Paulo Luiz de Mendonça*
José Murilo de Carvalho, um dos
historiadores brasileiros mais visitados, através da obra Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi, em
um misto de respostas, questionamentos e lacunas, procura analisar o papel
popular em diversos níveis no início da República brasileira. Ao longo do texto, o povo, que, segundo
Aristides Lobo, assistira a tudo bestializado[i] é mostrado por Carvalho em alguns
momentos como não sendo tão bestializado assim.
Interesses dos mais variados, são apresentados pelo autor em diversos
exemplos. Afirmações do tipo “O Brasil não tem
povo”[ii], de Couty, ou a do embaixador português antes do
advento da República, quando afirmou que
“Está a cidade do Rio de Janeiro cheia de gatunos e malfeitores de todas as espécies”[iii] podem ser
atribuídas a um olhar estrangeiro equivocado e preconceituoso sobre o país,
porém devemos analisar mais detidamente tais afirmações pois “É preciso que nos perguntemos pelo sentido
de suas palavras, pela realidade que lhes possa ter servido de referência.”[iv]
Durante as aulas da disciplina História do Brasil 7, houve certa polêmica sobre os diversos papéis
do povo na República brasileira, e das possíveis interpretações que foram
dadas, e as que deixaram de ser, por Carvalho. Tentarei contextualizar essas diferentes
visões sobre a obra e a minha visão atual sobre as condições de diversas camadas
de população em nosso país.
Em História, conforme já nos foi
repassado ao longo do curso, não existem explicações simples. A simplificação de um processo histórico
frequentemente pode desembocar em visões maniqueístas ou de vitimização. José Murilo de Carvalho busca em sua obra
questionar o “problema do relacionamento
entre o cidadão e o Estado, o cidadão e o
sistema político, o cidadão e a própria atividade política.”[v] pois “é mais fecundo ver as relações entre o cidadão e o Estado como uma via
de mão dupla, embora não necessariamente
equilibrada.”[vi]
No primeiro capítulo (O Rio de Janeiro e a República), o autor mostra o contexto vivido pela cidade do Rio de Janeiro nos primeiros anos da República brasileira. Mostra as alterações quantitativas ocorridas na cidade, como sinais das mudanças que estavam ocorrendo. Crescimento populacional, com um grande incremento de imigrantes e migrantes; acúmulo de pessoas em ocupações mal remuneradas ou sem ocupação fixa; acúmulo de classes de pessoas “perigosas ou potencialmente perigosas”; problemas de habitação; de abastecimento de água; de saneamento e de higiene; violentos surtos epidemiológicos, notadamente em 1891 (varíola, febre amarela, malária e tuberculose); altas taxas de mortalidade, são alguns dos grandes problemas mostrados pelo autor. A abolição da escravidão, segundo o autor, foi responsável por outro grande conjunto de problemas (econômicos) que atingiram a jovem República. Emissão excessiva de moeda, especulação, aumento de preços, da inflação, do custo vida e da imigração formavam um contexto onde se “acirrava a luta pelos escassos empregos disponíveis.”[vii] O movimento jacobino, resultante dessa conjuntura, iria perdurar na maior parte da primeira década republicana. Politicamente, o autor caracteriza o Rio de Janeiro como a cidade que catalisou as atenções do país pelo fato da implantação do novo regime ter sido desenrolado totalmente na capital; como a cidade onde os militares, em lutas intestinas pelo poder, queriam ocupar os espaços que lhes tinham sido negados após o primeiro reinado; e onde parte dos operários acreditaram nas promessas do novo regime, desembocando em um contexto onde “Políticos republicanos e monarquistas assinavam manifestos, envolviam-se em conspirações, planejavam golpes.”[viii] O “porre ideológico” dessa jovem República colocava em rota de colisão liberais, positivistas, socialistas, anarquistas e monarquistas. Apesar da confusão ideológica, o autor cita a importância que alguns intelectuais tiveram em relação ao novo regime. José do Patrocínio, Olavo Bilac, Luís Murat e Pardal Mallet representavam uma corrente de pensamento otimista com relação à República. Interesses divergentes entre os intelectuais e o governo resultariam em repressão aos primeiros. O autor também tenta avaliar o impacto da proclamação da República ao nível das mentalidades. A sensação de liberdade por parte das elites, a absorção do espírito do capitalismo desacompanhado da ética protestante, a quebra dos valores antigos, a frouxidão dos costumes, “o engano, a sedução, a exploração, a mutreta, o tribofe,”[ix] não esconderam a repressão governamental desses primeiros tempos. Repressão seletiva, dado os favorecimentos a determinados setores. “O jogo, as apostas foram reprimidos, e tentou-se acabar com o entrudo. Porém a jogatina da bolsa, favorecida pelo governo provisório, tinha dado o tom. Apesar da ação das autoridades, quando havia tal ação, abriram-se cassinos, casas de corrida, frontões, belódromos, que vieram juntar-se ao tradicional jogo do bicho, ou dos bichos, como se dizia na época, e às casas clandestinas de jogo.”[x]
Relações
promíscuas entre agentes do Estado e a contravenção penal, alçada a condição de
crime organizado, representam uma óbvia permanência da primeira República, ou das
“entranhas da República”, utilizando uma expressão de Carvalho. É claro que o Rio de Janeiro, mesmo durante a
República Velha, não pode ser considerado como a totalidade de um país com uma
imensa diversidade cultural, política, econômica, geográfica e histórica como o
Brasil, porém pode representar determinados aspectos que permanecem em nossa
atual cultura política (ou culturas políticas). Por exemplo, eufemismos, utilizados pela
atual presidente da República, como “mal feitos”, referindo-se a corrupção
crônica que assola o país em todos os níveis, ou “faxina”, para indicar supostas ações
anti-corrupção, servem para esconder, de uma massa ou desinteressada por
política ou com algum interesse mesclado com uma sensação de impotência, articulações
feitas por essa mesma presidente para bloquear, por exemplo, a atual CPI da “crista
da onda”, que investiga (?) justamente as relações de agentes públicos com
um... bicheiro ! Bloqueio que já está surtindo efeito com a
blindagem de governadores suspeitos de corrupção e principalmente de uma
empresa (Delta Construções) que “coincidentemente” foi bastante generosa com a
campanha do então candidato Lula à presidência da República em 2002. Ex-presidente Lula que ao invés de terem
investigadas suas ligações com os financiadores de campanha, foi “agraciado” recentemente
com o título de doutor honoris causa por cinco universidades cariocas
que, confundem o fato de que serem instituições públicas com o de serem subservientes
ao poder. Em um país onde o crime de
enriquecimento ilícito não é tipificado em seu Código Penal, a “faxina” tão
preconizada pela presidente Dilma apresenta-se como uma medida inócua e
confiante na falta de capacidade do povo brasileiro em reagir à altura a tais
desmandos. Essas profundas
desigualdades desembocam “...nos
diferentes privilégios que alguns usufruem em detrimento dos outros, como o de
serem mais ricos, mais honrados, mais poderosos que eles, ou mesmo o de se
fazerem obedecer por eles.”[xi]
É claro
que a afirmação “o grosso da população não se interessa por política” ontem e
hoje devem ser devidamente contextualizadas porém seria essa uma visão pura e
simplesmente preconceituosa ? Seria
esse desinteresse provocado apenas pelo fato do povo estar demasiadamente
preocupado com a luta pela sobrevivência e de não “ter tempo” e nem condições
de se organizarem como sociedade civil para chamarem à responsabilidade os seus
líderes políticos ? Seria o
generalizado clima de corrupção, operacionalizado pelo “jeitinho”, tido como
origem apenas as profundas desigualdades existentes no Brasil, pois “...não há no Brasil quem não conheça a malandragem,
que não é só um tipo de ação concreta situada entre a lei e a plena
desonestidade, mas também, e sobretudo, é uma possibilidade de proceder
socialmente, um modo tipicamente brasileiro de cumprir ordens absurdas, uma
forma ou estilo de conciliar ordens impossíveis de serem cumpridas com
situações específicas”[xii] ou também seria “ um modo ambíguo de burlar as leis e as
normas sociais mais gerais.”[xiii] ?
