segunda-feira, 16 de abril de 2012

Resenha do livro: Os Bestializados.


Saulo Araújo da Silva.


Este livro, escrito por José Murilo de Carvalho, conta alguns aspectos do Rio de Janeiro e também do começo da República. Nele encontramos traços da nossa atual política, ou melhor, o germe dela. Mas não só isso, o livro apresenta alguns fatos que ocorreram por causa da Proclamação da República.

Mas antes devemos rever alguns momentos que passaram as pessoas, atores importantes deste livro, além das Instituições, que, por insuficiência de capacidade (incompetência) ou por má-fé fizeram do Governo Central e, em especial, do Rio de Janeiro, senão o todo, mas, parte do que ele é hoje, e também porque não dizer no nossa “pátria amada idolatrada salve-salve!”.

O livro remonta ao fim da monarquia e repassa alguns momentos importantes que são cruciais para o que vem adiante. Por exemplo, fala sobre o fim da escravidão ainda no fim da Monarquia, o que resultou em duas coisas interessantes, a primeira é a criação em massa de desempregados e subempregados que foram criados a partir de então, e outra é um enorme grupo de negros que serão adeptos da monarquia como forma de governo, e que irão ser os principais alvos da polícia a partir de então. Outro elemento é o alto número de pessoas, em especial de homens, que apareceu no Rio de Janeiro nesta época, e que ajudaram a engrossar a massa popular fluminense. O que fez até Evaristo de Moraes, em 1892, observar que na capital havia “gente desocupada em grande quantidade, sendo notável o número de menores abandonados” (pag. 18). Além desse “elogio” o embaixador de Portugal afirmava que a capital estava cheia de gatunos, e, além disso, foi confirmado que os casamentos eram poucos, dando margem para esses abandonados mirins. Já a população era diversificada, pois nela havia ladrões, prostitutas, desertores, ambulantes, pivetes, malandros, ou seja, todos aqueles que são potencialmente candidatos a irem às prisões sejam por vadiagem, embriaguez, ou alguma desordem que seja.

Também tem a questão das habitações, verdadeiros aglomerados urbanos. Um sem número de pessoas que por não ter tido oportunidade de melhorar na vida, além é claro, de uma quantidade imensa de ex-escravos, que agora libertos têm que encontrar sustento de maneira própria, dividem o mesmo lugar no espaço em verdadeiras organizações domiciliares (que o autor chama de república) da qual se damos o nome de cortiço. E essa multidão unida pela pobreza sofria muito com doenças, principalmente no verão. Mas quando ele não chegava viviam com o problema de falta d’água, fora as doenças como malária, tuberculose (mais tradicionais), varíola, febre amarela, etc.

Nessa época a economia não estava muito bem, o Estado intervia de maneira ineficiente na economia, um exemplo era o encilhamento, que aumentou o número de papel-moeda de modo que a especulação tomasse conta da cidade. Com essa situação especulativa como ordem do dia, os preços subiram o que complicou e muito a situação da população mais carente, e ficou mais grave quando o governo resolveu aumentar os preços dos produtos importados, produtos estes que faziam parte de maior parcela de consumo da sociedade.

Com essas insatisfações cresceu um movimento chamado de Jacobismo, que escolheram os portugueses como principal bote expiatório para os problemas de falta de emprego, visto que imigração era um deles. Apesar disso a proclamação da República trouxe um espirito de renovação à população brasileira, em especial a carioca, devido ao fato de que, antes as maiores atuações politicas que queriam a mudanças de governo central viam das províncias, essa não, veio da capital, o que fez com vários segmentos da população tentasse participar da vida pública de forma mais efetiva. Um exemplo são os militares, que brigaram, e muito, entre si, para ver quais das Forças, iriam liderar o politicamente o país. Além disso, tinham os operários que se organizaram em partidos para melhor defender seus interesses, que haviam sido prejudicados seja pela crise econômica. Havia dois grupos que foram muito perseguidos pelo regime estabelecido, um deles foram os anarquistas e dos capoeiras.

Politicamente a nova República não trouxe nada de novo, apenas impulsionou as ideias antigas com maior força. Existiam dois grupos que se destacam. Os liberais spencerianos e federalistas e outras corrente que se inspirava na Revolução Francesa, que alguns chamam de Revolução Divina. Havia os positivistas que até fundaram um igreja. E por último, mas não menos importante, a ala esquerdista, formada pela classe média e depois, os anarquistas que não acreditavam mais nos rumos políticos que a nova república estava tomando. Mas nessa época foram os intelectuais, como Raul Pompéia, Olavo Bilac, Guimarães Passos, que comandaram uma enorme oposição ao governo, até a chegada de Floriano, quando, para evitar a prisão alguns fugiram.

A república, para alguns foi um avanço, para outros um atraso. O que reforça este último argumento é a “síndrome do enriquecimento” que aconteceu na época. Houve dois momentos interessantes, um é quando afirma que “a saída da figura austera e patriarcal do velho imperador, que imprimia forte marca na elite política e mesmo em setores mais amplos da população, significou a emancipação dos que seriam simbolicamente seus filhos”. (pag. 26), como se o imperador fosse uma espécie de controle social para a falta de ética nas relações entre as pessoas e por tabelas um defensor contra a corrupção, o que se sabe não era bem isso que acontecia no Império, o que na mesma página da citação anterior fala que houve o espírito do capitalismo, mas, nem de longe apareceu a ética protestante. Existe uma passagem que exemplifica bem essa nova realidade que passa esse novo regime “o que antes era feito com discrição, ou mesmo às escondidas, para fugir à vigilância dos olhos imperiais, agora podia ser gritado das janelas e dos coches, era quase motivo de orgulho pessoal e de prestígio público.” (pag. 27).

E essa falta de moralidade também veio à vida social. Os inúmeros casos de casamentos ilegítimos, baixa nupcialidade acusam isso. O Rio se apresentava para aqueles que viveram ativamente o Império, ou parte dele, como uma cidade voltada para os prazeres da carne, mundanos, sem escrúpulos, nem dignidade. A família tradicional como se via no interior não existia mais. Era a cidade dos malandros, da jogatina, das prostitutas, da depravação moral, dos meninos de rua, de tudo que era execrável e feio aos olhos. Tentou-se acabar com essas práticas, atacando principalmente os capoeiras, mas o jogo foi de certa forma legalizado pelo novo Governo, o que desfazia todo o trabalho da polícia.

Todas essas ações fazem com que o Governo Central fique mais e mais longe de cair nas graças da população. Primeiramente pela sua abrupta formação, sem a “chance” do povo se acostumar com a ideia de presidente e etc. A outra é que a monarquia caiu no auge da popularidade, visto que foi um pouco depois do fim da escravidão. Essa ação fez com que mesmo depois do Império a data de aniversário de Dom Pedro, 2 de dezembro, fosse comemorada pelos negros. A população pobre, em especial negra, não apoiava de maneira nenhuma a república, um exemplo disso foi à formação da Guarda Negra, por José do Patrocínio. A destruição de um cortiço que ficou famoso na obra de Aluísio de Azevedo, o Cabeça de Porco pela polícia, na tentativa de acabar com os capoeiras é outro fato que deixa os pobres raivosos com a República. Por conta dessas atitudes, ficou cristalizado na mentalidade da população mais carente que todas as ações feitas pelo novo governo eram nocivas. Um exemplo desse engano que custou além de dinheiro público, vidas humanas foi o que chamamos de Revolta da Vacina.

