esta
região possuía o desejo de se tornar uma província independente, isto pelo fato
de ter uma boa posição geográfica e uma economia relativamente desenvolvida,
porém sem uma contrapartida do estado. Toda região do cariri possuía uma forte
ligação com Pernambuco e participação em movimentos revolucionários, como na
Revolução de 1817 e na Confederação do Equador. Essa participação do Cariri
nesses movimentos se deveu ao adensamento de imigrantes na região, a relação
com Pernambuco cujos movimentos refletiam na região, progresso econômico do Cariri,
e influências de padres católicos imbuídos das ideias da Revolução Francesa.
A vida
econômica do Cariri girava em torno da terra (latifúndio) e do gado. Os grandes
proprietários de terra dominavam soberanos, até o começo do século XX onde
foram depostos a bala, no sul do Ceará, os coronéis – chefes políticos. Além
disso, as secas periódicas agravavam ainda mais a situação.
Outro
fator relevante em consideração ao Cariri é o de ter sido transformado em
refúgio mais seguro dos perseguidos pelas autoridades, pois devido às estreitas
comunicações com a sede do governo, dificultava o contato.
Para o
historiador Rui Facó, em seu livro Cangaceiros
e Fanáticos, o atraso intelectual em que viviam as populações sertanejas
era decorrente da estagnação econômica e cultural oferecia campo favorável ao
misticismo e ao fanatismo religioso. Crenças de caráter primitivo eram as
“únicas compatíveis com o meio social e grau de cultura dos sertões” (FACÓ,
1983).
É
necessário, ainda, pontuar alguns fatores que explicam o surgimento de
fenômenos como o de Juazeiro: o regime de propriedade da terra (latifúndio com
relações de produção pré-capitalista) que se manifesta mais intensamente em
regiões de isolamento em relação às cidades, atraso cultural, maior influência
do clero – alucinando as massas.
Dito
de maneira genérica como o Cariri estava situado dentro do contexto geopolítico
da época, podemos falar do movimento de Sedição e como seus atores se portaram,
nesta que foi uma revolta da qual era parte de uma estrutura mais ampla de
implicações geradas pela nova política nacional.
Para o
destrinchamento da revolta, é necessário analisar comparativamente o que
acontecia em Juazeiro e o que estava acontecendo no plano nacional. Em Juazeiro
temos a figura de dois personagens é muito importante para compreender a
Sedição de Juazeiro: Padre Cícero e Floro Bartolomeu.
Floro
chegou ao Juazeiro vindo do interior da Bahia, seu Estado de origem, em 1908.
Formara-se em Medicina em Salvador e clinicara durante algum tempo nos sertões
de sua terra. Se já conhecia de perto o espírito da gente sertaneja. Chegou ao
Cariri, atraído pelas notícias de uma mina de cobre da área do Coxa, no
município de Aurora. A mina havia sido adquirida então pelo Padre Cícero Romão
Batista, mas sua posse era litigiosa. Floro não teve dúvida e entrou logo em
contato padre Cícero, conseguindo em pouco tempo se tornar homem da máxima
confiança e da intimidade do Padre, servindo-o como médico particular. Floro
ganhou ainda mais prestigio com o sacerdote depois que cuidou da questão das
minas do Coxa por conta própria, e independente da justiça. Juntou um grupo de
capangas, recrutados na própria cidade de juazeiro e os armou.
Após
repelir todos os seus opositores a base de bala e fazer a demarcação da jazida
o nome de Floro Bartolomeu projetou-se rapidamente por todo o vale do Cariri e
passou a ser respeitado não apenas por ter-se tornado um homem de confiança
direta do Padre Cícero, mas por sua coragem pessoal, sua decisão de enfrentar
inimigos numa luta armada com poderosos locais, se revelando um verdadeiro
chefe.
Em
contrapartida no cenário nacional iremos ter a chamada política das salvações.
Esta foi à política introduzida por Hermes da Fonseca, então presidente da
República. Que culminou com a derrubada das oligarquias situacionistas e na
ascensão de grupos de oposição. Estes movimentos se estenderam por vários
estados do país, principalmente os do Nordeste e Norte, entre 1910 e 1912,
período que se realizaram as eleições em vários estados.
Em
resumo a política das salvações buscava tirar antigas oligarquias do poder,
substituindo-as por candidatos do atual presidente. No entanto essa rivalidade
se dava apenas no campo das disputas políticas, pois entres os partidos não
existia nenhuma divergência ideológica, muito menos no que diz respeito a
programas políticos ou sociais.