A corrupção no Brasil é objeto de
estudo em diversas áreas. No período
colonial, a venalidade dos cargos administrativos, o nepotismo, o
enriquecimento através da junção do interesse público ao privado, podem serem
interpretados como não tendo a mesma conotação com a corrupção atual, segundo o
estudo das mentalidades e da tentativa de não anacronismo, porém, ao mesmo
tempo são indicativos de práticas que foram aperfeiçoadas com o desenvolvimento
de novas formas de se utilizar as instituições continuadas durante o Império e
a República, se bem que para José Murilo de Carvalho, o Império destoava dos
dois outros períodos históricos por apresentar “...cumprimento das leis, o respeito pelo dinheiro público e a
liberdade de expressão...”[xiv] O professor Severino Vicente, referindo-se à
época colonial, citando o livro de Paulo Cavalcante, Negócios
de Trapaça, afirma que o autor “...nos
conta dos Caminhos descaminhos na
América
Portuguesa na primeira metade
do século XVIII. Ele nos conta como a trapaça, a capacidade de enganar o erário
só é possível com a aceitação dessas ações pelos responsáveis pela coleta e
pela administração da fazenda real. Acabei
de ler o livro neste dia 28 de dezembro, o mesmo dia em que o Supremo Tribunal
concedeu o retorno à liberdade ao dono do Banco de Santos, recentemente
condenado a duas décadas de prisão. É como se estivessêmos fazendo parte do livro de Paulo. O livro é extremamente documentado, e serve
como um pequeno curso sobre o cotidiano das relações entre o fisco e os
cidadãos, especialmente aqueles mais próximos das chaves das burras do Estado,
ali, nos caminhos e descaminhos entre a região das Gerais, o Rio de Janeiro e a
Metrópole. Creio que este livro, a tese de doutorado de Paulo Cavalcante, será
uma leitura obrigatória àqueles que pretendam conhecer os meandros formadores
do Estado brasileiro e de certos hábitos ainda cultivados por certa ¨elite¨ que
desde então tem vivido próxima à rua da moeda.”[xv]
Como registrado no início desse
trabalho, o historiador deve ter cuidado com a análise da atuação popular nos
processos históricos. A despeito de
visões preconceituosas à época, da mesma forma o povo demonstrava sua identidade
de maneiras diversas, também tinha (e ainda tem) sua parcela de
responsabilidade na formação do país. É claro que deve-se levar em consideração
todo um processo de formação das camadas populares, todas as injustiças (“No Brasil, em casos de revoltas populares,
nunca havia processo contra o grosso dos presos.”)[xvi];
a falta de acesso à saúde, à educação, ao transporte público, às mínimas
condições de se viver com dignidade. Como diz o professor Marcus Carvalho, o povo
brasileiro sempre foi “capado e recapado”.
Hoje em dia é muito fácil, por exemplo, criticar o fato de que no
Quilombo dos Palmares havia escravos, sem se levar em consideração que, para a
mentalidade da época, o problema não era ter escravos, mas ser escravo no contexto histórico vigente. É fácil também criticar os “traidores” da
Guerra dos Cabanos, índios e matutos, que participaram da captura de seus
antigos companheiros de luta, os escravos “papa-méis’, e que os mesmos “...interessados nas gratificações delas [das
capturas] participassem com entusiasmo.”[xvii]sem
se levar em consideração suas condições extremas vividas durante anos
escondidos nas matas, numa condição de miséria tal que “Impressionavam a todos o estado de quase nudez em que se achavam os
cabanos, havendo até mulheres que não saíam das matas por não possuírem roupas
que lhes cobrissem o corpo.”[xviii] Parece óbvio que grande parte das atitudes
são condicionamentos históricos da imensa exclusão do povo dos direitos mais
elementares e das exigências, muitas vezes absurdas, por parte dos governantes,
pois, por exemplo, “Como é que se faz diante
de um requerimento que está sempre errado? Ou diante de um prazo que já se
esgotou e conduz a uma multa automática que não foi divulgada de modo
apropriado pela autoridade pública? Ou de uma taxação injusta e abusiva que o
Governo novamente decidiu instituir de modo drástico e sem consulta?”[xix] Porém, em todas as épocas deve-se
verificar o contexto vivido e as ações afirmativas realizadas pelos diferentes
atores sociais, levando-se em consideração suas condições, na dificílima
tentativa de conferir-lhes o exato nível de responsabilidade e de não se ter,
conforme já registrei, leituras simplistas e meniqueístas. Atualmente, acredito, o registro de um
posicionamento meramente passivo, por parte do povo, soa como uma
historiografia um tanto quanto superficial, que pouco contribui para a
construção do conhecimento histórico.
De maneira mais clara, o povo também é corrupto. E o pior, essa corrupção é apropriada de
maneira hábil pelas elites para os seus
interesses. É óbvio que existem níveis de corrupção,
cujo alcance em termos de prejuízo ao país pode ser em maior ou menor grau,
porém, é um ingrediente fortíssimo em nosso “caldo de cultura”. Exemplos vários não faltam.
Vão desde “furar” a fila em uma agência bancária ou em um consultório
médico, passando por dar um “toco” ao guarda de trânsito, “colar” na prova,
copiar e colar trabalhos da internet, até a venda do voto em troca de uma
dentadura, um saco de cimento ou um valor em dinheiro. Recentemente, a prefeita da cidade de
Bezerros, em Pernambuco, resolveu fazer caridade e “doar” aos moradores da
cidade, dinheiro vivo (público).
Afirma o jornalista Valdecarlos Alves que “Desde o ano passado, moradores de Bezerros reservam as quintas-feiras
para ir até a casa da prefeita do município, Bete de Dael (PR), a fim de
receber uma ‘ajudinha de custo’, que varia de R$ 5 a R$ 15, em troca do número
do título de eleitor. A distribuição de dinheiro foi flagrada pela reportagem
da Folha de Pernambuco, na manhã
de ontem. Após receber denúncia anônima de que a gestora estava realizando a
prática, a equipe foi até a rua Sigismundo Gonçalves, em frente à praça dos
Tamarindos, para checar a informação que movimentava a casa rosa (de
propriedade da prefeita). No local,
populares – que preferiram manter a identidade preservada - relataram que,
semanalmente, enfrentam fila em frente à casa de Bete para serem recebidos por ela,
que seria pré-candidata à reeleição.”[xx]
Repito, mesmo
levando-se em consideração todas as condicionantes para que se justifiquem
determinadas condutas por parte do povo, tem-se que avaliar mais detidamente essas condutas. Não é o atual Governo que tem um discurso de
que nos últimos anos milhões de pessoas foram alçadas à classe média no Brasil
? Essa “evolução” econômica não
acompanhou outros aspectos da sociedade ?