Quem ajudava muito nesse clima de instabilidade eram as Forças Armadas que se juntaram aos civis para manifestações. Foras isso tinham as próprias manifestações militares como golpe de estados mal sucedidos, tumultos e greves próprias. Verificou-se então que uma das maneiras de melhor governar era tirá-los dos centros de poder e diminuir ao máximo a atuação da população na política do país. É aí que entra a figura de Campos Sales, no que nós chamamos de política das oligarquias, onde para poder governar o governo central apoiava nas oligarquias dos estados, fazendo delas base de apoio para as políticas feitas na capital do país. “É de lá [dos estados] que se governa a República, por cima das multidões que tumultuam agitadas, nas ruas da capital e da União. A política dos estados […] é a política nacional”. (pág. 33)

Essa atitude se dá porque o Rio de Janeiro não se governa por si só. Lembremos: éramos um país governado economicamente pelos ruralistas e a sociedade heterogênea não dava o apoio necessário para essa classe quisesse fazer o bem quisesse com o país. Para impedir qualquer ação contrária ao governo central, foi dissolvida a Câmara Municipal e no seu lugar ficou o Conselho de Intendência que durante um tempo ficou sendo independente nas suas ações. Mas com seu Código de Postura desagradou muita gente e foi “rebaixado”, tendo que agora passar suas ordens pelo crivo do governo central (do Ministro do Interior) para depois ser aprovado. Nessa época foi criou-se o prefeito, que era indicado pelo governo central, enquanto os intendentes eram eleitos. No fim das contas quem ganhou foi a União, pois o prefeito não governava sem ela, e os Conselhos não tinham poder suficiente para se opor os prefeito. Com isso os prefeitos governavam tiranicamente e as eleições eram usualmente fraudadas. O que acontecia então? Os prefeitos eram indicados e na maioria das vezes eles eram de fora do estado, o que não ajudava muito, visto que ele não conhecia os problemas da cidade. E não eram pessoas ligadas ao povo, eram pessoas que tinham um nível técnico, o que (nos relembra a influência do positivismo) e muito autoritários, lembrando que quem numa república iria frear as suas ações eram as Câmaras, que foram dissolvidas.

Essas atitudes fizeram com que um ala, as dos intelectuais, se dispersasse e não mais lutasse a favor das reformas como antigamente, ao invés disso aceitaram cargos no governo (ou seja, pelegos!). Sem oposição oficial (as Câmaras), nem a oposição social (os grupos segmentdos da sociedade) a política nacional começou a se transformar no que temos hoje, funcionários públicos em falcatruas, grandes empresários patrocinando campanhas e obtendo lucros exorbitantes após a eleição do seu candidato, ou seja, “o marginal vira cidadão, e o cidadão era marginalizado”. (pag. 38).

Contudo, existia outra República, a dos “cidadãos da periferia”. Aqueles que mesmo não obedecendo ao Governo Central, tinha respeito pela ordem, a ordem dos cortiços, da matriarcalidade, à cultura de seus ancestrais. E essa ordem era a mais sagrada, pois a União prende e solta, mas nas “repúblicas de cortiço”, como dizia Aluísio de Azevedo, por mais bagunçada e desorganizada que ela possa parecer era a única que não podia ser infringida.

Longe dessas repúblicas iniciava-se uma reforma na cidade. Uma reforma que demonstrava que as ideias americanas ficaram na politicas. O Rio queria ser Paris. E não mediram esforços para isso, higienizaram a cidade a tal ponto que uma poetiza francesa escreveu um livro de poemas chamado “La Ville Merveilleuse”. Fizeram uma luta contra promiscuidade e seus derivados, escondendo o Brasil “feio”, mestiçado e negro, e mostrando uma Paris brasileira, civilizada e branca.

Contudo, a miscigenação da população se fez, lenta e gradualmente, mas se fez. E como consequência, o português e seus fados se encontraram o negro e seu samba. O subterrâneo se fundiu com o sobreterrâneo fazendo surgir, por exemplo, o carnaval e o futebol.

Como já vimos anteriormente, a República não trouxe nenhuma ideologia nova para a pátria recém-formada, mas existe algo que aconteceu com as ideologias por aqui foi a mistura. E dessa mistura fez-se as correntes políticas do Brasil. Também vimos que a corrida incessante de enriquecimento a qualquer custo surpreendeu tanto aos monarquistas, como aos republicanos mais fanáticos que não viam com bons olhos tais atitudes de pessoas sem escrúpulos tentando ganhar dinheiro na base da especulação financeira, em algumas vezes com o dinheiro alheio. Mas existe algo que foi importante nesta época, a mentalidade coletiva. O que chamamos de Liberalismo, muitos acham que veio com o advento da República, mas isso não é correto, pois este liberalismo já estava presente no Império, com a Lei de Terras e o fim da escravidão. As mudanças republicanas vieram de forma não muito democrática, exemplo disso é que antes da República 10% da população votava, quando houve a mudança de Governo isso passou para 1%, isso porque a partir de agora se precisava ser alfabetizado para votar. E Rui Barbosa, defensor das liberdades, foi um dos principais responsáveis por isso.

Nessa época apareceu a definição, exposta por Pimenta Bueno, de cidadão ativo e cidadão inativo ou cidadão simples. Os primeiros são aqueles aptos, segundo o governo central, a praticar esse ato de cidadania que é votar em pessoas que possam ser votadas, ou seja, seus iguais; enquanto o segundo grupo é a população em geral, que muito esperava desse novo governo. Mas esqueceram de dizer que direitos civis, são diferentes de direitos políticos. Não disseram ao segundo grupo que somente os primeiros têm acesso ao jus civitatis romano, onde mulheres, escravos e estrangeiros não tinham vez nem voz. Porque o voto, antes de qualquer coisa, “é uma função social, e um dever” (pag. 44). E como analfabetos não cumprem nenhuma função social, visto que são apenas mão-de-obra a ser explorada por aqueles que têm essa função, a República frustra as vontades dessa parte da população por mais participação na vida pública. Mas isso, como muitas coisas feitas pelo Estado, não foi feita por fazer. Mesmo analfabetos escolares, muitos não deveriam ser analfabetos políticos, e a partir do momento que eles não podem votar nem ser votados o Estado os retiram da vida pública ativa, tirando também do Estado a obrigação de educá-los, visto que seria como se diz no dito popular “criar um monstro”.

Essas ações veem para mostrar e talvez desmistificar a ideia que a República é a responsável pelos maiores avanços em relação aos direitos individuais. Não podemos negar que houve avanços como o fim do Poder Moderador, o fim da vitaliciedade do Senado, o federalismo e sua descentralização, e o mais importante, pelo menos para este que escreve é a imposição da laicidade do Estado. Contudo, o Governo colocou o Estado nas mãos dos setores dominantes (sejam eles rurais ou urbanos) e mais na frente veremos que nas mãos das oligarquias estaduais. Visto que o Império empacava uma dinamização da economia e o novo governo tirava a força dos segmentos sociais que eram contra essa dinamização.

Mas existiam aqueles que defendiam a presença da população na vida política do país, como silva Jardim e Luís gama e Lopes Trovão. Eles defendiam uma ditadura republicana, talvez inspirada em Robespierre. Mas Silva Jardim teve um fim trágico, pois chamado para atiçar a população a se rebelar achava que iria ser eleito para representá-los, mas foi boicotado pelo seu próprio partido. Uma pena. Mas devemos nos lembrar de que esse republicano inveterado defendeu os direitos da população mais carente, criticando a falta da extensão da cidadania para os cidadãos inativos e mostrando que a ideia de ditadura republicana era quando “o ditador era a encarnação da vontade coletiva e o instrumento da sua ação, sem que fosse necessária eleição formal, bastando a sanção implícita, como expressamente admitia o Manifesto do Partido Republicano de Pernambuco de 1888” (pag. 47). Mas porque relacionar uma manifestação de uma província com as ideias de uma pessoa para um país? Porque aqui entra em cena uma questão importante que a utilização do nome e significado da palavra pátria. A palavra em questão é referência a província, ou seja, naquela época essa questões regionais eram muito presentes, não que hoje não seja, é claro. Isso se dá porque a pátria unia as pessoas, mesmo se fossem diferentes em relação ao gênero, ao social, a cor de pele, e a cultura em geral, visto que a República abrange vários, inúmeros personagens sociais e políticos.