No
Ceará o governador Antônio Pinto Nogueira Accioli foi deposto, em janeiro de
1912, com o apoio do Exército. Em abril houve a aliança entre o povo e
militares lançando a candidatura do coronel Franco Rabelo, que governaria o
Estado.
O
conflito envolveu, de um lado, o novo governador eleito, Franco Rabelo e as
tropas legalistas, e de outro as tropas de jagunços comandadas por Floro
Bartolomeu, apoiadas pelo padre Cícero e pelos coronéis da região do Cariri,
contando ainda com o apoio do senador Pinheiro Machado (RS), desde a capital. O
movimento armado iniciou-se em 9 de dezembro de 1913, quando os jagunços
invadiram o quartel da força pública e tomaram as armas. Nos dias que se
seguiram à população da cidade organizou-se e armou-se, construindo uma grande
vala ao redor da cidade, como forma de evitar uma possível invasão.
A
reação do governo federal demorou alguns dias, com o deslocamento de tropas da
capital, que se somariam aos soldados legalistas no Crato. Apesar de estarem em
maior número e melhor armados, não conheciam a região e nem as posições dos
jagunços e por isso a primeira investida em direção a Juazeiro foi um grande
fracasso, responsável por abater os ânimos dos soldados.
Quando
os soldados de Franco Rabelo chegaram a Juazeiro do Norte se depararam com uma
situação inusitada: Em apenas uma semana, os romeiros cavaram um valado de nove
quilômetros de extensão cercando toda a cidade e ergueram uma muralha de pedra
na colina do Horto. A fortificação recebeu o nome de "Círculo da Mãe de
Deus". O batalhão ao ver que seria impossível romper o círculo, recuou e
pediu reforços.
Os
reforços demoraram a chegar e as condições do tempo dificultaram as ações para
um segundo ataque, realizado somente em 22 de janeiro e que não teve melhor
sorte do que o anterior. Com novo fracasso, parte das tropas se retirou da
região, possibilitando que os jagunços e romeiros invadissem e saqueassem as
cidades da região, a começar pelo Crato, completamente desguarnecida. Os saques
tinham por objetivo obter armas e alimentos e foram caracterizados por grande
violência. A última investida legalista ocorreu em fevereiro sob o comando de
José da Penha, que acabou morto em combate.
Após
expulsar os invasores, Floro Bartolomeu parte para o Rio de Janeiro a fim de
conseguir aliados. Os revoltosos seguem para Fortaleza com o objetivo de
derrubar o governador. Na capital federal, Floro consegue o apoio do senador
Pinheiro Machado. Enquanto isso as forças juazeirenses chegam a Fortaleza e
pelo mar uma esquadrilha da Marinha enviada pelo senador impôs um bloqueio
marítimo na orla de fortaleza. Cercado, Franco Rabelo não teve como reagir e
foi deposto.
Hermes
da Fonseca nomeou interinamente Fernando Setembrino de Carvalho, enquanto novas
eleições foram convocadas. Com as novas eleições Benjamin Liberato Barroso foi
eleito governador e Padre Cícero volta a ser vice novamente.
Messianismo no Juazeiro e o Beato José
Lourenço
Os movimentos messiânicos são usualmente derivados da insatisfação social
de alguns grupos que, excluídos sociais, econômica e politicamente, buscam a
realização de ideais utópicos para suprimir a realidade desfavorável. A
insatisfação social dá lugar à movimentação libertadora de caráter religioso,
que visa à realização de um paraíso na Terra. Sobre o conceito de Messianismo,
nos diz Maria Isaura:
A crença na vinda de um enviado divino, que trará aos homens justiça, paz e condições felizes de existência; 2) a ação de um grupo obedecendo às ordens do líder sagrado, que vem instalar na terra o reino da sonhada felicidade. A crença nasce do descontentamento, cada vez mais profundo, de certas coletividades, diante de desgraças ou de injustiças sociais que as acabrunham; afirma formalmente a esperança numa transformação positiva das condições penosas de existência a se produzir (QUEIROZ, 1977, p.383).
O caso do Juazeiro não foi diferente e teve no beato José Lourenço seu
grande personagem.
José Lourenço Gomes da Silva, que ficaria conhecido como o Beato Zé Lourenço,
nasceu em 1872 e, pelo pouco que se sabe sobre sua vida, trabalhou por
muito tempo para latifundiários. Mas sua admiração e devoção por Padre Cícero o
fizeram mudar-se para Juazeiro para ajudá-lo.