O que observo são ações que ajudam a compor uma imagem, para mim, de
decadência da sociedade brasileira e não de evolução. A grande quantidade de pessoas, mesmo de
escalões mais baixos do serviço público, que participam de todo tipo de fraude;
a venda de sentenças por parte de juízes e desembargadores; a utilização dos
carros dos diversos órgãos públicos que servem a interesses que vão desde pegar
os filhos de servidores/gestores públicos na escola até levar a feira da semana
em casa; os interesses conflitantes das classes trabalhadoras, que,
fragmentadas em diversas centrais sindicais, lutam entre si muitas vezes por benesses
do governo (como a CUT), ou, descendo ainda mais à base trabalhadora, a falta
de união e de coesão, como observo em greves da Caixa Econômica Federal, em que
muitos trabalhadores deixam de fazer greve não por motivos de convicção, mas por
motivos bem particulares como o de demonstrar serviço para a gestão da empresa,
enquanto outros colegas estão lutando por melhores condições de trabalho, e
onde um presidente de sindicato tentou sozinho reverter o resultado de uma
votação de uma assembléia de trabalhadores, demonstram que o interesse privado,
em detrimento do público, não se fazem apenas presentes nos altos escalões da
sociedade, mas nos extratos inferiores, mesmo que esses segmentos da sociedade
tenham acesso a uma melhor formação, em um processo de assimilação de poder pelo
(mau) exemplo, em que “pessoas nessa
situação [de ascensão social] aceitam
numa parte de sua consciência as normas e maneiras da classe superior como
compulsórias para si mesmas”[xxi]
são alguns exemplos de que as ações e as reações dos indivíduos tem motivações
variadas e complexas, mesmo levando-se em consideração os diferentes níveis de
influência de cada um (ou de interdependência, segundo Nobert Elias), isso porque a “...definição
antiga de res publica – coisa pública
– ainda está distante da memória e da prática dos brasileiros. A democracia
republicana deve estar atenta a valores como participação popular, atitudes
cívicas e interesses públicos. É preciso
ir além do interesse privado. Buscar
algo em comum é um grande passo para alcançar valores republicanos.”[xxii]
As apropriações
do que é “ser popular” variam de acordo com os interesses dos variados atores
sociais. Para grande
parte dos atuais políticos que estão no poder, como os do PT e de outros
partidos de “esquerda”, o discurso do que é ser popular é, por exemplo, não ser vilipendiado quando
se é um “reeducando” da Funase, mesmo que na prática o que ocorra seja a total
violação dos direitos humanos; é aprovar cotas para negros mesmo que a maioria
dos pobres (pardos, mulatos, morenos, índios e até brancos) fiquem de fora
dessas cotas, porque assim mascara-se o real problema que não é se deve haver ou
não cotas mais sim o acesso a todos a uma educação de qualidade, da educação
infantil até ao ensino superior; é aceitar invasões de prédios públicos, por
parte do MST, mas não promover verdadeiramente a reforma agrária; é dar o
bolsa-voto, quer dizer, bolsa-família, mas sem cobrar a contrapartida da
presença dos filhos do povo nas salas de aula; e é construir uma grande
quantidade de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) mesmo que essas UPAs
prestem um serviço de péssima qualidade com a falta de remédios, esparadrapo e
até médicos. Essa maneira superficial
do que seja a atuação “popular”, sem conseguir penetrar nas estruturas que
mantêm as profundas desigualdades no Brasil, é uma de nossas principais
características. Somente a
herança escravista explicaria essa falta de atuação popular ? Explicaria por exemplo, o fato de
pessoas roubarem bebida de um caminhão tombado enquanto o motorista morre no
meio das ferragens; de caminhoneiros
explorarem sexualmente meninas pelo interior afora do Brasil; de jovens quebrarem
ônibus após um jogo de futebol; de pais torturarem ou matarem seus bebês pelo
fato dos mesmos estarem chorando bastante ou de alunos espancarem ou até balearem professores ? Conforme registrou o professor Severino Vicente,
“Um professor-estagiário, ainda aluno do
curso de História da Universidade Federal de Pernambuco, foi agredido por uma
dezena de alunos no interior da escola onde leciona. A ocorrência tem início
com o fato de o professor estagiário, – que foi meu aluno e, por diversas vezes
foi até à minha sala para discutir como fazer para que os seus alunos gostassem
mais de estudar história – está exercendo a atividade para a qual foi contratado
pela Secretaria de Educação do município, seja dizer, estava em sala de aula.
No corredor, ao lado, vários alunos jogavam futebol e, essa ação de recreio,
fora do tempo e do lugar adequado, impedia o bom andamento da atividade
docente. O professor dirige-se aos alunos e diz que não está correta a ação
deles. A reação foi uma surra que os alunos deram no professor. No dia
seguinte, a professora aposentada, atual secretária de educação do município
vai à escola ouvir os professores que se sentem temerosos de voltar à sala,
pois também podem vir a ser agredidos pelos alunos, uma vez que ficou
comprovada a ausência de segurança para o exercício da atividade profissional.
Os professores escutam da secretária que não deve haver medidas disciplinares contra
os alunos agressores do professor.”[xxiii] Em
um país onde nome de escola muda de acordo com conveniências políticas, não é
de se espantar que um professor apanhe em sala de aula, pois o “elemento
popular” tem que ser valorizado. A União
dos Estudantes Secundaristas – UBES recentemente divulgou uma nota em que manifestou seu “...
repúdio à atitude fascista do governo do Maranhão de mudar o nome do Centro de Ensino Paulo
Freire para Centro de Ensino Roseana Sarney Murad. Além de um repugnante culto à personalidade
a medida afronta a memória de um dos maiores educadores do Brasil e do mundo,
professor Paulo
Freire. A UBES faz
um veemente desagravo ao educador Paulo Freire e a todos que com ele
construíram as bases de uma educação libertadora. A atitude do governo Roseana Sarney Murad
agride Paulo Freire e por extensão a todos e todas que
compartilham de suas idéias.”[xxiv] Mitificações
à parte, fico a pensar o quanto nossa universidade (e outras também) não
estariam distantes do desejo de Paulo Freire (esse sim um exemplo de valorização do elemento popular). Priorização das áreas
consideradas “úteis” dentro da universidade; disputas de poder; falta de coesão e de capacidade de luta dos
docentes; falta de embasamento teórico e falta de comprometimento com o curso e
ligações político-maniqueístas com superfragmentados partidos “de esquerda”,
por parte dos alunos, cujos objetivos são muitas vezes, só o de rasteiro
proselitismo político, formam em minha opinião, um triste quadro atual de nossa
UFPE, distante do modelo de educação como práxis proposto por Paulo
Freire. Repito, em minha opinião, vivemos uma
decadência total do que sejam valores humanos mais elementares, desenvolvidos
principalmente a partir da Revolução Francesa, numa nova configuração política
onde a busca pela “...felicidade de todos
era o objetivo do governo e de que os direitos do povo deveriam ser não somente
accessíveis, mas também operantes.”[xxv]
Em meio a repressão seletiva
republicana, José Murilo de Carvalho registra que a Monarquia tinha grande
popularidade principalmente entre as camadas mais populares, pois associava a figura do imperador à Abolição
ocorrida há apenas um ano e meio antes
da proclamação da República. Não se
via um novo pacto de poder, necessário para o estabelecimento do novo regime,
pois inúmeros problemas como agitações diversas, guerra civil nos Estados do
Sul, crise na economia cafeeira e na administração da dívida externa, agravaram
a instabilidade política do país durante quase dez anos de República. Na verdade havia pactos setoriais e temporários dependendo dos interesses da
ocasião. Agitações militares e
populares muitas vezes tinham interesses comuns, interesses que, segundo o
autor, eram incompatíveis com os do grande comércio e da grande indústria. O governo, buscando enfraquecer
tais agitações procurou enfraquecer a capital fortalecendo os Estados,
pacificando e cooptando suas oligarquias, como bem demonstrou o governo Campos
Sales. A gradativa sobreposição dos
poderes da União sobre os da cidade do Rio de Janeiro, como nos casos da
criação de um Conselho de Intendência no lugar da Câmara de Vereadores, a
nomeação do prefeito pelo Presidente da
República, e o processo eleitoral “...totalmente
falseado pela intimidação, pela violência, e pela fraude,”[xxvi],
teve como consequência uma postura ditatorial positivista baseada na escolha
de pessoas, que apesar de terem perfis
mais técnicos, como os prefeitos nomeados, estavam dissociados da
representatividade dos cidadãos locais, até por serem de outras partes do país,
alheios à vida da cidade. O Código de
Posturas Municipais, de 1890, com suas detalhadas medidas de higiene e outros
controles, a repressão florianista, as dificuldades dos operários em se
organizarem em partidos e participarem do processo eleitoral, o afastamento dos
intelectuais da política, a supressão dos jacobinos, a corrupção da política
municipal, desembocou em um processo onde “O
marginal virava cidadão e o cidadão era marginalizado.”[xxvii] A participação popular passava ao largo das
decisões políticas. As “pequenas
repúblicas” existentes na cidade, como os cortiços, eram destruídos sem que os
seus habitantes fossem integrados à República maior. A influência francesa (belle époque) se fez representar através
das medidas de higiene pública e das grandes reformas urbanísticas. Por outro lado, novas formas de movimentação
popular, conforme registra o autor, foram absorvendo antigas representações. Foi o caso, por exemplo, das festas
portuguesas da Penha, do futebol, da criação do samba, que seriam os elementos
constitutivos de uma primeira identidade coletiva da cidade.