Um grupo que se movimentou muito para demonstrar sua opinião em relação à política foi a dos militares. Como membros do governo era bem reduzido o campo de atuação. Por isso se encarregaram de elaborar maneiras de melhor uma estratégia para atuar no ramo da política nacional, já que seus direitos eram deveras limitados. Para melhor atuação criaram o termo soldado-cidadão, que teve inspiração no positivismo. A principal reinvindicação dos militares, em especial dos praças, era a liberdade política, ou melhor, seus direitos, em especial de votar e ser votado. Querem se tornar cidadãos plenos ou soldados-cidadão. Antes de continuar distingamos exército e a guarda nacional.

A segunda foi formada ainda na época da Regência pelo padre Feijó, inspirado na Francesa, pelo direito do cidadão poder fazer parte de um “exército” que defenderia a pátria, criando o cidadão-soldado. O exército queria o oposto. Fazer dos soldados pessoas ativas, uni-las a população, mostrar que ele é uma extensão armada do povo. E alguns republicanos trabalharam essa ideia como Raul Pompéia quando afirma “O exército brasileiro é plebeu, e é pobre.” (pag. 50), outro que contribuiu para essa ideia foi Lauro Sodré. Mas existiam os mais exaltados e achavam que o povo e o exército deveriam ir às ruas. O instrumento que mais incentivava era os jornais, entre os vários, um chamado à Revolução que bravejava: “Nós soldados, e obreiros, artistas e operários, devemos nos confundir nas praças pública bradando a uma só voz: Revolução.” (pag. 51), contudo, era minoria. Jornais eram comuns nessa época. Existiam e veiculavam as ideias de cada segmento em questão, como a Gazeta do Operário (operários dos arsenais), a União do Povo (funcionários públicos, artistas e operários), o Nihilista (operários e Exército e Armada), o Artista (Tipografia Nacional, Casa da Moeda e dos arsenais).

Em 1889 começou uma situação difícil de acontecer, talvez pelo fato da heterogeneidade, era as associações entre os trabalhadores. Quem mais trabalhou neste sentido foi José Augusto Vinhaes. Mas antes é importante lembrar que Teixeira Mendes reuniu 400 trabalhadores da União e entregou a Comte uma lista de reivindicações que incluíam férias de 15 dias, descanso semanal, pensão a viúva entre outros desejos dos trabalhadores ao redor do mundo. Mas quem deu uma contribuição muito importante para o avanço dos direitos dos trabalhadores foi Vinhaes que serviu de interlocutor entre as massas trabalhadoras e o presidente da época, Deodoro da Fonseca. Ele conseguiu algo fabuloso que foi a retirada do Código Penal dos artigos que proibiam as greves e as coligações partidárias.

No Positivismo cidadania era uma coisa que deve ser restrita. Defendia os direitos civis e sociais, mas não os políticos, ou seja, defendia a família e ao trabalhador. O autor define bem o que pensava esses positivistas: “como vetava a ação política, tanto revolucionária quanto parlamentar resultava em que os direitos sociais não poderiam ser conquistados pela pressão dos interessados, mas deveriam ser concedidos paternalisticamente pelos governantes.” (pag. 54).

Contudo, existiam pessoas que não se comungavam com essas ideias, que se diziam socialistas como França e Silva, Evaristo de Moraes, Vicente de Souza, Gustavo Lacerda, entre outros. Dentre eles se destaca Evaristo de Moraes, que incentivou a criação de vários partidos entre os operários, como por exemplo, o Partido Socialista Operário (1895), mas não menosprezando os outros que também deram sua contribuição para a criação de outros. Mas infelizmente, mesmo trabalhando a autoestima e na representatividade do operariado, os partidos não tiveram muito tempo de vida.

Com o passar do tempo, verificou-se que o advento da república não trouxera todas as modificações que os trabalhadores esperavam, visto que a participação deles na vida pública era pequena, quase inexistente. Muito disso, é bom relembrar, se deve ao pensamento positivista, onde os trabalhadores têm seus direitos sociais garantidos (proteção à família, emprego), mas seus direitos políticos não (como o simples fato de votar e ser votado). Dessa desilusão política nasceu, ou melhor, floresceu os primeiros anarco-sindicalistas. Mas esses não são “carne nova no pedaço”, são antigos socialistas que se revoltaram com a situação estática de alguns colegas e radicalizaram suas ideias e atitudes, como nesta passagem: “os socialistas brasileiros viram-se logo num fogo cruzado: de um lado os que defendiam a cooperação direta com o governo, a estadania; e de outro, e cada vez mais, os anarquistas, que rejeitavam totalmente o sistema político.” (pag. 56).

E para apoiar a causa nasceram vários jornais. O primeiro foi O Despertar (1908), de José Sarmento. Depois vieram O Protesto , o Golpe, revista Asgarda, O Trabalhador, A Greve, revista Kultur, O Libertário, todas no começo dos anos de 1900. Além disso, surgiram várias organizações de classe, como Acorddem, O Marmorista, A Voz do trabalhador, entre outras.

Mas mesmo entre os anarquistas havia uma diferenciação que pode bastante clara, que era entre os comunistas e os individualistas. Mas, “o primeiro grupo, de longe o mais numeroso, (…), eram pela revolução social, pela abolição da propriedade privada e do Estado, mas admitiam o sindicalismo como arma de luta. O segundo grupo (…) também pregava a abolição do Estado, porém era contra toda a forma de organização que não fosse espontânea e queria a manutenção da propriedade privada após a revolução.” (págs. 57 58).

Entretanto, entre eles haviam mais semelhanças que diferenças. O “problema” era com os socialistas, que segundo ele eram inimigos irreconciliáveis. Essa antipatia residia, segundo os anarquistas, no discurso falso dos socialistas, e também na estadania que eles pregavam, quando não queriam a derrubada do Estado como queriam os anarquistas. Para os anarquistas “a ação operária deveria ser exclusivamente econômica, contra os patrões, se a intermediação do Estado, que alias, não passava de servos deles.” (pag. 59).

Outra discursão importante é a definição de pátria e cidadania. Enquanto a primeira está relacionada a questão da família, ou seja, do sentimental, do afetivo; o outro está relacionado com a defesa dos interesses do cidadão, ou seja, com algo mais prático, de interesse mais objetivo. Alguns beneficiam um conceito em detrimento do outro. O autor resolve esse dilema da seguinte maneira “a ênfase em um dos polos podem inviabilizar o outro. (…) as doses em que de misturam os dois componentes podem varias de povo para povo, mas para a construção de cidadania plena e estável é necessária que ambos estarem presentes” (pag. 61).

Porém os anarquistas desprezam o conceito de pátria, já que para eles sua casa não é conceituada por linhas imaginárias que separam pessoas e criam países, sua casa é o próprio mundo, e não há necessidade, por exemplo, de alistamento militar, pois iriam colocar membros da própria casa em conflito. Para tentar diminuir a ação dos anarquistas o governo começou a expulsar os imigrantes que faziam parte de organizações que tinham essa ideologia, coisas que outros países na Europa e nos Estados Unidos já faziam. Principalmente, voltando a questão do alistamento (também chamado de tributo de sangue), quando o governo, para amenizar a situação do alistamento o quis fazer por sorteio, fazendo com que os anarquistas pedissem a população que não respondessem a nenhum censo do governo, pois, isso seria usado para o sorteio militar. “A pátria é de quem rouba e explora, a pátria é o privilégio e o monopólio, a guerra uma monstruosidade filha do interesse da rapina. (...) nada de pátria trabalhadores, nada de militarismo”(pag. 62).

