domingo, 18 de março de 2012

Da necessidade de um novo olhar sobre a Proclamação da República


Da necessidade de um novo olhar sobre a Proclamação da República

Thiago da Silva Paz

No que concerne aos processos relativos à Proclamação da República, de imediato nos vem à mente a figura de Deodoro da Fonseca como grande figura e peça chave da nossa república, e a memória que se estabeleceu a respeito de Deodoro é a de homem excepcional, que serve de exemplo e que deve ser lembrado pela posteridade por ter levado a cabo um processo “necessário” por si só e pelos seus meios, ou seja, através do exército, sem o qual a República, esta também a “única possível” não teria sido instaurada.
Para o historiador José Murilo de Carvalho, havia na verdade uma disputa entre os projetos republicanos, que ia muito além de projetos políticos, mas que englobava também a busca pela afirmação de uma ideologia e de um discurso que deveria ser oficializado e legitimado pela História. As figuras de destaque desse conflito foram Deodoro da Fonseca, com seu projeto que visava essencialmente os interesses dos militares na política, Benjamin Constant, cujos seguidores tiravam suas bases para a república do Positivismo, que via na república um progresso político para o Brasil, e Quintino Bocaiúva, de orientação militarista e opositor de Benjamin Constant, que advogava por uma democracia representativa baseada no modelo dos Estados Unidos.
Um outro fator a ser considerado para a proclamação da República foi o fato de a abolição da escravidão não ter sido bem aceita pela elite monocultora, e isto, aliado ao fato de que a monarquia se mostrava incapaz de resolver o problema da inserção do negro na sociedade – problema este que se mostra sintomático da dificuldade de se estabelecer uma identidade nacional brasileira –, abriu espaço para o projeto igualitário dos republicanos que eliminava as distinções entre brancos e ex-escravos, mesmo que tal igualdade não se estabelecesse de facto, mas apenas de jure. Isto é, ainda que estivesse legalizada, não estava em acordo com as práticas sociais da época. Mas mesmo após a proclamação, ainda restava outro ponto crucial: como mudar o inconsciente coletivo brasileiro. Ou seja, muito mais que um marco em termos políticos, a proclamação da República deveria agir no sentido de introduzir uma nova forma de pensamento na população que recém abandonara um regime para adotar outro.
Os republicanos necessitavam de medidas eficazes para introduzir essa nova forma de pensar nas mentes das pessoas, e para isso se utilizaram da figura idealizada de Tiradentes, herói nacional de caráter messiânico, martirizado em nome da liberdade que serviu, em último caso, como mais uma ferramenta de legitimação de uma forma de pensar que se pretendia a mais apropriada e mesmo necessária.
Em meio a esses meandros políticos e de busca pela legitimação de uma forma de pensamento, a população se viu distanciada de sua cidadania e de seus direitos à participação política, de certa forma refém desses maquiavelismos engendrados pelos republicanos desde o início do processo de proclamação até após sua conclusão, o que teve como efeito colateral o aumento na dificuldade de se tentar estabelecer uma idéia de identidade nacional e uma alienação em termos de participação política – que, poderia se dizer, dura até hoje – para os cidadãos.
A História tem se mostrado uma eterna luta pela memória, entre agentes que desejam a todo instante se estabelecer e tornar símbolos de culto da posteridade, e, nesse sentido, cabe ao historiador desconfiar dos mitos estabelecidos e voltar um outro olhar aos acontecimentos, buscando nuances então desconhecidas, personagens que, apesar de não terem sido registrados na história como heróis, tiveram participação relevante para o desenrolar dos fatos entre outras peculiaridades não captadas pela historiografia dita oficial.
Mais que isso, torna-se desnecessária e sem sentido uma tentativa, aos moldes positivistas, de reproduzir os acontecimentos visando encontrar a “verdade” dos fatos, e parece mais útil, e mesmo necessário, analisar a luta pela memória que se estabelece entre os atores do processo, que buscam incessantemente a afirmação de seus próprios interesses.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

CARVALHO, José M. A Formação das Almas: o imaginário da República do Brasil. Companhia das Letras. São Paulo, 1990.

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