Eu tenho certa dificuldade em
assimilar cultura popular como formadora de uma identidade que não ajude o povo
a refletir sobre sua realidade. Citarei alguns exemplos. Festas católicas são amplamente difundidas
em nosso país, inclusive com ampla cobertura pela mídia. No entanto, não se vê nessas festas, um
caráter reflexivo sobre o significado da própria festa e nem sobre o que ela
pode representar em termos de conscientização. É uma Missa do Vaqueiro que não questiona
a continuidade dos assassinatos no campo; é uma Festa do Morro da Conceição onde
políticos aproveitam para pedir voto; uma Festa da Pitomba onde as principais atrações são as “profanas” em que
grupos de música “brega” fazem apologia a pedofilia e a vulgarização da mulher
e do homem; ou uma Festa das Lavadeiras, que conta com o apoio da Prefeitura do
Recife, para fazer o seu marketing político.
Não que não existiram e nem existam padres ou líderes preocupados com um
trabalho de maior robustez social, e que as festas populares não tenham sua
importância na formação psicológica das pessoas, mas infelizmente, o que
observo, são manifestações desprovidas de maior senso crítico. Da mesma forma o carnaval, que atualmente
converteu-se em um negócio onde os administradores públicos aproveitam para
oferecer ao povo um circo romano adaptado ao gosto brasileiro, e os lucros multiplicam-se
para emissoras de televisão e seus ricos anunciantes. No Rio de Janeiro e em São Paulo, as
prefeituras e seus respectivos governos estaduais são co-patrocinadores, junto com o crime organizado, do carnaval das
escolas de samba, e onde o “elemento popular” muitas vezes passa ao largo da
festa, ficando excluído por falta de condições financeiras em participar da
mesma. “É isso e não
adianta falar de raízes. Uma fantasia de uma ala não sai por menos de dois
salários mínimos. Fora a bateria, as baianas e uma ou outra “ala da comunidade”
a escola de samba cobra para que você tenha o seu minuto de avenida. Os chefes
de alas já estão profissionalizados. Recebem os desenhos dos figurinos e fazem
a arrecadação, que não aparece na contabilidade da ‘firma’.” [xxviii] Em Salvador, o carnaval dos trios
elétricos tornou-se um negócio onde ser popular é ficar de fora desse carnaval,
por não se poder pagar para participar dessa “festa popular”, e estar sujeito
às mais absurdas agressões no espaço conhecido como “pipoca”. Em Recife, o carnaval “multicultural” serve
como propaganda da prefeitura, que em seus exuberantes pólos descentralizados
de carnaval, tem a dupla função de, principalmente em ano eleitoral, fazer a
propaganda do partido que está no poder e, através da cooptação de artistas e
líderes comunitários locais, disseminar essa propaganda após o período de Momo. “O
que me tocou, em especial, foi a participação maciça dos pernambucanos no Galo
da Madrugada, um bloco sem cordões, registrado no Guiness como o maior do
mundo, ao qual se juntaram dois milhões de foliões. Isso significa bem mais do que toda a
população de Recife, que é de 1 milhão 450 mil habitantes (43% dos moradores da
Região Metropolitana). Pelas imagens que vi, em alguns pontos, as pessoas
simplesmente caminhavam. Mas estavam ali, naquele tumulto, com a mesma
disposição dos muçulmanos que vão à Meca nos dias sagrados do Ramadã. Ao contemplar aquela massa apinhada no centro
de Recife, fiz-me uma pergunta despropositada: quantos desses estão
desempregados ou ganhando míseros salários? Quantos brigariam por uma escola
pública de qualidade ou um sistema de saúde decente? Quantos sairiam de casa
para um outro tipo de manifestação, uma passeata de protesto ou simplesmente
reivindicativa?”[xxix]
Com relação ao futebol, o mesmo é
esporte “de massa” no sentido de que o gosto da ampla maioria da população pelo
esporte tirou o sentido elitista do mesmo. Porém, o futebol, assim como o carnaval, foi
realmente apropriado, não pelo povo, mais por uma emissora de televisão que
comprou, a “preço de banana”, os direitos de transmissão dos jogos e promove
uma elitização de apenas doze clubes no país, que detém a imensa maioria dos
recursos do futebol, em detrimento de centenas de outros clubes Brasil afora,
onde muitos já fecharam as suas portas para o povo, amante desse esporte “de
massa”, e onde também a transmissão sistemática dos jogos, associada a
violência das torcidas, contribui para o afastamento do povo dos estádios.
E estádio vazio pode significar tudo, menos que represente o “elemento popular”.
Se todas essas manifestações
“populares”, principalmente aliadas ao péssimo acesso à educação de
qualidade, ao desemprego e à miséria contribuírem para o aprofundamento da
alienação, para o aumento dos índices de criminalidade e consumo de drogas
lícitas ou ilícitas, serão considerados meros e descartáveis detalhes para quem
se apropriou do que seja “popular” no Brasil e se mantêm no poder também por
causa disso.
No segundo capítulo (República e
Cidadanias), o autor procura mostrar que o porre ideológico, descrito no
primeiro capítulo, na verdade, não era tão desorientado assim.
