domingo, 18 de março de 2012

Construindo a República: comparações entre os diferentes sistemas republicanos a partir dos valores das sociedades americana, francesa e brasileira


Paulo Luiz de Mendonça*



Existe uma área interessantíssima, dentre tantas outras, a ser pesquisada pelos historiadores, que é o estudo dos valores que cada sociedade em cada tempo tinha e que ajudaram a formar as diferentes culturas.    Valores que podem ser analisados dentro da denominada psicologia histórica “visto que ela vincula os debates sobre motivação consciente e inconsciente àqueles sobre as explicações individuais e coletivas” ¹, ou seja, busca o entendimento sobre a história da ambição, da raiva, da ansiedade, do medo, da culpa, do orgulho, do amor, da hipocrisia, enfim, de todas as emoções humanas que possam ajudar na compreensão das motivações que levaram a determinados processos.

Dado ao escasso espaço para análise dos muitos aspectos dos textos estudados, procurei ater-me a um aspecto que considero importante na construção de qualquer sistema social, e no caso particular, de uma república: os valores que levaram os Estados Unidos, a França e o Brasil à formação de seus respectivos sistemas políticos.

José Murilo de Carvalho destaca um anseio presente ao longo da História humana: a liberdade.   Destaca que, no período pós-1776, a liberdade do homem público estaria cada vez mais distante da realidade dos modernos, ou seja, a liberdade do homem privado.    Essa liberdade consolidaria o modelo da representação política e não mais o do envolvimento direto, utopicamente cada vez mais distante, dado o aumento da complexidade dos sistemas econômicos, que demanda tempo de um grupo de pessoas (políticos profissionais) que tem que se debruçar em tempo integral em busca da condução dos negócios da sociedade.     O regime político que vinha se consolidando, desde o século XVIII, como uma forma de se combater o Ancien Régime e se buscar essa nova liberdade era a república moderna.

Na formação da república no Brasil  havia “pelo menos três modelos de república à disposição dos republicanos brasileiros.  Dois deles, o americano e o positivista, embora partindo de premissas totalmente distintas, acabavam dando ênfase a aspectos de organização do poder.  O terceiro colocava a intervenção popular como fundamento do novo regime, desdenhando dos aspectos de institucionalização.”²  Enquanto que na França, a Revolução de 1789 obteve ativa participação popular, onde “O Terceiro Estado obteve sucesso, contra a resistência unificada do rei e das ordens privilegiadas, porque representava não apenas as opiniões de uma minoria militante e instruída, mas também a de forças bem mais poderosas: os trabalhadores pobres das cidades, e especialmente de Paris, e em suma, o campesinato revolucionário.”³ , no Brasil o jacobinismo estava fadado ao fracasso dada a quase inexistente participação popular nas decisões políticas.  Os positivistas ortodoxos, com sua resistência ao parlamentarismo, seu modelo de sociedade baseado numa “Religião da Humanidade”, tendo como proposta a visão comtista de que a sociedade deveria valorizar “as formas de vivência comunitária, a família, a pátria e, como culminância do processo evolutivo, humanidade”4, contrastavam com os adeptos do modelo americano, onde a valorização do individualismo, com o interesse público sendo a soma dos interesses individuais, o liberalismo, o federalismo, o sistema bicameral, saíram vitoriosos nas batalhas pela mudança de regime e pela construção da nação brasileira, sendo este último um modelo muito mais interessante à poderosa elite rural que aderiu rapidamente ao novo regime político brasileiro.

Porém, a formação da república brasileira não se ateve apenas a um confronto entre três modelos republicanos.   As adaptações que cada modelo teria que fazer para se tornar vitorioso é que estão dentro do espectro dos valores que os brasileiros tinham e que levariam em conta na hora da escolha do modelo que melhor se adaptasse aos interesses da elite nacional.    Em um país altamente hierarquizado e com uma imensa concentração de poder, onde a escravidão jurídica havia terminado apenas um ano e meio antes da derrota da Monarquia, mas as brutais permanências se mostravam presentes nas condições sociais dos “libertos”, o jacobinismo não teria como se sair         vitorioso.   “A igualdade jacobina do cidadão foi aqui logo adaptada às hierarquias locais: havia o cidadão, o cidadão-doutor  e até mesmo o cidadão-doutor-general.” 5    

A idéia de positivista de ditadura republicana tinha um forte apelo aos militares brasileiros, importantes elementos na passagem do regime monárquico ao    republicano.  Se por um lado um governo militar seria, pelas teses positivistas, considerado um retrocesso social, por outro, a realidade brasileira impôs ao modelo uma variante importante ao positivismo:  a valorização das ciências através do preparo técnico-científico dos militares brasileiros.

A já citada concentração de poder, o autoritarismo, a presença afirmativa dos militares e a não participação popular desembocaram na vitória do modelo liberal à brasileira:  “O espírito de especulação, de enriquecimento pessoal a todo custo, denunciado amplamente na imprensa, na tribuna, nos romances, dava ao novo regime uma marca incompatível com a virtude republicana.” 6     Modelo que, apesar de denominar-se “americano”, tinha, como nos outros dois, também que fazer suas adaptações para ser consolidado ao regime republicano brasileiro.    Nos Estados Unidos, primeiramente  aconteceu a revolução para a partir de então serem lançadas as bases para a construção da organização do poder da sociedade, baseada nos interesses comuns da federação.  

A credito que não só o sentimento de nacionalidade existente na França, em decorrência das duas frentes em que os revolucionários franceses tiveram que lutar para a sobrevivência da nação após a queda do Antigo Regime, a defesa da Revolução contra os ataques estrangeiros e a expansão dessa mesma Revolução pela Europa, bem como não só a afirmação dos valores dos colonos americanos com relação aos sentimentos para com os Estados Unidos após a expulsão dos ingleses, explicariam a diversificação da participação popular na implantação de seus respectivos regimes republicanos, mas seria um importante “cimento”, inexistente no Brasil, na construção dessas nações, e representaria um importante elemento nas culturas políticas desses países onde o “conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por determinado grupo humano, que expressa uma identidade coletiva e fornece leituras comuns do passado, assim como fornece inspiração para projetos políticos direcionado ao futuro”7 estariam bem presentes.



* Graduando em História pela Universidade Federal de Pernambuco.



1. BURKE, Peter. A Escrita da História, p. 33

2. CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da república do Brasil, p. 22

3. HOBSBAWN, Eric J.   A Era das Revoluções, p. 78

4. CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da república do Brasil, p. 22

5. Idem, p. 26

6. Ibidem, p. 30

7. SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política pela historiografia. In Culturas Políticas na História, p. 21

Um comentário:

  1. Bem formulado. Mas ainda penso que poderia ter lançado questões ao processo...

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