Paulo Luiz de Mendonça*
Existe uma área interessantíssima, dentre tantas outras, a ser
pesquisada pelos historiadores, que é o estudo dos valores que cada sociedade
em cada tempo tinha e que ajudaram a formar as diferentes culturas. Valores que podem ser analisados dentro da
denominada psicologia histórica “visto
que ela vincula os debates sobre motivação consciente e inconsciente àqueles
sobre as explicações individuais e coletivas” ¹, ou seja, busca o entendimento
sobre a história da ambição, da raiva, da ansiedade, do medo, da culpa, do
orgulho, do amor, da hipocrisia, enfim, de todas as emoções humanas que possam
ajudar na compreensão das motivações que levaram a determinados processos.
Dado ao escasso espaço para análise dos muitos aspectos dos textos
estudados, procurei ater-me a um aspecto que considero importante na construção
de qualquer sistema social, e no caso particular, de uma república: os valores
que levaram os Estados Unidos, a França e o Brasil à formação de seus respectivos
sistemas políticos.
José Murilo de Carvalho destaca um anseio presente ao longo da História
humana: a liberdade. Destaca que, no
período pós-1776, a liberdade do homem
público estaria cada vez mais distante da realidade dos modernos, ou seja, a liberdade do homem privado. Essa liberdade consolidaria o modelo da
representação política e não mais o do envolvimento direto, utopicamente cada
vez mais distante, dado o aumento da complexidade dos sistemas econômicos, que
demanda tempo de um grupo de pessoas (políticos profissionais) que tem que se debruçar
em tempo integral em busca da condução dos negócios da sociedade. O regime político que vinha se
consolidando, desde o século XVIII, como uma forma de se combater o Ancien Régime e se buscar essa nova
liberdade era a república moderna.
Na formação da república no Brasil havia “pelo menos três modelos de república à
disposição dos republicanos brasileiros.
Dois deles, o americano e o positivista, embora partindo de premissas
totalmente distintas, acabavam dando ênfase a aspectos de organização do
poder. O terceiro colocava a intervenção
popular como fundamento do novo regime, desdenhando dos aspectos de
institucionalização.”² Enquanto que na
França, a Revolução de 1789 obteve ativa participação popular, onde “O Terceiro
Estado obteve sucesso, contra a resistência unificada do rei e das ordens
privilegiadas, porque representava não apenas as opiniões de uma minoria militante
e instruída, mas também a de forças bem mais poderosas: os trabalhadores pobres
das cidades, e especialmente de Paris, e em suma, o campesinato revolucionário.”³
, no Brasil o jacobinismo estava fadado ao fracasso dada a quase inexistente
participação popular nas decisões políticas.
Os positivistas ortodoxos, com sua resistência ao parlamentarismo, seu modelo
de sociedade baseado numa “Religião da Humanidade”, tendo como proposta a visão
comtista de que a sociedade deveria valorizar “as formas de vivência
comunitária, a família, a pátria e, como culminância do processo evolutivo,
humanidade”4, contrastavam com os adeptos do modelo
americano, onde a valorização do individualismo, com o interesse público sendo a
soma dos interesses individuais, o liberalismo, o federalismo, o sistema
bicameral, saíram vitoriosos nas batalhas pela mudança de regime e pela
construção da nação brasileira, sendo este último um modelo muito mais
interessante à poderosa elite rural que aderiu rapidamente ao novo regime
político brasileiro.
Porém, a formação da república brasileira não se ateve apenas a um
confronto entre três modelos republicanos.
As adaptações que cada modelo
teria que fazer para se tornar vitorioso é que estão dentro do espectro dos
valores que os brasileiros tinham e que levariam em conta na hora da escolha do
modelo que melhor se adaptasse aos interesses da elite nacional. Em um país altamente hierarquizado e com
uma imensa concentração de poder, onde a escravidão jurídica havia terminado apenas
um ano e meio antes da derrota da Monarquia, mas as brutais permanências se
mostravam presentes nas condições sociais dos “libertos”, o jacobinismo não
teria como se sair vitorioso. “A igualdade jacobina do cidadão foi aqui
logo adaptada às hierarquias locais: havia o cidadão, o cidadão-doutor e até mesmo o cidadão-doutor-general.” 5
A idéia de positivista de ditadura republicana tinha um forte apelo aos
militares brasileiros, importantes elementos na passagem do regime monárquico
ao republicano.
Se por um lado um governo militar seria, pelas teses positivistas,
considerado um retrocesso social, por outro, a realidade brasileira impôs ao
modelo uma variante importante ao positivismo:
a valorização das ciências através do preparo técnico-científico dos
militares brasileiros.
A já citada concentração de poder, o autoritarismo, a presença
afirmativa dos militares e a não participação popular desembocaram na vitória
do modelo liberal à brasileira: “O espírito de especulação, de enriquecimento
pessoal a todo custo, denunciado amplamente na imprensa, na tribuna, nos
romances, dava ao novo regime uma marca incompatível com a virtude republicana.” 6 Modelo que, apesar de
denominar-se “americano”, tinha, como nos outros dois, também que fazer suas
adaptações para ser consolidado ao regime republicano brasileiro. Nos Estados Unidos, primeiramente aconteceu a revolução para a partir de então serem
lançadas as bases para a construção da organização do poder da sociedade,
baseada nos interesses comuns da federação.
A credito que não só o sentimento de nacionalidade existente na França,
em decorrência das duas frentes em que os revolucionários franceses tiveram que
lutar para a sobrevivência da nação após a queda do Antigo Regime, a defesa da
Revolução contra os ataques estrangeiros e a expansão dessa mesma Revolução
pela Europa, bem como não só a afirmação dos valores dos colonos americanos com
relação aos sentimentos para com os Estados Unidos após a expulsão dos ingleses,
explicariam a diversificação da participação popular na implantação de seus
respectivos regimes republicanos, mas seria um importante “cimento”,
inexistente no Brasil, na construção dessas nações, e representaria um
importante elemento nas culturas políticas desses países onde o “conjunto de
valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por
determinado grupo humano, que expressa uma identidade coletiva e fornece
leituras comuns do passado, assim como fornece inspiração para projetos
políticos direcionado ao futuro”7 estariam bem presentes.
* Graduando em História
pela Universidade Federal de Pernambuco.
1. BURKE, Peter. A Escrita da História, p. 33
2. CARVALHO, José
Murilo. A Formação das Almas:
o imaginário da república do Brasil, p. 22
3. HOBSBAWN, Eric
J. A
Era das Revoluções, p. 78
4. CARVALHO, José
Murilo. A Formação das Almas:
o imaginário da república do Brasil, p. 22
5. Idem, p. 26
6. Ibidem, p. 30
7. SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. Desafios e possibilidades na apropriação
de cultura política pela historiografia. In Culturas Políticas na
História, p. 21
Bem formulado. Mas ainda penso que poderia ter lançado questões ao processo...
ResponderExcluir