Ao se tornar beato e discípulo do Padre Cícero, José Lourenço muda também
sua forma de viver, dedicando-se a partir de então muito mais aos ideais de
caridade e piedade que aos próprios interesses. Decidiu por ocultar-se e se
purificar, seguindo conselhos de seu mentor. Mas em 1895 retorna, não é claro
se por vontade própria ou por aconselhamento do Padre Cícero, para Juazeiro,
após encerrar as penitências. Mas, tendo sido criado em ambiente rural em meio
a fazendas e tratando da terra e do gado, nem José Lourenço nem sua família se
acostumaram à vida urbana de Juazeiro, tendo então se dirigido ao sítio Baixa
D’Antas, próximo ao Crato, cidade vizinha a Juazeiro. Já instalado no sítio,
sua missão passou então a ser a de ajudar desvalidos e vítimas de perseguições
enviados pelo Padre Cícero.
Durante o período em que esteve no Baixa D’Antas, José Lourenço foi
envolvido numa polêmica devido a um boi que recebeu como doação feita pelo
industrial pernambucano Delmiro Gouveia. O boi, conhecido como “Mansinho” por
seu temperamento tranquilo, aos poucos conquistou dentro da comunidade a fama
de milagreiro passando a ser venerado. Relatos mais conhecidos sobre as
façanhas do boi falam de doenças que eram curadas através da ingestão de sua
urina e mesmo de suas fezes, e, em um relato mais espirituoso, há a menção das
virtudes do boi, que, certa vez, rejeitou o capim de um jovem que o havia
oferecido como pagamento de uma promessa feita para conquistar uma garota, ao
saber que o capim houvera sido roubado (MEDEIROS, 2012).
Mas a fama divinizada adquirida pelo
boi acabou tomando proporções grandes demais, e seu resultado tornou-se
incômodo para José Lourenço, mesmo que este pouco tivesse a ver com a adoração
que havia sido criada em torno do animal. Visando não manchar a imagem do Padre
Cícero, que àquela altura já não era mais pároco local, Floro Bartolomeu tentou
desfazer a mitologia que havia sido criada em torno do boi, reprimindo as
pessoas que o adoravam, ordenando a morte do animal e a prisão do beato por
duas semanas.
Depois de libertado, graças à
interferência do Padre Cícero no caso, José Lourenço estava humilhado e
mal-visto como subversivo, e buscando se livrar dele de uma vez, o sítio foi
vendido e ele teve de buscar nova morada, tendo então se mudado para um local
cedido pelo Padre Cícero, o sítio Caldeirão, ou Caldeirão dos Jesuítas, mas que
ficou popularizado com o nome de Caldeirão de Santa Cruz do Deserto.
A vida no Caldeirão era atraente pelo caráter próspero da comunidade. Com
a morte de Floro Bartolomeu e o apoio quase incondicional do Padre, o Caldeirão
floresceu e tornou-se rapidamente relevante para seus membros. Nesse ínterim, o
beato José Lourenço se destacou por seu caráter empreendedor e de liderança,
ainda que seu espírito fosse apaziguador e seus desejos passassem ao largo dos
interesses próprios. De fato, o maior desejo dos membros da comunidade era
viver do próprio trabalho e devoção, muito mais que buscar a realização de uma
versão terrestre do Paraíso. A prosperidade e o nível da autogestão eram
grandes, de forma que só utilizavam dinheiro para comprar remédios e querosene,
pois o resto era conseguido entre si na comunidade, através de um sistema de
distribuição. “Com isso podemos inferir que, de uma certa forma, o Caldeirão
significa(va) um movimento social de contestação pacífica à situação dos
sem-terra. [...] Era o trabalhador provando que era possível viver bem do seu
próprio trabalho” (RAMOS, 1991).
Com a morte do Padre Cícero, em 1934, José Lourenço assume, ainda que
involuntariamente, sua sucessão como figura de liderança. Mas com muita gente a
chegar, o arraial despertou a ira das elites; o poder político, sustentado por
coronéis, a Igreja Católica e o Estado. Existia a paranóia de um novo Canudos.
Por parte da Igreja, havia também forte interesse pelo ideal de Romanização,
desde o Concílio Vaticano I, ocorrido entre 1869 e 1870. Segundo Farias (2000),
associados ao temor do comunismo enquadraram e prenderam como bolchevique o
pregador Severino Tavares, acusado de ter participado da fracassada Intentona
Comunista em Natal, em 1935, e de ser um “agente de Moscou” infiltrado entre os
camponeses do Caldeirão.