Tinha seus objetivos claros. A
ideologia, dera lugar a um novo espírito onde o que havia agora era “...pão, pão, queijo, queijo. Dinheiro é dinheiro.”[xxx]
Um liberalismo que preservou a concentração de
poder nas mãos das classes dominantes, presente na Lei de Terras de 1850; na Lei
de Sociedades Anônimas de 1881; na criação, utilizando palavras de Karl Marx,
de um excedente de mão-de-obra, após a abolição da escravidão; a baixíssima
representatividade democrática, limitada a participação eleitoral de um por
cento da população alfabetizada, com a exclusão, da sociedade política, dos
pobres, dos analfabetos, dos marginalizados, dos desempregados e de todos
aqueles que não se encaixavam no esquema de preservação do status quo vigente; a lentidão nos avanços dos direitos civis; o
descompasso entre a introdução do federalismo, visando a desconcentração do
exercício do poder, e a falta de expansão da cidadania política, são reflexos
de mudanças mas também de permanências de mentalidades vindas desde o segundo
reinado. As permanências
desiludiram, por exemplo, ideólogos radicais, como Silva Jardim, que logo cedo
percebeu que o novo regime não seria o de seu rousseaunianismo, em que
ingenuamente seria posta em prática “a
visão do povo como entidade abstrata e homogênea, falando com uma só voz,
defendendo os mesmos interesses comuns.”[xxxi] Além disso, a participação revolucionária
popular não apresentava concretamente as idéias e os projetos que seriam
objetivamente postos em prática na construção de uma nova República. Não se tinha a idéia de “...como seria a participação popular no
novo regime. Falava apenas na
necessidade inicial de uma ditadura republicana, que lhe poderia ter sido
inspirada tanto por Robespierre quanto pelo positivismo, a ser depois
legitimada por sufrágio universal.”[xxxii] Verificamos
essa falta de projeto político mais consistente, por parte dos chamados patriotas também na formação dos países
sul-americanos no contexto pós-guerras pela independência no início do século
XIX. Simon Bolívar, por exemplo, “Ao presenciar o surgimento e o
aprofundamento de um quadro de clientelismos foi obrigado a reconhecer o
colapso do seu projeto, afinal, um projeto utópico. Já à beira da morte e desiludido, escreveu ao
General Flores: ‘Aquele que consagra os seus serviços a uma revolução,
lavra no mar.’[xxxiii]
A luta pela integração dos
militares a um tipo de cidadania vinculada ao Estado (estadania), e não a uma
cidadania ligada a outros setores populares, sendo minoritário o número de
militares que propunham a aliança entre o soldado e o povo, e o acesso a
cidadania a um tipo de trabalhador que servia ao Estado (operários do Estado),
são dois exemplos em que segmentos populares buscam seus interesses bem
particulares em detrimento dos interesses dos trabalhadores em geral. O autor, citando diversas tentativas de
organização de trabalhadores, de cunho basicamente socialista, afirma que “Nenhuma delas teve longa vida, muitas não
chegaram a completar um ano.”[xxxiv]
Outro grupo, citado pelo autor,
como distinto de outros grupos populares, são os anarquistas. Registra as diversas publicações anarquistas
que surgem ainda no início da República; aponta as diferenças entre anarquistas
comunistas e individualistas e mostra o enfrentamento entre anarquistas e
socialistas, e os seus diversos entendimentos sobre os conceitos de cidadania e
pátria. Havia os que não aceitavam o
conceito de pátria associado a um país, como a Federação Operária de São Paulo
ou a Federação Operária do Rio de Janeiro.
Discordo, embora eu não seja anarquista, da denominação que o autor dá
ao movimento anarquista como sendo alienado[xxxv],
pois embora suas posições sejam muito radicais, suas reflexões sobre a
sociedade ajudam a questionar os modelos políticos dessa mesma sociedade. Quando determinado grupo anarquista registra
que “A pátria é de quem rouba e explora,
a pátria é o privilégio e o monopólio, a guerra é uma monstruosidade filha do
interesse e da rapina.”[xxxvi]
está, embora reforçando sua idéia do conceito de antipátria, também
questionando ações dos exploradores dessa pátria, como tantos outros grupos o
fizeram.
Em suma, as várias concepções de
cidadania, expostas no capítulo dois, mostram a complexidade de interesses dos
mais variados grupos, com a ascensão de uns e a frustração de outros, no início
da República brasileira.
No terceiro capítulo (Cidadãos Inativos: A Abstenção Eleitoral), o autor, busca a análise dos candidatos a cidadãos, surgidos em meio a confusão ideológica vivida pela República, e de suas práticas concretas de participação política. Carvalho, traz à tona fontes contemporâneas ao período, para tentar interpretar a atuação dos diversos atores políticos. As afirmações do tipo “o Brasil não tem povo”[xxxvii] (Couty), passando por Blondel (“antes surpreso que entusiasmado, não pode compreender o que se passa.”)[xxxviii], Amelot (“No Rio não há nem povo, nem operários, nem artífices, [apenas] alguns grupos de pessoas de cor, fáceis pretorianos cujas aclamações se compram a baixo preço.”)[xxxix] e Adam (“o grosso da população não se interessa por política.”)[xl] são registradas pelo autor como produto do preconceito europeu com relação ao Brasil. Afirmações semelhantes também foram registradas por brasileiros como Aristides Lobo, com a já citada afirmação sobre os “bestializados”, e Raul Pompéia (“o espírito público do Rio de Janeiro é um ausente.”)[xli]. O autor afirma que tanto o movimento abolicionista quanto o republicano foram resultado da articulação e da luta de poucos homens apoiados apenas pela curiosidade de muitos, nada mais que isso. Porém, o autor questiona se essas visões apresentadas não estariam impregnadas não só de preconceito, mas de uma idealização do tipo de cidadão que se buscava, militante, politizado, bem articulado, jacobino. Nesse caso, o simples fato do povo não se enquadrar nesses “padrões” idealizados, por si só bastariam para que outras manifestações não fossem consideradas como lutas populares. O autor, afirmando serem exageradas as concepções que se tinham sobre o povo, mostra que, durante os dois reinados e no período regencial, houve momentos de agitação e manifestação popular, como, por exemplo, a Revolta do Vintém; mostra que as agitações se tornaram cada vez mais freqüentes após a proclamação da República, com o jacobinismo florianista e seus embates com republicanos conservadores e liberais; os batalhões e clubes patrióticos; a tentativa de golpe, em 1892, ao governo Floriano Peixoto; a tentativa de golpe, em 1900, ao governo Campos Sales; e a culminância da expressão popular, no registro do autor, que foi a Revolta da Vacina. O povo, não mais tido como apático, agora era visto como a escória jacobina que a nada respeitava, visto que sua origem e suas atitudes representavam bem o que eles seriam: a "canalha". O ódio aos estrangeiros seria um “nativismo exacerbado” e não fruto de relações sociais conflitantes há tempos; o Rio de Janeiro seria a “antinação” onde não mais comportaria um povo que não era povo.
Carvalho, tentando descobrir onde
estava o povo, mostra um considerável número de dados censitários. A diversificação de categorias
profissionais; a exclusão da maior parte dos recenseados, da formalização do
trabalho, a participação estrangeira na vida da cidade, principalmente
portuguesa com relação ao controle da riqueza, são alguns elementos
desenvolvidos pelo autor para tentar entender a distribuição quantitativa e
qualitativa desse povo. Analisa também,
através dos dados censitários, a
participação política popular através do viés eleitoral que se apresentava. A exclusão legal de mulheres,
analfabetos, menores de vinte e um anos, praças de pré e frades resultava em um
eleitorado de apenas 20% do total da população. Em 1910 apenas 0,5% da população total
teve validado seus votos. Uma das explicações
para essa apatia popular, além da anulação arbitrária de muitos votos e da
fraude eleitoral, onde, nas palavras de Lima Barreto, o “...excesso de voto é forgicado a bico de pena.”[xlii],
era o perigoso exercício do ato de votar.
