Por Sandra Mendes
Rodrigo
Patto, no texto “Culturas Políticas na História: Novos Estudos” levanta um tema
importante, que, segundo ele,deveria ser mais explorado pelos historiadores; se
trata da conciliação, visto por muitos como traço marcante da cultura brasileira.
O autor cita em seu texto a análise de Roberto da Matta,o qual defende a tese
de que a lógica relacional é marca central da cultura brasileira,calçada na
recusa a definições rígidas e no horror aos conflitos,que são evitados em favor
de ações gradativas,moderadoras,conciliadoras e integrativas.Já José Honório
Rodrigues,ainda nesse texto, trata da questão de maneira mais
crítica,considerando a conciliação como estratégia das elites para excluir o povo
das decisões políticas, tentando convencê-lo de que é pacífico e ordeiro.Um
exemplo relacionado ao referido tema é o modo como se deu a implantação da
República no Brasil que,segundo o autor,as lideranças políticas do velho e novo
sistema acomodaram-se com poucos choques. Esse recurso à conciliação visa,
sobretudo, evitar grandes rupturas, realizando mudanças com estabilidade.
A forma que
se deu a implantação da República foi o mais conciliatória possível, o exército
foi quem garantiu a mudança de regime, excluindo outros grupos do processo; o
povo assistiu na platéia a mudança de regime feita pelo exército, mudança essa realizada
com estabilidade e sem rupturas bruscas. Ainda segundo Rodrigo Patto, a
tradição conciliatória do Brasil talvez seja a razão pela qual o comtismo
ganhou tantos adeptos na recente República “proclamada” – isso porque há
questionamentos se realmente houve, de fato, uma proclamação da república - a
divisa “ordem e progresso” casa perfeitamente com o espírito conciliador, que
aqui no Brasil se materializou como arranjos políticos de um perfil
modernizante e, ao mesmo tempo, conservador.
Como parte integrante da legitimação desse
novo regime, a elaboração de imaginário republicano é um tema tratado pelo
autor José Murilo de Carvalho, no livro “A formação das almas”. O autor traz
diversos questionamentos no que diz respeito ao período inicial da República Brasileira,
como as disputas de projetos ideológicos vigentes na época da elaboração da Republica;
que como já citado anteriormente, existiu grandes adeptos do comtismo, não
esquecendo de enfatizar que tal comtismo foi adaptado a realidade brasileira,
uma vez que comtismo e exército-militarismo não caminham juntos, porém houve
aqui essa adaptação. Retrata também o esforço empreendido na construção do mito
fundador republicano que, segundo o autor, assim como a República, ficou
inconcluso.
No entanto, o
capitulo da obra mencionada que mais me chamou atenção foi o que versa sobre o
esforço de se construir um herói nacional, um símbolo da nação, que desperte
valores, admiração. Há a necessidade de se criar esse herói da nação, com o
intuito de legitimar o regime político. Aqui no Brasil, tal tarefa foi difícil,
pois, segundo Murilo de Carvalho, em países em que houve uma participação
popular nas mudanças de regimes políticos esses heróis surgiam naturalmente, no
seio do povo, como aqui não houve o referido envolvimento, teve que se forjar
um herói. O autor retrata que houve diversos candidatos disputando a figura de herói
nacional, um deles foi Frei Caneca, mas porque será que o frei não venceu essa disputa;
o autor menciona que há fatores de ordem territorial, uma vez que Frei Caneca
representava apenas o Nordeste Brasileiro, além de demonstrar fortes anseios separatistas.
Cabe aqui trazer à tona a análise de José Honório Rodrigues, citada no início
do texto. Não interessava para as elites instituir um símbolo que representasse
formas de lutas mais radicais, um herói que morreu fiel aos ideais de liberdade,
quando se tem o intuito de implantar no imaginário popular que o povo é
pacífico e ordeiro.
Tiradentes vence essa batalha porque sua
figura casa perfeitamente com o a imagem da República que se quer construir,
atende aos anseios políticos. O autor alega que Tiradentes representa a nação,
uma vez que ele era de Minas Gerais, região próspera e centro do Brasil na época,
em oposição ao Nordeste decadente de Frei Caneca. A meu ver, a questão mais
relevante na sua escolha diz respeito à ideia pacífica que ele passa, ou
melhor, a imagem pacífica que construíram dele. Na sua imagem há um forte apelo
à cristianização, visando convencer, através da mística religiosa, a
mentalidade das massas. A forma como foi representada sua morte é que tem o
apelo popular forte, pois é visto como uma vítima, ao contrário de Frei Caneca
que morreu como rebelde. A revolta encabeçada por ele não aconteceu, ao passo que,
em Pernambuco, houve mais de uma revolta encabeçada pelo Frei e que de fato,
aconteceram. A memória pernambucana é construída a partir de uma visão de
província rebelde.
A construção
do Herói Tiradentes tem relação direta com o tipo de governo conservador que se
quer implantar, calçado em ações integrativas e conciliatórias, afastando as
massas das decisões políticas, e tentando manipular o imaginário popular,
convencendo-lhes de que são pacíficos e ordeiros para que não representem
ameaça ao regime político que as elites querem implantar.
CARVALHO, José Murilo de. A
Formação das Almas: O imaginário da República no Brasil.
SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. Desafios e
possibilidades na apropriação de cultura política pela historiografia. In Culturas
Políticas na História.
Muito bom, Sandra. Concordo com vc que o melhor capítulo ainda é sobre Tiradentes!
ResponderExcluir9,0