Todavia, os positivistas também tinha sua visão ideológica sobre pátria. Para eles, baseado no Apostolado, a pátria é o prolongamento da família (do amor materno), ou seja, a cidade nada mais era do um prolongar, uma extensão daquele sentimento que existia na casa do indivíduo. Daí que era importante o sentimento de patriotismo. E a naturalização para eles era um estorvo porque, como autor resume o pensamento quando diz “o sentimento de pátria não se impõe pela lei, desenvolve-se através de longo processo histórico de convivência.” (pag. 63) e se apoiam em Danton: “A pátria não se leva na sola dos sapatos.” (idem).

No Brasil os conceitos se misturam, e às vezes, se tornam outra coisa, e que grande parte da população estava situada na estadania, pois Rui Barbosa recebia vários pedidos de empregos de populares até autoridades.

A visão que alguns estrangeiros têm do Rio de Janeiro, e por tabela do Brasil (visto que achavam que o Rio como capital era onde iriam achar o maior número de pessoas ilustradas, ou pessoas que iriam lutar pelos seus direitos como cidadão, ou melhor, cidadão ativo) era péssima. Louis Couty afirma não haver povo no Brasil. Essas afirmações não deixam de ser verdadeiras, apesar de que se pararmos para analisar, elas carregam um pouco de etnocentrismo, visto que eles afirmam o que afirmam tendo como base seus países, esquecendo que a história de cada povo nos revela, ou nos alumia a direção que eles irão tomar no decorrer da sua existência, ou seja, a cidadania que eles tanto procuram no povo brasileiro está ainda em formação (e não no nascedouro), visto que antes havia alguns personagens históricos que lutaram pelos seus direitos como a Revolta do Vintém de 1880, que o próprio autor cita, e outras posteriores como a Revolta da Armada e a da Vacina.

Para os europeus a falta de uma burguesia forte, seja rural ou urbana. Eles ainda criticam a facilidade de como o Governo impõe as coisas à população e como a apatia dela os assombra. O embaixador francês Amelot afirma sobre o tema: “No Rio não há nem povo, nem operários, nem artífices, [apenas] alguns grupos de pessoas de cor, fáceis pretorianos cujas aclamações se compram a baixo preço.” (pag. 67).

Mas, infelizmente era assim a maioria da população no Rio no começo da República, totalmente apática, desinteressada pela vida pública, e apenas preocupada com seus interesses próprios, ou seja, com sua própria sobrevivência. O que para o governo central era ótimo, visto que essas pessoas não reivindicariam seus direitos nem atrapalharia suas ações, que na maioria das vezes eram corruptas ou, no mínimo, questionáveis. Esses fatos aos poucos foram desencantando aqueles que tanto lutaram pela República, a coisa que o povo deveria tomar conta. Tal sentimento se resume da seguinte forma: “era especialmente embaraços [para pessoas como Aristide Lobo e Raul Pompéia] admitir que o povo não parecia interessado no título de cidadão que se lhe oferecia e pelo qual passou a ser tratado”(pag. 69). Essa falta de organização popular se mostrava também em tumultos que se inicia de maneira repentina e acabava da mesma forma.

As manifestações que aconteceram no Rio nada mais eram que pessoas, que na maioria das vezes, eram manipuladas por figuras que habitavam as sombras da política, mas os palcos da vida dos moradores mais pobres, como por exemplo, um chefe de polícia chamado Sampaio Ferraz, que povoou Fernando de Noronha de capoeiras e as ruas do Rio com a bandidagem de sua confiança, ou seja, pela força ou pela ameaça, ele mandava e desmandava, sem nenhuma autorização prévia ditava suas regras e habitava de maneira sombria a lei, mas nos palcos da vida privada estava sempre presente, ou representado.

Aí entram em cena os defensores da República para tentar “salvar” o povo, Raul Pompéia mostra qual era o problema do Rio. Não era o povo em sim, e sim a quantidade deles. O problema é que havia mais de um povo no Brasil, ou seja, “Aqui há o povo; há mais que povo: há povos”. (pag. 73) O autor complementa: “Entre os povos havia o povo bom e o povo mau: o bom era o brasileiro republicano (…); o mau, o estrangeiro, particularmente o português, antinacional, monarquista”. (idem). Mas ele mesmo viu, com o passar do tempo que essa definição era totalmente errônea. Também percebeu que eles (os defensores da República) fizeram um grandioso aparato (baseado no americano) para a chegada do “cidadão”, mas ele não apareceu.

Analisando a situação do cidadão quantitativamente falando, se observa que, entre outras coisas, que os portugueses eram quem detinham grande parte das casas comerciais, e que havia um número muito forte na vida política operária, e por tabela nas greves que havia (o que já foi citado, e explica a enorme quantidade de deportações feitas no início da república) e essas manifestações fizeram com que Governo pusesse em prática, em 1890, a lei da grande naturalização, que se esperava a adesão em massas desses operários estrangeiros, mas quem aderiu, em sua maioria, foram os africanos. Isso de deve ao fato que alguns estrangeiros, como ingleses, franceses e italianos, por exemplo, não queriam ficar dependendo do Governo Central para resolver seus problemas ou sanar alguma necessidade. Diferentemente de Portugal, que mal conseguia tomar conta dos portugueses que por aqui moravam. Essa carência se contatava no fato de que alguns portugueses eram chamados para servir na Guarda Nacional e nas forças de terras e mar (o que eram o maior receio dos lusitanos). Como se vê, não há muitas vantagens em ser naturalizar.

Analisando a quantidade de pessoas que têm o direito de votar é quase 20% da polução, se vê que esse é número ainda menor, pois eles não o faziam porque não o queriam, diferentemente dos EUA aonde esse índice chega a 88%. Mas isso tem uma explicação. Primeiramente é a questão dos requisitos (alfabetismo e o censo) e a outra é que votar nada mudava para o cidadão ativo. Pois, o país estava afundado numa corrupção sem tamanho, ou seja, votar em ele “tanto faz, como tanto fez”. Além disso, votar era perigoso, pois, as ruas, nessa época do ano, se enchiam, mais do que o normal, de criminosos que iam defender seus “candidatos” na base da violência e da intimidação. Sem falar dos funcionários públicos que se viam pressionados pelo Estado para que seus votos fossem enviados paras seus respectivos “candidatos”. Sem eleitores de verdade, sem representação de verdade. Essa era a realidade do Rio de Janeiro, e do Brasil que se exportava para a Europa. E por fim, não se deve esquecer-se de citar Lima Barreto com suas analogias entre o Brasil e o país imaginário Bruzundangas, que mais do que nunca, é a realidade país e do tipo de política que se faz aqui nos trópicos, com seus personagens sem escrúpulos e aliados a pessoas de índole bastante duvidosa.

Como vimos anteriormente, oitenta por cento da população não eram “apta”, segundos os critérios da época, para poder votar, e muito menos ser votada. Isso mostra a situação de abandono que estava a população carioca naquele período. Entra presidente, sai presidente, e agora era a vez de Rodrigues Alves assumir a presidência da República.

Para resolver tal situação o presidente investiu em obras públicas, mas valendo salientar que esse também queria transformar o Rio de Janeiro numa Paris Tropical. E para isso ele deu total autonomia para duas pessoas fazerem as modificações necessárias para tal empreendimento: Pereira Passos (prefeito e engenheiro de formação) e Oswaldo Cruz (diretor do Serviço de Saúde Pública e médico sanitarista).

E como sabemos, essa reformas mudaram totalmente a vida e imagem do Rio de Janeiro que se conhecia. “Era como abrir o ventre da cidade velha.” (pag. 93). Talvez tenha começado aí o a “fase adulta” do germe que vai criar a Revolta da Vacina. Mas as ações não ficaram apenas no setor logístico da cidade, o setor humano também foi trabalho (ou segundo alguns, violado). Oswaldo Cruz criou as chamadas Brigadas Sanitárias, que eram compostas de um chefe, cinco guardas mata-mosquisto, operários da limpeza pública, e de oficiais da polícia. Eles utilizavam um método de prevenção já aplicado em Cuba contra aquelas doenças que mais afetavam a população na época: febre amarela e peste bubônica.

