O homem cordial de Sérgio Buarque
de Holanda
Thiago da Silva Paz
Em seu livro “Raízes do Brasil”,
que se tornou um clássico do pensamento social brasileiro, o ensaísta Sérgio
Buarque de Holanda desenvolve a idéia do chamado “homem cordial” para tentar
explicar o volksgeist ou, se assim se
pode chamar, a essência do povo brasileiro.
Segundo Buarque, os portugueses
já eram miscigenados quando da colonização, o que lhes facilitou a adaptação
aos trópicos. Além disso, que somos “derivados” deles, e que devemos nos voltar
a eles para tentar entender nossas estruturas e desdobramentos sociais. No
livro, Buarque tenta explicar porque no Brasil não existe indivisibilidade
entre as esferas pública e privada, porque não conseguimos formar um estado
democrático ou liberal de facto. Devido
ao personalismo ibérico trazido pelos portugueses para cá, as relações eram
muito mais baseadas em laços familiares, relações de parentesco e amizade que
em outros princípios, como a meritocracia, por exemplo. Para Buarque, o Estado
só se forma com a eliminação da família, das relações familiares, como critério
de validação social; no Estado predominam as relações impessoais, estatuídas
(de estatutos), baseadas nas leis, enquanto a família permanece regida por
laços afetivos e de proximidade.
A tradição ibérica havia nos
fornecido algo que não condizia com nossa sociedade. O homem cordial, um legado
brasileiro ao mundo, não é apenas bom, afável, mas também aquele que age “emocionalmente”,
de coração*, para o bem ou para o mal, ou seja, a sociedade é regida de maneira
“personalista”, e não com a impessoalidade tradicional inerente e necessária à
Democracia. É a sociedade onde os interesses privados se sobrepõem aos
públicos.
Ao analisar a tradição ibérica
como ponto de partida para essa condição que nos rege, Buarque argumenta, de
maneira metafórica, que, enquanto o espanhol é o “ladrilhador”, ou seja, o trabalhador,
o colonizador, que destrói as estruturas para reformulá-las com metro e ordem,
os portugueses são os “semeadores”, os aventureiros, desleixados e que não
lutavam ou contra a natureza (as estruturas) para dominá-la, mas se adaptavam a
elas; não havia o desejo de recriar uma nova Lisboa aqui, como desejavam os
espanhóis recriar suas cidades nas colônias. Nesse sentido, no desenvolvimento
do Brasil permanece o familismo amoral, não ocorreu a quebra necessária dessa
estrutura para que pudéssemos ter avançado democraticamente.
*O termo cordial deriva da
palavra latina cordis, coração. O
homem cordial é aquele que age movido pelo coração, pela emoção.
OI seja, pessoal: a questão que formulamos, porque existe tanta corrupção, porque não conseguimos nos tornar um Estado realmente democrático, já tinha sido formulada há bastante tempo. Um problema histórico para se pensar.
ResponderExcluirJá ouví que nosso inconsciente coletivo é subserviente e escravista, herança de uma colonização que privilegiou a nobreza e a aristocracia, estabeleceu desigualdades e fomentou, nos mais humildes, a admiração pela liturgia do poder. Concordo, embora acredite sermos um Estado potencialmente democrático, que foi drogado e prostituído ao longo do tempo. Creio que a indignação face à roubalheira que assola o país e as consequências(a Lei da Ficha Limpa, por exemplo ) a esta reação popular são um sinal de que começamos a tomar gosto pela participação nas decisões de Estado. Estamos ainda descobrindo o que é cidadania.
ResponderExcluirNota: 8,5
ResponderExcluir