Além do terror vermelho, fez-se propaganda do terrorismo moral. A Igreja
e as autoridades do Ceará e de Pernambuco espalhavam entre os católicos boatos
sobre o comportamento desregrado do beato. Dizia-se que Lourenço possuía um
harém, com muitas beatas ao seu inteiro dispor sexual. As narrativas davam
conta de uma versão sertaneja de Sodoma e Gomorra. Devido ao voto de castidade,
o padrinho José, como era tratado pelos romeiros, sequer havia casado, além do
fato de, à época, já contar mais de sessenta anos de vida.
Mesmo nesse clima de forte tensão, a figura de José Lourenço ganhava
ainda mais brilho, em decorrência das novas romarias que se dirigiam ao
Caldeirão depois da morte de Padre Cícero. E, mais uma vez, as elites se
sentiram incomodadas com o prestígio que a comunidade alcançava.
A comunidade do Caldeirão e José Lourenço sofreram um duro golpe após a
morte de Padre Cícero, uma vez que ele havia deixado as terras da comunidade
para os Salesianos, possivelmente na esperança de que estes mantivessem José
Lourenço no seu controle. Mas não foi o que ocorreu, e, alicerçados na
propaganda negativa da comunidade, se formou uma comoção que visava à expulsão
dos camponeses, vistos como uma ameaça comunista, da área.
Com a ajuda da Diocese do Crato e dos coronéis, que se queixavam de
perder a mão de obra escrava para o sítio de José Lourenço, os Salesianos
recorreram ao governador Menezes Pimentel. Espionado pela Polícia Militar
cearense, comandada pelo capitão do Exército Cordeiro Neto, o beato recebeu com
banquetes o capitão José Bezerra, escalado pela PM para o serviço de espionagem
da comunidade. Bezerra chegara ao sítio em meados de 1936, travestido de
empresário desejoso de explorar a oiticica, uma das árvores brasileiras mais
ricas em óleo, da região. O resultado desta visita foi à entrega ao comando da
polícia, de um relatório que desenhava o Caldeirão como um misto de inferno e
sucursal de Moscou, o que representou o ato final de legitimação da invasão por
parte das tropas oficiais.
Após a invasão, o beato José Lourenço consegue escapar e refugia-se em
Exu, onde construiu mais uma pequena comunidade, e aonde veio a morrer em 1946,
vitimado pela gota.
A Guerra e a Destruição do Caldeirão
A guerra contra o Caldeirão foi promovida pela força
policial, a partir de reunião provocada pelo Governo do Estado do Ceará,
contando com o apoio da Igreja e de latifundiários, ambos com motivos próprios
para isso. Os últimos devido à perda crescente de mão-de-obra barata. A igreja
pela afronta ao processo de romanização, que estabelecia o fortalecimento da
hierarquia no funcionamento da estrutura clerical. Afronta, porque o
catolicismo popular incluía elementos que o distanciava das práticas impostas
pela hierarquia dominante, ousando romper com as estruturas de subordinação em
vigor. As autoridades no âmbito nacional temiam por sua vez, que aquela
aglomeração representasse uma nova célula de comunista, também, que aquele
movimento crescesse a ponto de se tornar uma “Nova Canudos”, argumento que
seria usado como justificativa para a perseguição. Se fez, ainda, propaganda do
terrorismo moral. A Igreja e as autoridades do Ceará e de Pernambuco espalhavam
entre os católicos boatos sobre o comportamento desregrado do beato, que,
diziam, possuía um harém, com muitas beatas ao seu inteiro dispor sexual.O
início do conflito se deu com a morte do padre Cícero, que em testamento doou o
sítio do Caldeirão a ordem dos padres Salesianos do Crato:
Tudo indica que o padre Cícero tinha confiança no
espírito de caridade cristã dos Salesianos. Mas essa previsão estava
equivocada: em 1936, os padres salesianos começaram a reprimir o “fanatismo de
Juazeiro” e deram amplo incentivo para a operação militar que expulsou os
camponeses do Caldeirão. (RAMOS, 2000:
375)
O ataque inicial ao Caldeirão ocorreu no
dia 11 de setembro de 1936, quando os moradores foram expulsos e tiveram suas
casas queimadas, além de bens confiscados em favor do município do Crato. Os
remanescentes, incluindo o próprio Beato José Lourenço, passaram algum tempo
vivendo nas matas da Chapada do Araripe. Boatos de que um grupo de
ex-integrantes do Caldeirão, liderados por Antonio Tavares invadiriam o Crato,
mobilizou novamente as forças policiais, chefiadas pelo capitão José Gonçalves