Mas as ações mesmo que com toda a boa vontade, com a intenção de cuidar das vidas das pessoas, e evitar uma proliferação maior de doenças, tiveram um efeito negativo na população que vivia nos “sobrados e mocambos” do Rio de Janeiro. A forma com que era tratada a população fazia com que se começassem vários tumultos na hora de se tomar essa vacinação. O resultado dessa desastrosa intervenção estatal culminou no que nós conhecemos de Revolta da Vacina.

As ações iam desde verdadeiras invasões nas casas das pessoas até multas por não tomar a vacina, que até virou lei, mas não pegou devido ao fato como foi implantado, ou seja, como lei, ao invés de uma recomendação, uma das razões maiores do desengano do povo com a República: a arbitrariedade.

Aqui na época, em especial, em Pernambuco, foi Barbosa Lima, que além de fundar o Instituto Vacinogênio e distribuir a vacina Jener para varíola, enviou um médico estudar microbiologia no Instituto Pasteur. Temos a figura de Alfredo Varela, mas de forma contrária, como fizeram muitos positivistas que acharam essa ação do Estado uma intromissão numa área que é do espiritual, e transformaram, alienando a população das várias formas possíveis, essa oposição como uma cruzada pessoal. Por mais que o Governo tentasse tranquilizar a população de que nada iria acontecer, ele queria uma garantia que todos fossem vacinados, e por isso requisitava como critério para várias atividades da população, como matrículas na escola, emprego público, entre outros, a vacinação.

Houve vários debates de como essa vacinação iria ser efetuada, e como argumento se colocou o fato de que já existia na Câmara inúmeros pedidos para tal coisa; entretanto, contra isso se colocava o argumento (que tem um fundo de verdade, por conta do passado nada bom nas relações entre o povo, o governo e sua obrigatoriedade no cumprimento de suas ordens em relação ao primeiro), no qual se colocava que isso feria, profundamente, a moral da família, ou melhor, da sofrida e não assistida família fluminense. Era um afronta, visto que o pobre chefe de família saia para trabalhar e um qualquer, um estranho, mal intencionado iria por suas mãos na sua mulher e filhas na sua ausência não dando chance para que o homem da casa a protegessem.

A partir daí precisamos abrir um pequeno parênteses e sempre voltar a falar desse assunto que é a propaganda que foi feita anti-vacinação por parte dos opositores do Governo (mesmo sendo republicanos) e dos monarquistas. Primeiramente é importante lembrar que todo, todo mesmo, tipo de ação foi feita por ambas as partes para validar seu ponto de vista. Desde comícios, passando pela Câmara, e terminando nos jornais que se posicionavam contra e favor dela. A vacina era somente para ser aplicada no braço, de maneira simples, medicinalmente falando. Mas as campanhas fizeram com que o povo acreditasse que deveria ser dado nos braços e nas pernas, o que, nos dias de hoje, para alguns, com a presença de familiares, não haveria muitos empecilhos, mas para a época era um verdadeiro absurdo. Absurdo esse que foi aumentado, imensuravelmente, com as afirmações que tais aplicações deveriam ser apenas na perna, numa região perto da virilha.

Houve na época quem defendesse que se fosse um médico da família não haveria problemas, mas o governo não aceitava e disse que seriam os da Brigada. Mas isso é muito pequeno, para explicar os conflitos que ocorreram entre a polícia e a população. No começo do que se chamou de Revolta da Vacina, e durante 2 ou 3 dias depois, o Rio de Janeiro virou uma zona de guerra que não faz vergonha a nenhuma Europa em guerra civil. Todos os segmentos da população participaram direta ou indiretamente da revolta. Ou melhor, das revoltas. Pois uma coisa que se aparenta é que no Rio cada um dos ramos do trabalho (gasoseiros, estivadores e até militares) estava desgostoso com o a maneira com a qual a República estava sendo gerida. Um prova disso é que no dia da proclamação da República houve um dos dias mais pesados em relação a conflitos, havia um ar pesado na cidade. Tanto que o desfile, clássico exemplo de orgulho das forças armadas, não ocorreu. Além disso, para se ter noção do tamanho da tensão que existia entre o governo e as várias partes que se unia num só grito de “abaixo à República”, engrossado seja pelo Centro de Classes Operárias (que estava mais para aliado do que para opositor, visto que defendia uma resolução mais pacífica com o governo), seja pelo União dos Trabalhadores, que eram totalmente contra qualquer conciliação com o governo, dada a sua tendência anarquista; foi chamado os B.I. de Lorena (SP) e de São João Del Rey (MG) para auxiliar as tropas do Rio, principalmente porque alguns batalhões se sublevaram e entraram em conflito com seus próprios párias, o que foi resolvido de maneira eficaz por parte do governo.

Algo interessante é falar sobre os revoltos. Dependendo de que lado você está muda completamente o perfil do indivíduo (o mesmo em relação aos jornais e suas matérias). Para a polícia as revoltas não foram obras da população (aqui vamos excluir os estrangeiros que atuaram, e muito nas revoltas que sucederam no país), que é trabalhadora, respeitadora das leis, e sim do “rebotalho ou fezes sociais, do facínora, do ladrão, do desordeiro de profissão, do ébrio habitual, da meretriz, do caftén, do jogador, do vagabundo e do vadio. O povo verdadeiro, o verdadeiro operário, tinha ficado à margem dos acontecimentos” (pág. 115).

Mas então como se apresenta devemos ver essas pessoas? Como um cidadão que não abriu mão dos seus direitos, já que foi incomodado pelo Estado mais do que deveria, e foi às ruas para frear essa tirania que muitos lutaram para derrotar e implantar a República? Ou como uma massa de pessoas que se perdem na igualdade de ideias (ou falta delas) e por isso nada mais faz que atenda a chamados de pessoas sem escrúpulos que as comandam da maneira que melhor desejarem e no momento que acharem mais oportuno? Essas respostas vão mudar de acordo de com as pessoas que fora perguntada. Se perguntar a Praia Preta, revoltoso que foi preso com uma camisa de força, afirmaria que ouviu George Washington e soube que quando a tirania impera, têm-se o direito de mudar, pegar em armas e derrubar o governo, porém se perguntado ao chefe de polícia Cardoso de Castro seria totalmente diferente, arruaceiros, desclassificados, e todos os preconceituosos adjetivos.

Enquanto isso as classes trabalhadoras passaram por momento de turbulência onde em um momento se notava que, apesar de era fraca, existia uma união entre elas, mas no momento que começa as revoltas elas se posicionam em lugares distintos, contra e a favor do governo. É aí que entra os líderes republicanos com a propaganda para trazer para o lado da oposição aqueles “indecisos” e mesmo os que eram a favor dela. O argumento era que o país esqueceu-se de seu povo, que agora, ao invés de terem respeito com o cidadão, coisas que reclamavam com a Monarquia, a República agora trata com violência qualquer manifestação de reinvindicação, seja por trabalho, seja por respeito à família, seja por melhores condições de vida.