Capangas, assassinos e bandos armados ofereciam seus “préstimos” aos
mais variados políticos durante o processo eleitoral e no dia da eleição. Agenciamento de manifestações políticas,
organização de vaias nas galerias da Câmara, fabricação de vitórias eleitorais
redundavam em um processo onde em uma “...população
de um milhão, deputados se elegiam com um ou dois mil votos. Destes pouquíssimos votos, a maioria era
falsa. Votavam defuntos e ausentes e
as atas eram forjadas. Ninguém mais se
escandalizava, pois todos sabiam que ‘o exercício da soberania popular é uma
fantasia, e ninguém a toma a sério’. O
Congresso assim formado ‘não merece a confiança do povo que por isso se
interessa da sua escolha e composição.’”[xliii] Acredito que a questão do voto deva ser
aprofundada. Da mesma forma que ficou
demonstrada, por Carvalho, que a participação popular irrisória, no processo eleitoral, significou
que a população ficou alijada das decisões da escolha dos seus governantes, em
minha opinião, o simples aumento dessa participação não significou que as decisões
tomadas por esses líderes eleitos por uma camada maior da população, tivessem melhorado qualitativamente por causa
disso. Um maior número de votos em
termos quantitativos pode até significar uma piora qualitativa desses mesmos votos. De uns dias para cá, o governo federal
vem bombardeando os lares do país com uma propaganda que evoca um enganoso
heroísmo de pessoas que não tem a obrigação de votar, mas que tem a opção de
fazê-lo, como os menores de dezesseis e dezessete anos, os portadores da
síndrome de Down e os idosos. Enganoso
porque aos menores de idade não são dadas oportunidades de acesso a educação de
qualidade, em que poderiam ter melhores condições de refletir sobre a escolha
de seus governantes; aos portadores da síndrome de Down porque não existe
acesso, no setor público, a tratamentos adequados ao desenvolvimento dos
mesmos; e aos idosos porque, mesmo tendo sido enganados a vida inteira,
contribuindo para um sistema previdenciário público que, ao longo do tempo
lançou mão desses recursos para diversos fins, inclusive fins corruptos, não tiveram
a consciência em votar em governantes voltados para a correta administração da res publica. Mais enganoso ainda é o voto do
analfabeto, por motivos desnecessários de registro. Em minha opinião, acabar com o direito a
voto do menor de idade, do portador da Síndrome de Down, do idoso e do
analfabeto não resolve o problema. A
questão central, repito tantas vezes quanto forem necessárias, passa por
profundas transformações no processo educacional, desde a base até a formação
superior para que a massa de votos melhore qualitativamente. Por enquanto, o que se tem é um povo que
troca o seu voto por uma “sopa de lentilhas”, assim como Esaú trocou sua
primogenitura na história bíblica.
Em meio ao quadro caótico em que estava
o povo, na primeira República, em alguns momentos esporádicos, em minha
opinião, o povo viria a lutar pelo que acreditava ser o melhor para si, como no
caso da Revolta da Vacina.
A implantação da vacina
obrigatória contra a varíola foi o estopim da revolta.
Entre 1889 e 1903, uma série de leis foram criadas pelo novo regime para
o reforço da obrigatoriedade da vacinação para alguns grupos de pessoas. Adversários do governo no Congresso,
alegando ser inconstitucional a obrigatoriedade da vacinação, e aproveitando as
tensões que estavam sendo gestadas nesse processo, constituíram uma frente de luta
contra “...o governo do ex-monarquista e
conselheiro Rodrigues Alves e contra as oligarquias estaduais que dizia serem o
sustentáculo da República prostituída”[xlv]. A imprensa, através dos jornais Correio da Manhã e Commercio do Brazil também faziam campanha contra a vacinação. Segundo Carvalho, os positivistas ortodoxos
constituíam o grupo que fazia a maior oposição à vacinação. Segundo concepções positivistas, Comte não teria
aceitado a teoria microbiana das doenças.
Para esses positivistas ortodoxos, o governo não deveria se intrometer
no domínio da saúde pública, que era reservado ao “poder espiritual”. Em 1904, na iminência da passagem de uma
nova lei, que ampliaria a obrigatoriedade da vacinação, os positivistas “recorreram a verdadeiro terrorismo
ideológico, apontando na vacina inúmeros perigos para a saúde, tais como
convulsões, diarréias, gangrenas, otites, difteria, sífilis, epilepsia,
meningite, tuberculose.”[xlvi] Outra resistência era de ordem
moral. Apelava-se para a mentalidade
masculina que não admitiria que qualquer outro homem tocasse nas mulheres de
sua casa. A “...violação do lar e da brutalização aos corpos de suas filhas e de
sua esposa [onde] a virgem, a esposa
e a filha terão que desnudar braços e colos para os agentes da vacina.”[xlvii] tocaria fundo nessas sensibilidades e seria,
na opinião de Carvalho, a maior causa da Revolta da Vacina. A partir do dia 10 de Novembro de 1904,
estudantes, segundo o dúbio jornal O Paiz,
entraram em confronto com a polícia.
“Morra a Polícia! Abaixo a vacina!” são as palavras de ordem. Nos dias que se seguiram, os confrontos se
repetiram.
A Revolta da Vacina ensejou os
conflitos das mais diversas ordens.
Conforme já registrado, opositores do Governo, aproveitando as tensões
do momento, criaram todo um fato político para por a culpa no Governo pela
“violação” do lar sagrado dos cariocas.
Os jornais, em uma época em que não havia rádio, televisão e internet,
reinavam absolutos como importantes formadores de opinião. Notícias davam conta do “sucesso” ou do
“fracasso” da revolta, de acordo com seus interesses. Enquanto que para o Correio da Manhã, a manifestação em frente a sua sede reuniu “...umas
quatro mil pessoas, ‘de todas as classes sociais’, comerciantes, operários,
moços militares e estudantes.”[xlviii],
para O Paiz, essa manifestação não passou de um encontro de “desocupados e mazorqueiros”[xlix] .
Reivindicações populares eram vistas, por esse jornal, como um “...sinal de perigo de surgir no Rio uma
pequena comuna, uma convenção municipal, despótica e tirânica como a
convenção francesa.”[l] Ataques a bondes, tiroteios, depredações,
barricadas, destruição de parte da iluminação pública, e utilização de tudo o
que pudesse ser utilizado como arma como garrafas, latas, pedras,
paralelepípedos, projéteis vindos das casas, onde “o povo repelia a tiros de revólver, golpes de ferro e cacete.” [li],
foram colocados, por parte do Correio da
Manhã, na cota de responsabilidade do ministro da Justiça e do presidente
da República. As barricadas eram uma
espécie de símbolo da resistência popular.
Para o Jornal do Commercio
porém, as pessoas que compunham essas barricadas formavam uma “...multidão sinistra, de homens descalços,
em mangas de camisa, de armas ao ombro uns, de garruchas e navalha à mostra
outros.”[lii]
Paralelo a revolta popular, ao
aproveitamento político da revolta e às diversas coberturas jornalísticas,
militares também se rebelaram em prol de seus interesses específicos. Cerca de 300 cadetes da Escola Militar da
Praia Vermelha, entraram em conflito com tropas do Exército, Marinha, Brigadas
e Bombeiros, porém logo se renderam.