Bezerra. O conflito daí resultante acabou com quatro mortes do lado do governo,
incluindo o capitão e cinco do outro lado entre elas do líder Tavares e o Beato
Severino. Foi o estopim para uma nova ação, dessa vez maior ainda:
Após a divulgação daquele conflito, fortes
contingentes militares partiram de Fortaleza à caça dos remanescentes do
Caldeirão, determinados a vingar a morte do capitão Bezerra. O ministro da
Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, colocou a força federal à disposição do governo
cearense e autorizou o vôo de três aparelhos do Destacamento de Aviação. (…)
Dos aviões, as metralhadoras dispararam, enquanto 200 patrulheiros vasculhavam
a chapada do Araripe para concluir a missão. Naquele 11 de maio de 1937, cerca
de 700 lavradores foram massacrados. Nenhum soldado morreu. Mesmo depois da
“grande investida” militar, policiais continuaram a perseguir, prender,
torturar e matar pessoas que se vestissem de preto e portassem rosário - as
características dos seguidores do beato. (ARAÚJO,
2006: 07)
Posterior a esse embate foi iniciado uma
vultuosa campanha na imprensa cearense, onde a figura de José Lourenço era
delineada como uma ameaça pública à sociedade, representada, logicamente, pelas
elites locais.
A imprensa, por conveniência, construía e
disseminava uma imagem negativa do Beato José Lourenço e de suas comunidades,
visando legitimar a barbárie perpetrada pelas ações do Governo do Estado e da
sua força policial. Destruiu-se moralmente para legitimar a destruição física.
José Lourenço ainda tentou reconstruir sua comunidade cristã, mas sempre sob o
olhar e repressão dos aparelhos do Estado. Sua morte em 12 de fevereiro de 1946
encerrou as movimentações desse porte, quase relegando as experiências e
resultados obtidos ao silêncio, e esquecimento social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi exposto e com a ajuda das bibliografias pesquisadas,
podemos tecer algumas considerações finais acerca do tema trabalhado,
especialmente no que tange às características de Padre Ciço, o Padim Ciço do
Juazeiro, crença tão forte que perdura até os dias de hoje naquela região.
Diante do conceito de coronelismo defendido por Victor Nunes Leal e José
Murilo de Carvalho, o coronelismo não se refere ao consenso comum, de que o
coronel é um proprietário de terras, isolado em sua fazenda. No caso do Padre
Cícero, percebemos claramente suas características que o tornam um verdadeiro
coronel, como o poder de persuasão, forte força política e social, capaz de
interferir na vida pública e no rumo que tomará a própria Sedição de Juazeiro.
Além disso, a crença da população pobre do Cariri de que o Padre Cícero
era um santo, capaz de realizar milagres, também é equivocada. Sabemos, através
de documentação historiográfica, de que a popularidade de Cícero se expandiu
devido a este personagem não cobrar dinheiro por seus serviços religiosos e
manifestações “místicas”. Grande parte de seus conselhos referiam-se a questões
de higiene e saúde, e visto que a população dessa região era pobre e nunca
tinham conhecido um médico ou procurado uma farmácia, encontravam nos conselhos
do padre os ensinamentos para curas que realmente se efetivavam.
No que tange ao boi “mansinho” que pertencia ao beato José Lourenço,
também possamos tecer algumas considerações. O boi que, por possuir um
temperamento calmo, foi logo visto pela população como capaz de fazer milagres.
Entre as façanhas do boi pode-se citar como dito anteriormente, a cura de
doenças através da ingestão de sua urina e fezes. Essa característica
messiânica própria da região, era devida ao atraso intelectual da população,
que não recebia – até o “milagre” da hóstia, de Padre Cícero – maiores atenções
do governo brasileiro, e por conta de sua posição geográfica isolada. Além
disso, era comum que essa população fosse persuadida pelo clero a acreditar em
crenças e mitos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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da comunidade camponesa igualitária
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(Acessado em 08 de outubro de 2012, às 14h40).
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Rocha. 2000.
TEÓFILO, Rodolfo. A sedição de Juazeiro.
São Paulo: Monteiro Lobato, 1922.
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