Contudo, a pergunta fica no ar: por que este evento - Revolta da Vacina - fez do Rio de Janeiro um verdadeiro campo de guerra? O que ela tem de tão especial que a faz ser tão lembrada e revisada? Houve outros conflitos como a Revolta do Vintém, em 1880, quando a Monarquia aumentou em um vintém o preço dos bondes. Nessa ocasião a população também foi às ruas, viraram bondes, descalçaram ruas, derrubaram postes, mas numa proporção bem menor, quase insignificante se comparado a Revolta da Vacina. A questão tem duas razões que se relacionam. A primeira é a total decepção com a República, que viria a dar mais oportunidade aos trabalhadores (mas foi retida pela ação dos positivistas), que daria o status de cidadão ao indivíduo, que deixaria a responsabilidade com o povo, e que esse seria quem a guiaria, a preservaria, seja de desordeiros ou de lobos que se infiltram com pele de cordeiro na vida pública, e nada mais de pessoas que se aproveitam das beneficies que estar na máquina pública. Essa exclusão que faz do operariado (sabendo que se exclui da votação as mulheres) resultou na opção dele de não votar, como foi verificado anteriormente, e não se identificar com os políticos como iguais, ou seja, como cidadãos pertencentes a uma mesma cidade. Além disso, outro fator, que se relaciona com o primeiro é que uma coisa é você não respeitar os direitos políticos do povo, outra é tirar sua moralidade própria (não como povo, e sim como pai de família, por exemplo), o respeito a sua prole, seu lar, e isso é que o incomoda, e que o faz, mesmo sem uma direção nem coordenação específica, atuar de maneira defensora da sua moral, atacando o Estado. Junte os dois e temos a Revolta da Vacina. De um lado o Estado que não o respeita, e que impõe (mais) um ato obrigatório onde ele tem sua (já diminuído) figura de cidadão com direitos infringido e juntando-se a isso o desrespeito com a família, em especial com a mulher e a filha, que são maculadas quando um qualquer aplica-lhe uma injeção nas suas regiões íntimas, sem qualquer pudor daquele que o faz. Por isso que te(ê)m a(s) Revolta(s). O significado maior dessa Revolta, ou melhor, o “recado” que a população dá com ela é “mostrar ao governo que ele não põe o pé no pescoço do povo.” (pag. 139)

Em resumo, depois de fazer uma análise fica a pergunta: como o povo não aceita os desmando do Governo, mas mesmo assim não é que destruído nem muito menos quer existir fora da sua órbita de alcance (estadania)?

Aí vamos a Sociologia para explicar, e verificamos que a tradição que herdamos vem dos ibéricos, por conta da colonização, é de uma sociedade que não presa pelo individual, em outras palavras, precisamos do Estado, seja como provedor das nossas necessidades, seja como barreira para nossas ações. E aí que entra o cerne da questão. O povo é bilontra ou bestializado? Vê-se que o povo se não se considera nem age como cidadão, é alienado por não participar da vida pública, ou era bilontra porque se aproveitava das brechas que o Estado oferece e habita nesse espectro, fazendo valer suas próprias leis, usufruindo ao seu bel prazer? O autor responde isso quando afirma que os fluminenses sabiam que “a república não era para valer” e que “quem apenas assistia como o povo do Rio (…) estava longe de ser bestializado. Era bilontra”.Este livro, escrito por José Murilo de Carvalho, conta alguns aspectos do Rio de Janeiro e também do começo da República. Nele encontramos traços da nossa atual política, ou melhor, o germe dela. Mas não isso, o livro apresenta alguns fatos que ocorreram por causa da Proclamação da República.

Mas antes devemos rever alguns momentos que passaram as pessoas, atores importantes deste livro, além das Instituições, que, por insuficiência de capacidade (incompetência) ou por má-fé fizeram do Governo Central e, em especial, do Rio de Janeiro, senão o todo, mas, parte do que ele é hoje, e também porque não dizer no nossa “pátria amada idolatrada salve-salve!”.

O livro remonta ao fim da monarquia e repassa alguns momentos importantes que são cruciais para o que vem adiante. Por exemplo, fala sobre o fim da escravidão ainda no fim da Monarquia, o que resultou em duas coisas interessantes, a primeira é a criação em massa de desempregados e subempregados que foram criados a partir de então, e outra é um enorme grupo de negros que serão adeptos da monarquia como forma de governo, e que irão ser os principais alvos da polícia a partir de então. Outro elemento é o alto número de pessoas, em especial de homens, que apareceu no Rio de Janeiro nesta época, e que ajudaram a engrossar a massa popular fluminense. O que fez até Evaristo de Moraes, em 1892, observar que na capital havia “gente desocupada em grande quantidade, sendo notável o número de menores abandonados” (pag. 18). Além desse “elogio” o embaixador de Portugal afirmava que a capital estava cheia de gatunos, e, além disso, foi confirmado que os casamentos eram poucos, dando margem para esses abandonados mirins. Já a população era diversificada, pois nela havia ladrões, prostitutas, desertores, ambulantes, pivetes, malandros, ou seja, todos aqueles que são potencialmente candidatos a irem às prisões sejam por vadiagem, embriaguez, ou alguma desordem que seja.

Também tem a questão das habitações, verdadeiros aglomerados urbanos. Um sem número de pessoas que por não ter tido oportunidade de melhorar na vida, além é claro, de uma quantidade imensa de ex-escravos, que agora libertos têm que encontrar sustento de maneira própria, dividem o mesmo lugar no espaço em verdadeiras organizações domiciliares (que o autor chama de república) da qual se damos o nome de cortiço. E essa multidão unida pela pobreza sofria muito com doenças, principalmente no verão. Mas quando ele não chegava viviam com o problema de falta d’água, fora as doenças como malária, tuberculose (mais tradicionais), varíola, febre amarela, etc.

Nessa época a economia não estava muito bem, o Estado intervia de maneira ineficiente na economia, um exemplo era o encilhamento, que aumentou o número de papel-moeda de modo que a especulação tomasse conta da cidade. Com essa situação especulativa como ordem do dia, os preços subiram o que complicou e muito a situação da população mais carente, e ficou mais grave quando o governo resolveu aumentar os preços dos produtos importados, produtos estes que faziam parte de maior parcela de consumo da sociedade.

Com essas insatisfações cresceu um movimento chamado de Jacobismo, que escolheram os portugueses como principal bote expiatório para os problemas de falta de emprego, visto que imigração era um deles. Apesar disso a proclamação da República trouxe um espirito de renovação à população brasileira, em especial a carioca, devido ao fato de que, antes as maiores atuações politicas que queriam a mudanças de governo central viam das províncias, essa não, veio da capital, o que fez com vários segmentos da população tentasse participar da vida pública de forma mais efetiva. Um exemplo são os militares, que brigaram, e muito, entre si, para ver quais das Forças, iriam liderar o politicamente o país. Além disso, tinham os operários que se organizaram em partidos para melhor defender seus interesses, que haviam sido prejudicados seja pela crise econômica. Havia dois grupos que foram muito perseguidos pelo regime estabelecido, um deles foram os anarquistas e dos capoeiras.

Politicamente a nova República não trouxe nada de novo, apenas impulsionou as ideias antigas com maior força. Existiam dois grupos que se destacam. Os liberais spencerianos e federalistas e outras corrente que se inspirava na Revolução Francesa, que alguns chamam de Revolução Divina. Havia os positivistas que até fundaram um igreja. E por último, mas não menos importante, a ala esquerdista, formada pela classe média e depois, os anarquistas que não acreditavam mais nos rumos políticos que a nova república estava tomando. Mas nessa época foram os intelectuais, como Raul Pompéia, Olavo Bilac, Guimarães Passos, que comandaram uma enorme oposição ao governo, até a chegada de Floriano, quando, para evitar a prisão alguns fugiram.

A república, para alguns foi um avanço, para outros um atraso. O que reforça este último argumento é a “síndrome do enriquecimento” que aconteceu na época. Houve dois momentos interessantes, um é quando afirma que “a saída da figura austera e patriarcal do velho imperador, que imprimia forte marca na elite política e mesmo em setores mais amplos da população, significou a emancipação dos que seriam simbolicamente seus filhos”. (pag. 26), como se o imperador fosse uma espécie de controle social para a falta de ética nas relações entre as pessoas e por tabelas um defensor contra a corrupção, o que se sabe não era bem isso que acontecia no Império, o que na mesma página da citação anterior fala que houve o espírito do capitalismo, mas, nem de longe apareceu a ética protestante. Existe uma passagem que exemplifica bem essa nova realidade que passa esse novo regime “o que antes era feito com discrição, ou mesmo às escondidas, para fugir à vigilância dos olhos imperiais, agora podia ser gritado das janelas e dos coches, era quase motivo de orgulho pessoal e de prestígio público.” (pag. 27).

