Da
necessidade de um novo olhar sobre a Proclamação da República
Thiago da
Silva Paz
No que concerne aos processos
relativos à Proclamação da República, de imediato nos vem à mente a figura de
Deodoro da Fonseca como grande figura e peça chave da nossa república, e a memória
que se estabeleceu a respeito de Deodoro é a de homem excepcional, que serve de
exemplo e que deve ser lembrado pela posteridade por ter levado a cabo um
processo “necessário” por si só e pelos seus meios, ou seja, através do
exército, sem o qual a República, esta também a “única possível” não teria sido
instaurada.
Para o historiador José Murilo de
Carvalho, havia na verdade uma disputa entre os projetos republicanos, que ia
muito além de projetos políticos, mas que englobava também a busca pela
afirmação de uma ideologia e de um discurso que deveria ser oficializado e
legitimado pela História. As figuras de destaque desse conflito foram Deodoro
da Fonseca, com seu projeto que visava essencialmente os interesses dos
militares na política, Benjamin Constant, cujos seguidores tiravam suas bases
para a república do Positivismo, que via na república um progresso político
para o Brasil, e Quintino Bocaiúva, de orientação militarista e opositor de
Benjamin Constant, que advogava por uma democracia representativa baseada no
modelo dos Estados Unidos.
Um outro fator a ser considerado para
a proclamação da República foi o fato de a abolição da escravidão não ter sido
bem aceita pela elite monocultora, e isto, aliado ao fato de que a monarquia se
mostrava incapaz de resolver o problema da inserção do negro na sociedade –
problema este que se mostra sintomático da dificuldade de se estabelecer uma
identidade nacional brasileira –, abriu espaço para o projeto igualitário dos
republicanos que eliminava as distinções entre brancos e ex-escravos, mesmo que
tal igualdade não se estabelecesse de
facto, mas apenas de jure. Isto
é, ainda que estivesse legalizada, não estava em acordo com as práticas sociais
da época. Mas mesmo após a proclamação, ainda restava outro ponto crucial: como
mudar o inconsciente coletivo brasileiro. Ou seja, muito mais que um marco em
termos políticos, a proclamação da República deveria agir no sentido de introduzir
uma nova forma de pensamento na população que recém abandonara um regime para
adotar outro.
Os republicanos necessitavam de
medidas eficazes para introduzir essa nova forma de pensar nas mentes das
pessoas, e para isso se utilizaram da figura idealizada de Tiradentes, herói nacional
de caráter messiânico, martirizado em nome da liberdade que serviu, em último
caso, como mais uma ferramenta de legitimação de uma forma de pensar que se
pretendia a mais apropriada e mesmo necessária.
Em meio a esses meandros
políticos e de busca pela legitimação de uma forma de pensamento, a população
se viu distanciada de sua cidadania e de seus direitos à participação política,
de certa forma refém desses maquiavelismos engendrados pelos republicanos desde
o início do processo de proclamação até após sua conclusão, o que teve como
efeito colateral o aumento na dificuldade de se tentar estabelecer uma idéia de
identidade nacional e uma alienação em termos de participação política – que,
poderia se dizer, dura até hoje – para os cidadãos.
A História tem se mostrado uma
eterna luta pela memória, entre agentes que desejam a todo instante se
estabelecer e tornar símbolos de culto da posteridade, e, nesse sentido, cabe
ao historiador desconfiar dos mitos estabelecidos e voltar um outro olhar aos
acontecimentos, buscando nuances então desconhecidas, personagens que, apesar
de não terem sido registrados na história como heróis, tiveram participação relevante
para o desenrolar dos fatos entre outras peculiaridades não captadas pela
historiografia dita oficial.
Mais que isso, torna-se
desnecessária e sem sentido uma tentativa, aos moldes positivistas, de reproduzir
os acontecimentos visando encontrar a “verdade” dos fatos, e parece mais útil,
e mesmo necessário, analisar a luta pela memória que se estabelece entre os
atores do processo, que buscam incessantemente a afirmação de seus próprios interesses.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
CARVALHO, José M. A Formação das Almas: o
imaginário da República do Brasil. Companhia das Letras. São Paulo, 1990.
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