domingo, 18 de março de 2012

A Desmistificação da Proclamação da República

Isabela Dias

Quando se fala na Proclamação da República a primeira imagem que o senso comum associa é a do Marechal Deodoro como fundador da república brasileira. Esta imagem é representada no óleo de Henrique Bernadelli onde o marechal encontra-se no centro da imagem montado a cavalo. Esta imagem segundo José Murilo de Carvalho “é a exaltação do grande homem vitorioso, fazedor da história”. ¹ Esta observação leva-nos a questionar acerca da veracidade dos fatos, pois Deodoro não foi o único indicado para o título de fundador da república, Benjamim Constant e Bocaiúva também o foi.

A Proclamação da República é um desses eventos que precisam ser desnaturalizados e analisados de forma a apresentar as pessoas uma interpretação mais próxima da realidade. Diante disso, podemos discorrer acerca dos fatores que contribuíram para a formação do cenário propício para a república durante o período imperial, ou seja, o evento de 15 de novembro não foi apenas um grito de viva, isto é posto por José Murilo de Carvalho como ponto irrelevante quando se trata sobre a proclamação.²

Um dos pontos importantes que levaram a proclamação foi à indignação da elite monocultora e escravista com a abolição da escravidão, pois a política imperial não estava atendendo mais as demandas dos fazendeiros causando uma estabilidade econômica. Além disso, a monarquia não soube solucionar a situação social dos negros, a forma republicana de governo se mostrou significativa para a solução citada, pois a ideologia republicana pregava a igualdade, dessa forma não existiriam diferenças entre os ex-escravos e os brancos. Contudo, isto ficou apenas no campo jurídico. O contato dos militares com a forma republicana nos demais países da América latina e o gosto de vitória trazido por eles da Guerra do Paraguai também contribuíram para a disseminação das idéias republicanas. Essas idéias se alicerçavam numa busca por posição de maior prestígio e poder do Exército dada à vitória da referida guerra. Esta era uma proposta de República Militar.

Havia três correntes que lutavam pela implantação da república no Brasil cada uma com sua essência e a República Militar era uma delas. Mas, o que vale ressaltar é que a proposta republicana daqueles que venceram contradiz com o que foi implantado. A proposta de uma maior representatividade dos cidadãos na vida política do país não foi efetivada visto que foi pensada pela elite, excluindo a maioria da cidadania. A participação do povo na consolidação da república foi praticamente nula e sua participação na organização do novo governo de igual valor, o que percebemos é a eficácia da coesão de interesses das oligarquias que antes estavam intimamente ligadas com o império e a junção com uma parte da burguesia para a formação do novo regime. Ou seja, a forma de governar mudou, mas a luta pela prevalência dos interesses da minoria continuou.

Dentro desse cenário, não devemos esquecer de discorrermos acerca da Batalha de Símbolos para a legitimação da nova organização social e política do Brasil. É preciso desmistificar os heróis que são atribuídos ao fato, pois a luta para apresentá-los com tal cargo está imbuída de ideologias e interesses políticos, pois os heróis são “instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos”. ³ Podemos citar como exemplo a figura de Tiradentes como herói nacional. Este herói foi criado com a intenção de apagar da memória das pessoas a importância dada a D. Pedro I pela independência do Brasil, a imagem de Tiradentes está associada ao mártir da liberdade, da independência e da república, um mártir sacrificado como Jesus Cristo.Numa sociedade predominantemente cristã esta associação foi bem recebida. A criação de monumentos, festas cívicas, gravuras, telas são formas que os grupos vitoriosos encontram para a construção histórica a qual é mediada pela política para popularizar, legitimar e selar na memória do povo a origem da proclamação a qual está imbuída de ideologias e interesses políticos como já foi citado.

Diante disso, é papel do historiador desnaturalizar os fatos que são apresentados como verdades históricas, é preciso fugir do senso comum e das interpretações impostas por aqueles que pretendem gravar na memória das pessoas aquilo que é interessante para a legitimação política, social e econômica que regem a sociedade e que em sua grande maioria estão de comum acordo com os grupos sociais favorecidos.

Notas

1. CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da república do Brasil, pág. 40.

2. Idem, pág.36.

3. Idem, pág.55.

Um comentário:

  1. A pergunta é: como o historiador desnaturaliza esse processo? É preciso entender que esse processo de heroificação (existe essa palavra?) também tem uma história e nós só conseguimos desnaturalizar mostrando as batalhas ideológicas, simbólicas, que foram travadas para sua criação...É assim que se desmistifica, não concorda? Não é simplesmente denunciando os heróis como produto da ideologia...

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