E essa falta de moralidade também veio à vida social. Os inúmeros casos de casamentos ilegítimos, baixa nupcialidade acusam isso. O Rio se apresentava para aqueles que viveram ativamente o Império, ou parte dele, como uma cidade voltada para os prazeres da carne, mundanos, sem escrúpulos, nem dignidade. A família tradicional como se via no interior não existia mais. Era a cidade dos malandros, da jogatina, das prostitutas, da depravação moral, dos meninos de rua, de tudo que era execrável e feio aos olhos. Tentou-se acabar com essas práticas, atacando principalmente os capoeiras, mas o jogo foi de certa forma legalizado pelo novo Governo, o que desfazia todo o trabalho da polícia.

Todas essas ações fazem com que o Governo Central fique mais e mais longe de cair nas graças da população. Primeiramente pela sua abrupta formação, sem a “chance” do povo se acostumar com a ideia de presidente e etc. A outra é que a monarquia caiu no auge da popularidade, visto que foi um pouco depois do fim da escravidão. Essa ação fez com que mesmo depois do Império a data de aniversário de Dom Pedro, 2 de dezembro, fosse comemorada pelos negros. A população pobre, em especial negra, não apoiava de maneira nenhuma a república, um exemplo disso foi à formação da Guarda Negra, por José do Patrocínio. A destruição de um cortiço que ficou famoso na obra de Aluísio de Azevedo, o Cabeça de Porco pela polícia, na tentativa de acabar com os capoeiras é outro fato que deixa os pobres raivosos com a República. Por conta dessas atitudes, ficou cristalizado na mentalidade da população mais carente que todas as ações feitas pelo novo governo eram nocivas. Um exemplo desse engano que custou além de dinheiro público, vidas humanas foi o que chamamos de Revolta da Vacina.

Quem ajudava muito nesse clima de instabilidade eram as Forças Armadas que se juntaram aos civis para manifestações. Foras isso tinham as próprias manifestações militares como golpe de estados mal sucedidos, tumultos e greves próprias. Verificou-se então que uma das maneiras de melhor governar era tirá-los dos centros de poder e diminuir ao máximo a atuação da população na política do país. É aí que entra a figura de Campos Sales, no que nós chamamos de política das oligarquias, onde para poder governar o governo central apoiava nas oligarquias dos estados, fazendo delas base de apoio para as políticas feitas na capital do país. “É de lá [dos estados] que se governa a República, por cima das multidões que tumultuam agitadas, nas ruas da capital e da União. A política dos estados […] é a política nacional”. (pág. 33)

Essa atitude se dá porque o Rio de Janeiro não se governa por si só. Lembremos: éramos um país governado economicamente pelos ruralistas e a sociedade heterogênea não dava o apoio necessário para essa classe quisesse fazer o bem quisesse com o país. Para impedir qualquer ação contrária ao governo central, foi dissolvida a Câmara Municipal e no seu lugar ficou o Conselho de Intendência que durante um tempo ficou sendo independente nas suas ações. Mas com seu Código de Postura desagradou muita gente e foi “rebaixado”, tendo que agora passar suas ordens pelo crivo do governo central (do Ministro do Interior) para depois ser aprovado. Nessa época foi criou-se o prefeito, que era indicado pelo governo central, enquanto os intendentes eram eleitos. No fim das contas quem ganhou foi a União, pois o prefeito não governava sem ela, e os Conselhos não tinham poder suficiente para se opor os prefeito. Com isso os prefeitos governavam tiranicamente e as eleições eram usualmente fraudadas. O que acontecia então? Os prefeitos eram indicados e na maioria das vezes eles eram de fora do estado, o que não ajudava muito, visto que ele não conhecia os problemas da cidade. E não eram pessoas ligadas ao povo, eram pessoas que tinham um nível técnico, o que (nos relembra a influência do positivismo) e muito autoritários, lembrando que quem numa república iria frear as suas ações eram as Câmaras, que foram dissolvidas.

Essas atitudes fizeram com que um ala, as dos intelectuais, se dispersasse e não mais lutasse a favor das reformas como antigamente, ao invés disso aceitaram cargos no governo (ou seja, pelegos!). Sem oposição oficial (as Câmaras), nem a oposição social (os grupos segmentdos da sociedade) a política nacional começou a se transformar no que temos hoje, funcionários públicos em falcatruas, grandes empresários patrocinando campanhas e obtendo lucros exorbitantes após a eleição do seu candidato, ou seja, “o marginal vira cidadão, e o cidadão era marginalizado”. (pag. 38).

Contudo, existia outra República, a dos “cidadãos da periferia”. Aqueles que mesmo não obedecendo ao Governo Central, tinha respeito pela ordem, a ordem dos cortiços, da matriarcalidade, à cultura de seus ancestrais. E essa ordem era a mais sagrada, pois a União prende e solta, mas nas “repúblicas de cortiço”, como dizia Aluísio de Azevedo, por mais bagunçada e desorganizada que ela possa parecer era a única que não podia ser infringida.

Longe dessas repúblicas iniciava-se uma reforma na cidade. Uma reforma que demonstrava que as ideias americanas ficaram na politicas. O Rio queria ser Paris. E não mediram esforços para isso, higienizaram a cidade a tal ponto que uma poetiza francesa escreveu um livro de poemas chamado “La Ville Merveilleuse”. Fizeram uma luta contra promiscuidade e seus derivados, escondendo o Brasil “feio”, mestiçado e negro, e mostrando uma Paris brasileira, civilizada e branca.

Contudo, a miscigenação da população se fez, lenta e gradualmente, mas se fez. E como consequência, o português e seus fados se encontraram o negro e seu samba. O subterrâneo se fundiu com o sobreterrâneo fazendo surgir, por exemplo, o carnaval e o futebol.

Como já vimos anteriormente, a República não trouxe nenhuma ideologia nova para a pátria recém-formada, mas existe algo que aconteceu com as ideologias por aqui foi a mistura. E dessa mistura fez-se as correntes políticas do Brasil. Também vimos que a corrida incessante de enriquecimento a qualquer custo surpreendeu tanto aos monarquistas, como aos republicanos mais fanáticos que não viam com bons olhos tais atitudes de pessoas sem escrúpulos tentando ganhar dinheiro na base da especulação financeira, em algumas vezes com o dinheiro alheio. Mas existe algo que foi importante nesta época, a mentalidade coletiva. O que chamamos de Liberalismo, muitos acham que veio com o advento da República, mas isso não é correto, pois este liberalismo já estava presente no Império, com a Lei de Terras e o fim da escravidão. As mudanças republicanas vieram de forma não muito democrática, exemplo disso é que antes da República 10% da população votava, quando houve a mudança de Governo isso passou para 1%, isso porque a partir de agora se precisava ser alfabetizado para votar. E Rui Barbosa, defensor das liberdades, foi um dos principais responsáveis por isso.