A revolta civil, mais resistente que a militar, continuou. Operários também atacavam a polícia,
aproveitando a revolta para lutar por suas reivindicações. Batalhões de Minas Gerais e de São Paulo
vieram em auxílio ao Rio de Janeiro.
No dia 18 de Novembro, após pesado assalto das forças armadas, a revolta
foi contida.
José Murilo de Carvalho detalha a
grande variação da participação popular na Revolta da Vacina. Para o autor, integrantes do Centro das
Classes Operárias, e outras categorias profissionais como estucadores, pintores, chapeleiros,
pedreiros, grupos de marinheiros e remadores, trabalhadores da indústria do
fumo, carpinteiros e foguistas, dentre outros,
participaram ativamente da revolta.
Por outro lado, a Sociedade União Operária dos Estivadores, procurou O Paiz e “...disse que a associação nada tinha a ver com as desordens”[liii]. Divergências entre o Centro das Classes
Operárias e a Federação das Associações de Classe, com a primeira recorrendo à
mediação política em auxílio aos seus conflitos, e a segunda, de postura mais
radical, discordando dessa posição, é mais um exemplo das diversas
fragmentações existentes entre os trabalhadores.
O autor também analisa os
possíveis motivos da revolta. A crise
econômica “herdada” do governo Campos Sales, a ampla reforma urbana que atingiu
de maneira diferente setores populares e econômicos teriam contribuído para a
revolta. Porém apesar das grandes
desapropriações promovidas pelas reformas urbanísticas, o autor não registra
revoltas populares por causa dessas reformas. Por outro lado, registra a ação de alguns
comerciantes que distribuíram querosene para queimadores de bondes, pois as
desapropriações e o aumento de impostos e taxas iam de encontro aos seus interesses. Fica para o autor, porém, o registro da
motivação maior da revolta a vacinação em si. Para o povo, “os valores ameaçados pela interferência do Estado eram o respeito pela
virtude da mulher e da esposa, a honra do chefe de família, a inviolabilidade
do lar”[liv]. Para a elite, “os valores eram os princípios liberais da liberdade individual e de um
governo não-intervencionista”[lv]. Uma das principais conseqüências da revolta é
a decepção em um regime republicano que não respeitava os princípios mais
elementares de opinião pública, em consonância com as tradições mais
autoritárias, conforme analisou e até concordou Oliveira Vianna em suas obras. Apesar de todo o ocorrido, e do resultado
final mais palpável ter sido apenas a interrupção da vacinação, segundo o autor
ficou um sentimento de “...orgulho e
auto-estima, passo importante na formação da cidadania”[lvi].
A afirmação acima, em minha
opinião, é exagerada. Por mais
importante que tenha sido a Revolta da Vacina, ou outros movimentos populares ao
longo da História do Brasil, infelizmente não observo movimentos nacionais,
como por exemplo, no México
(1910). É claro que são muito importantes
as “pequenas” lutas populares para a construção da cidadania.
As greves dos “Ferroviários, marítimos,
estivadores, cocheiros e condutores de bondes [que] fizeram sua entrada no cenário político, promovendo as primeiras
paralisações da capital,”[lvii], os movimentos dos “...intelectuais
de classe média e artesãos qualificados, como os gráficos, [que] viram
sua possibilidade de intervir na política através de propostas de natureza
socialista.”[lviii] e a
“...ameaça de greve por parte de alguns setores do operariado do Rio que forçou
o governo a reformar logo os artigos [do Código Criminal de 1890] que continham a disposição antioperária (205
e 206)” [lix],
embora importantes, não tiveram o caráter nacional observado.
No México, a concentração de terras, onde cerca de 3% da população, conhecidos
como guachupines, detinham a maior
parte das terras (haciendas) e onde cerca de 95% dos camponeses não eram
proprietários, aliada à modernização agrícola provocaram a destruição da
economia camponesa e dos direitos das comunidades rurais.
O México estava inserido em um contexto onde “...a base da oligarquia latino-americana ergueu seu predomínio tomando
por base a monopolização da (e o acesso à) posse da terra. A ampliação até os limites máximos dessas
propriedades fundiárias, quando não o controle sobre terras cultiváveis ou de
escassa oferta de água, e o controle sobre a reduzida força de trabalho têm
constituído o aspecto mais significativo da história da propriedade da terra
até umas poucas décadas”[lx]. A consequência foi a composição de um
quadro que ajudou a derrubar o Governo Porfírio Diaz e levou a uma “...sangrenta guerra civil que acabou, pela
revolução social que se seguiu, destruindo a herança colonial da fazenda. Por muitos anos, em pleno século XX, o México
seria o único país latino-americano a ter destruído os símbolos e a realidade
desse antigo patrimônio sócio-econômico.”[lxi] Uma das principais
diferenças, senão a principal, entre a situação brasileira e a mexicana, em
termos da impossibilidade dos primeiros em se articularem nacionalmente em
oposição a possibilidade dos segundos, é que, diferente dos brasileiros, entre
os camponeses mexicanos existia toda uma memória
histórica que havia sido construída antes do Porfiriato e que serviu de
base para a reação ao mesmo pois “Muitos
movimentos revolucionários tiveram como palavra de ordem e objetivo o regresso
ao passado; por exemplo, a tentativa de Zapata de restaurar, no México, a
sociedade camponesa de Morelos, no estado em que se encontrava quarenta anos
antes, riscando a época de Porfírio Diaz e regressando ao status quo anterior.”[lxii] é que
revelam, para mim, que a pesadíssima herança escravista no Brasil foi e é um
elemento decisivo para a falta de coesão do elemento popular, embora isso não
signifique, em minha opinião, a impossibilidade permanente dessa coesão.
No último capítulo do livro (Bestializados
ou Bilontras ?), o autor, buscando fazer uma síntese dos quatro primeiros
capítulos, questiona se a as afirmações de que o povo assistia bestializado os
acontecimentos da mudança do regime monárquico para o republicano; se era
apático; se não era apático mas não era povo; se as representações culturais
como o carnaval significavam manifestações alienantes; se era composto de
cidadãos ativos ou não. Posiciona-se
afirmando que “...este cidadão de fato
não existia no Rio de Janeiro”[lxiii]
É claro que, devemos levar em
consideração todo um contexto da época e de mentalidades sobre qual deveria ser
o conceito de cidadania para a elite local e estrangeira, porém, mesmo
procurando abstrair essa importante variável, e levando-se em consideração as
diversas fontes apresentadas pelo autor, também levando-se em consideração que
os documentos não falam por si só e dependem das escolhas e interpretações do
historiador, considero a existência de diversas permanências no modo de ser de
nossa sociedade e não entendo como preconceituosa a interpretação do autor com
relação ao povo, pelo menos não em todos os trechos que foram entendidos como
sendo preconceituosoas, nos debates em sala de aula. Acredito que as possíveis “causas” que
tornaram possíveis a confecção do tecido social brasileiro são complexas,
difíceis de serem analisadas e estão em permanente estado de descoberta, mas,
repito, a escassez de fontes ditas “populares” talvez não seja suficiente para
classificar o autor como preconceituoso e parcial. Por outro lado, considero preconceituosa, por exemplo, a
afirmação de Rui Barbosa, quando da participação popular durante a Revolta da
Vacina quando para ele, o “verdadeiro povo” não participaria de “arruaças”,
pois quando não é “resignado, submisso e fatalista”, é “irresponsável e analfabeto.” Também considero outra afirmação eivada de
preconceito a do chefe de polícia, para quem os revoltosos seriam “fezes
sociais”. Aprofundando um pouco essa
última afirmação vemos que o que acontece é o espírito de vingança presente em
confrontos armados entre as forças do governo e o povo. No entanto, o que se observa nas revoltas
ocorridas ao longo da História do Brasil é a total desproporção entre as partes
em conflito. Revolta da Vacina,
“Guerra” de Canudos, repressão aos “subversivos” do período pós-1964 são alguns
exemplos em que as forças do governo foram muito superiores as dos adversários,
tudo devidamente articulado com maciça propaganda anti-mobilização popular,
como no contexto anterior ao golpe de 1964 em que “O jornalista Tad Szulc tinha usado a primeira página do The New
York Times para dar o sinal de alarme
quanto ao surgimento do ‘castrismo’ no Nordeste brasileiro, e a administração
Kennedy estava se tornando apreensiva como o desassossego na região”[lxiv]. Observamos hoje, nas notícias que nos
chegam dessa nova Comissão da Verdade, que por sinal de maneira absurda não
possui um historiador sequer, são de que
as pressões para se investigar as ações dos “dois lados”, como se tivesse havido
dois lados em um confronto equilibrado, já se apresentam por parte dos círculos militares.
