Monike Gabrielle de Moura Pinto
República, (do latim res publica, “coisa pública”), teria como característica principal a
participação do povo nas ações políticas, isto é, seria o governo de todos. No
Brasil a República fora proclamada num contexto bastante peculiar e, de certa
forma, sem a dita participação (e até mesmo ciência) do povo. Em 15 de novembro
de 1889, o rompimento com um governo monárquico fora anunciado: dava-se início
a República no Brasil.
Militares, grandes proprietários rurais
e grupos urbanos (profissionais liberais, pequenos proprietários, professores e
estudantes) eram os mais insatisfeitos com a situação do Brasil durante o
Império e reclamavam o estabelecimento de um regime de governo republicano.
Eles partilhavam de alguns ideais, mas divergiam no que diz respeito a qual
modelo de república deveria ser aplicado no país: havia os que se posicionavam
para uma república de caráter ditatorial (positivistas, seguindo a premissa de
“ordem e progresso”), havia os que defendiam uma república aos moldes
norte-americanos, de estilo liberal, e ainda os que tomavam uma terceira
posição, defensores de uma “república jacobina”. Como bem afirmou Rodrigo
Patto, a cultura política seria “um conjunto de valores, tradições, práticas e
representações políticas, [...] assim como fornecem inspiração para projetos
políticas direcionados para o futuro”¹. Então, após o “15 de novembro” tornou-se
necessária a constituição da memória do evento pelos vencedores para
fundamentar a construção de uma cultura política que se desprendesse do pensamento
que estava ligado ao passado imperial e se baseada no novo regime republicano,
comandado pelas elites sociais. Nesse contexto as divergências entre os atores se
tornaram ainda mais evidentes, tendo em vista a disputa para ocupar o lugar de
destaque na cena. Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva,
quem seria o responsável pelo êxito do movimento para a proclamação da
república?
Os deodoristas (militares) colocavam
Deodoro como o líder das tropas militares que, sem derramamento de sangue, instaurou
o Golpe que derrubou o Regime imperial e proclamou a República. Mas, nas
palavras de José Murilo de Carvalho “esse grupo não tinha uma visão elaborada
de república, buscava apenas posição de maior prestígio e poder”². Apesar da importância
dos militares na proclamação da república, o movimento extrapolava a insatisfação
desse grupo: seria um fenômeno de caráter nacional, que englobava tanto os
militares como os civis.
Já a figura de Benjamin Constant era
exaltada como o fundador da República brasileira. Sendo considerado o teórico
militar, o pensador, o propagador desse projeto político para Brasil, o
responsável pela proporção que o movimento tomou: de ter ultrapassado os muros
do quartel para se transformar num fenômeno que modificou o regime existente.
Essa vertente era advogada pelos positivistas, os quais compartilhavam com
Benjamin o ideário de república sociocrática ou ditatorial (avessa à democracia
representativa). Essa ideia partia do princípio de que a história humana tinha
fases bem definidas rumo ao progresso, e que no caso brasileiro a fase última,
a positiva, seria alcançada pelo estabelecimento da república ditatorial,
todavia, de acordo com Carvalho, esse modelo republicano não encontrou
aplicação prática. Essa inaplicabilidade se explica pelo contexto nacional, sobretudo
econômico, que requeria uma república liberal, que atendesse as necessidades da
antiga elite imperial e da burguesia emergente.
Quintino Bocaiúva era o chefe do Partido
Republicano Brasileiro e defendia uma república aos moldes norte-americanos,
que via o público como a soma dos interesses individuais, isto é, uma república
liberal. Apoiado principalmente pelos proprietários rurais que se sentiam
sufocados com o governo imperial, Bocaiúva representava os chamados
“republicanos históricos”. Entretanto, a defesa de seu papel de destaque na
efetivação da república foi mais difícil, tendo em vista que no dia 15, os
republicanos civis “apareceram no fundo da cena, como atores coadjuvantes,
figurantes [...]”³.
A necessidade desse herói nacional
continuava, pois, como afirmou Carvalho “heróis são símbolos poderosos,
encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de
identificação coletiva” 4 então, surgiu como candidato perfeito ao
cargo de heroi nacional a figura de Tiradentes, que acabou se encaixando nas
exigências dessa mitificação. Um mártir, um homem que lutou pela independência,
associado à imagem de Jesus Cristo, ganhou o posto de heroi brasileiro.
De fato, o que se percebe nessa batalha
para a construção do imaginário do evento, “Proclamação da República”, é mais
um indício de que o povo, que deveria ser o representante e participante maior
da república, não subiu ao palco, nem tão pouco lhe coube o papel de ator
coadjuvante. Na verdade o povo ficou ali, como disse Aristides Lobo, assistindo
a tudo bestializado.
NOTAS:
1. SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. Culturas Políticas na História: Novos Estudos. Belo Horizonte, 2009, p. 21.
2.
CARVALHO, José Murilo. A Formação
das Almas: o imaginário da república do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 1990.p.
39.
3.
Idem. p.52
4. Idem,
p.55
Esses heróis não foram "inventados" para que se acreditasse que o povo a tudo, sempre, assiste os acontecimentos políticos bestializados? Quando fazemos a história não é com o intuito de desnaturalizar isso? Mostrar o processo histórico dessas invenções não ajuda a compreender que houve um alijamento na memória e na história de uma parcela da população do processo?
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNo caso do símbolo ou da figura de Tiradentes como heroi nacional, o que se percebe é uma tentativa de construir um símbolo da república brasileira colocando um homem da massa, que lutou pela independência do Brasil, um representante do povo, como uma forma de suprir a não participação efetiva da massa da sociedade na instauração do novo regime. Ao ler “A formação das almas”, tive a impressão que o povo não participou de fato da proclamação da república, decisão esta que se restringiu a elite. E ao ter contato com a obra “Os bestializados” o que percebi é que essa massa, não esteve passiva, mas posicionou-se contra esse regime que não lhe cabia. Pois, mesmo que o regime republicano tenha sua razão de ser num modelo de participação popular, no Brasil a massa esteve de fora das decisões políticas e por isso, percebendo que a república não era para ela, decidiu não buscar participação formal, mas buscou outras vias para não se colocar passivamente diante das decisões políticas. Como foi discutido em sala de aula, seria desse conhecimento de que a República é uma forja, que teria surgido um caráter peculiar do brasileiro: de ser “apolítico”, de não se interessar e buscar mais envolvimento pelos assuntos que dizem respeito à política.
ResponderExcluirNota: 8,0.
ResponderExcluir