Se houvesse pressão social para que além da “memória” resgatada, a efetiva punição fosse aplicada a quem efetivamente cometeu
barbaridades durante a ditadura civil-militar, os dois lados se tornariam
apenas um: o dos criminosos do período.
Quando o autor, por exemplo,
citando o embaixador inglês, questiona, surpreso que “até quando podemos esperar que o povo brasileiro aceite carregar tal peso ?”[lxv],
corrobora com os acontecimentos registrados durante a Revolta da Vacina, no
sentido de que, o povo brasileiro age (quando age) circunstancialmente e agüenta até os últimos instantes as
arbitrariedades das elites e do Estado.
A motivação nunca é preventiva,
nunca parte de uma análise das condições estruturais que irão desembocar na
conjuntura. Obviamente, essa capacidade
de análise requer uma formação, que foi negada de maneira total pelas elites,
porém, como diria o professor Marcus Carvalho, “as coisas não são tão simples”,
e muitos outros fatores contribuíram e contribuem para a nossa deficiente
formação, porém mesmo com os avanços observados na sociedade brasileira, ainda
estamos há anos-luz para que possamos agir com o mínimo de coesão social. Os poucos exemplos de ação afirmativa
popular após o início do período republicano, são escassos pois o grosso da população está mergulhado “...no fundo das mais fundas das
alienações.”[lxvi]
Fracassos na ação política nos
âmbitos eleitoral, de organização partidária e não-partidária, na visão do
autor, revelavam essa ausência de cidadania. Por outro lado, festas populares
profano-religiosas, onde “Não raro,
capoeiras navalhavam romeiros.”[lxvii], e onde o encontro de governantes com o povo
dava-se fora dos domínios da política;
o carnaval, que, segundo o autor, deixou perplexo o inglês Charles Dent ao
afirmar que “todo mundo perecia ter
perdido a cabeça”[lxviii];
o espírito associativo, que era mais religioso e menos político; a ação política popular, que se dava no
máximo em protesto contra a falta ou a precarização de serviços públicos e não
através da atuação nas instituições políticas, eram, na visão do autor, o
máximo que se poderia observar em termos de atuação popular. Para Carvalho, mesmo uma revolta como a da
Vacina, classificada pelo autor como “espetacular”, “...mostrou claramente o aspecto defensivo, desorganizado, fragmentado,
da ação popular. Revelou antes
convicções sobre o que o Estado não podia fazer do que sobre suas obrigações.”[lxix] Carvalho afirma ainda que a posição popular,
mesmo dos que tentavam ações afirmativas, era a de súdito e não a de
cidadão. Argumenta o autor que, a
constituição da cidade moderna, diferentemente da cidade antiga, era fruto de
negociações políticas levando-se em consideração cada vez mais os interesses
burgueses, segundo Max Weber. Essa
constituição, prossegue Carvalho, teria tido sua culminância no norte da
Europa, onde se desenvolveu primeiro o “...capitalismo moderno de empresa e de
trabalho livre, da sociedade liberal, do racionalismo formal, do individualismo.”[lxx],
diferentemente da Península Ibérica onde “o
liberalismo tenderia a fortalecer o lado maquiavélico, e a democracia a
adquirir formas rousseaunianas, populistas, messiânicas.”[lxxi]
Os resultados dessa configuração
seriam, no caso do Brasil, a predominância das relações de família ou do grupo
de trabalho, em detrimento da falta de organização coletiva mais abrangente, da
falta do interesse público e de consciência coletiva. O autor coloca que a trapaça, a
desobediência às leis, o a esperteza, a gozação, um positivismo bem peculiar
composto de um pragmatismo utilizado em benefício próprio, vão além das
características ibéricas presentes na cidade do Rio de Janeiro. Peculiaridades na formação da cidade, como as
dificuldades geográficas para uma efetiva urbanização, a herança escravista, a
co-existência desordenada dos morros com
as regiões à beira-mar e a falta de um efetivo ordenamento legal da convivência
entre os diversos setores sociais, contribuíram, segundo o autor, para a
desmoralização e do não cumprimento às leis, o que resultou nessa personalidade
coletiva “de tribofe”. O saldo final,
apresentado por Carvalho, é que o Rio de Janeiro, “livre da tarefa de representar o país...”[lxxii]
ainda precisa encontrar sua identidade como cidade. Uma identidade cultural que ajude a formar
uma consciência de pertencimento efetivo a uma cidade que, junto com outras
cidades, poderá dar sua contribuição na
descoberta da identidade nacional, tão distante ainda, em minha opinião, em
nossos dias.
O livro de José Murilo de
Carvalho apresenta-se, em minha opinião, como uma importante contribuição à
construção do conhecimento histórico.
Citando Walter Benjamin, segundo a filósofa Márcia Tiburi, o valor de
um livro é infinitamente superior ao seu valor monetário pois o conhecimento
proporcionado pelo mesmo não tem como ser mensurado. Como as verdades históricas estão sempre por
serem descobertas, e considerando a minha grande necessidade de aprofundamento
sobre o conhecimento da participação popular em todos os aspectos da vida
nacional, espero que o presente e o futuro me reservem surpresas bastante
agradáveis com relação a esse tema tão rico.
* Graduando em História pela Universidade Federal de Pernambuco.
[xiv] CARVALHO, José Murilo de. D.
Pedro II e os Valores in Revista de
História da Biblioteca Nacional, Ano 5 – nº 50, p. 24
[xvi] CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi, p. 113
[xxii] LIMA, Vivi Fernandes de. ...E
Depois. Presentes nos Discursos
Oficiais, os Valores Republicanos Ainda Engatinham na Sociedade Brasileira in Revista de História da Biblioteca Nacional,
Ano 5 – nº 50, p. 22
[xxx] CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi, p. 43
[xxxiii] MELO, Patrícia Pinheiro. Imagens de Bolívar – Das Guerras de
Independência ao Chavismo, p. 14
[xxxiv] CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi, p. 56
[lxiii] CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi, p. 141
[lxv] CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a
República que não foi, p. 21
[lxvii]
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a
República que não foi, p. 142
[lxviii]
Idem, p. 143
[lxix]
Ibidem, p. 145
[lxx]
Ibidem, p. 148
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