Nessa época apareceu a definição, exposta por Pimenta Bueno, de cidadão ativo e cidadão inativo ou cidadão simples. Os primeiros são aqueles aptos, segundo o governo central, a praticar esse ato de cidadania que é votar em pessoas que possam ser votadas, ou seja, seus iguais; enquanto o segundo grupo é a população em geral, que muito esperava desse novo governo. Mas esqueceram de dizer que direitos civis, são diferentes de direitos políticos. Não disseram ao segundo grupo que somente os primeiros têm acesso ao jus civitatis romano, onde mulheres, escravos e estrangeiros não tinham vez nem voz. Porque o voto, antes de qualquer coisa, “é uma função social, e um dever” (pag. 44). E como analfabetos não cumprem nenhuma função social, visto que são apenas mão-de-obra a ser explorada por aqueles que têm essa função, a República frustra as vontades dessa parte da população por mais participação na vida pública. Mas isso, como muitas coisas feitas pelo Estado, não foi feita por fazer. Mesmo analfabetos escolares, muitos não deveriam ser analfabetos políticos, e a partir do momento que eles não podem votar nem ser votados o Estado os retiram da vida pública ativa, tirando também do Estado a obrigação de educá-los, visto que seria como se diz no dito popular “criar um monstro”.

Essas ações veem para mostrar e talvez desmistificar a ideia que a República é a responsável pelos maiores avanços em relação aos direitos individuais. Não podemos negar que houve avanços como o fim do Poder Moderador, o fim da vitaliciedade do Senado, o federalismo e sua descentralização, e o mais importante, pelo menos para este que escreve é a imposição da laicidade do Estado. Contudo, o Governo colocou o Estado nas mãos dos setores dominantes (sejam eles rurais ou urbanos) e mais na frente veremos que nas mãos das oligarquias estaduais. Visto que o Império empacava uma dinamização da economia e o novo governo tirava a força dos segmentos sociais que eram contra essa dinamização.

Mas existiam aqueles que defendiam a presença da população na vida política do país, como silva Jardim e Luís gama e Lopes Trovão. Eles defendiam uma ditadura republicana, talvez inspirada em Robespierre. Mas Silva Jardim teve um fim trágico, pois chamado para atiçar a população a se rebelar achava que iria ser eleito para representá-los, mas foi boicotado pelo seu próprio partido. Uma pena. Mas devemos nos lembrar de que esse republicano inveterado defendeu os direitos da população mais carente, criticando a falta da extensão da cidadania para os cidadãos inativos e mostrando que a ideia de ditadura republicana era quando “o ditador era a encarnação da vontade coletiva e o instrumento da sua ação, sem que fosse necessária eleição formal, bastando a sanção implícita, como expressamente admitia o Manifesto do Partido Republicano de Pernambuco de 1888” (pag. 47). Mas porque relacionar uma manifestação de uma província com as ideias de uma pessoa para um país? Porque aqui entra em cena uma questão importante que a utilização do nome e significado da palavra pátria. A palavra em questão é referência a província, ou seja, naquela época essa questões regionais eram muito presentes, não que hoje não seja, é claro. Isso se dá porque a pátria unia as pessoas, mesmo se fossem diferentes em relação ao gênero, ao social, a cor de pele, e a cultura em geral, visto que a República abrange vários, inúmeros personagens sociais e políticos.

Um grupo que se movimentou muito para demonstrar sua opinião em relação à política foi a dos militares. Como membros do governo era bem reduzido o campo de atuação. Por isso se encarregaram de elaborar maneiras de melhor uma estratégia para atuar no ramo da política nacional, já que seus direitos eram deveras limitados. Para melhor atuação criaram o termo soldado-cidadão, que teve inspiração no positivismo. A principal reinvindicação dos militares, em especial dos praças, era a liberdade política, ou melhor, seus direitos, em especial de votar e ser votado. Querem se tornar cidadãos plenos ou soldados-cidadão. Antes de continuar distingamos exército e a guarda nacional.

A segunda foi formada ainda na época da Regência pelo padre Feijó, inspirado na Francesa, pelo direito do cidadão poder fazer parte de um “exército” que defenderia a pátria, criando o cidadão-soldado. O exército queria o oposto. Fazer dos soldados pessoas ativas, uni-las a população, mostrar que ele é uma extensão armada do povo. E alguns republicanos trabalharam essa ideia como Raul Pompéia quando afirma “O exército brasileiro é plebeu, e é pobre.” (pag. 50), outro que contribuiu para essa ideia foi Lauro Sodré. Mas existiam os mais exaltados e achavam que o povo e o exército deveriam ir às ruas. O instrumento que mais incentivava era os jornais, entre os vários, um chamado à Revolução que bravejava: “Nós soldados, e obreiros, artistas e operários, devemos nos confundir nas praças pública bradando a uma só voz: Revolução.” (pag. 51), contudo, era minoria. Jornais eram comuns nessa época. Existiam e veiculavam as ideias de cada segmento em questão, como a Gazeta do Operário (operários dos arsenais), a União do Povo (funcionários públicos, artistas e operários), o Nihilista (operários e Exército e Armada), o Artista (Tipografia Nacional, Casa da Moeda e dos arsenais).

Em 1889 começou uma situação difícil de acontecer, talvez pelo fato da heterogeneidade, era as associações entre os trabalhadores. Quem mais trabalhou neste sentido foi José Augusto Vinhaes. Mas antes é importante lembrar que Teixeira Mendes reuniu 400 trabalhadores da União e entregou a Comte uma lista de reivindicações que incluíam férias de 15 dias, descanso semanal, pensão a viúva entre outros desejos dos trabalhadores ao redor do mundo. Mas quem deu uma contribuição muito importante para o avanço dos direitos dos trabalhadores foi Vinhaes que serviu de interlocutor entre as massas trabalhadoras e o presidente da época, Deodoro da Fonseca. Ele conseguiu algo fabuloso que foi a retirada do Código Penal dos artigos que proibiam as greves e as coligações partidárias.

No Positivismo cidadania era uma coisa que deve ser restrita. Defendia os direitos civis e sociais, mas não os políticos, ou seja, defendia a família e ao trabalhador. O autor define bem o que pensava esses positivistas: “como vetava a ação política, tanto revolucionária quanto parlamentar resultava em que os direitos sociais não poderiam ser conquistados pela pressão dos interessados, mas deveriam ser concedidos paternalisticamente pelos governantes.” (pag. 54).

Contudo, existiam pessoas que não se comungavam com essas ideias, que se diziam socialistas como França e Silva, Evaristo de Moraes, Vicente de Souza, Gustavo Lacerda, entre outros. Dentre eles se destaca Evaristo de Moraes, que incentivou a criação de vários partidos entre os operários, como por exemplo, o Partido Socialista Operário (1895), mas não menosprezando os outros que também deram sua contribuição para a criação de outros. Mas infelizmente, mesmo trabalhando a autoestima e na representatividade do operariado, os partidos não tiveram muito tempo de vida.

Com o passar do tempo, verificou-se que o advento da república não trouxera todas as modificações que os trabalhadores esperavam, visto que a participação deles na vida pública era pequena, quase inexistente. Muito disso, é bom relembrar, se deve ao pensamento positivista, onde os trabalhadores têm seus direitos sociais garantidos (proteção à família, emprego), mas seus direitos políticos não (como o simples fato de votar e ser votado). Dessa desilusão política nasceu, ou melhor, floresceu os primeiros anarco-sindicalistas. Mas esses não são “carne nova no pedaço”, são antigos socialistas que se revoltaram com a situação estática de alguns colegas e radicalizaram suas ideias e atitudes, como nesta passagem: “os socialistas brasileiros viram-se logo num fogo cruzado: de um lado os que defendiam a cooperação direta com o governo, a estadania; e de outro, e cada vez mais, os anarquistas, que rejeitavam totalmente o sistema político.” (pag. 56).

E para apoiar a causa nasceram vários jornais. O primeiro foi O Despertar (1908), de José Sarmento. Depois vieram O Protesto , o Golpe, revista Asgarda, O Trabalhador, A Greve, revista Kultur, O Libertário, todas no começo dos anos de 1900. Além disso, surgiram várias organizações de classe, como Acorddem, O Marmorista, A Voz do trabalhador, entre outras.

Mas mesmo entre os anarquistas havia uma diferenciação que pode bastante clara, que era entre os comunistas e os individualistas. Mas, “o primeiro grupo, de longe o mais numeroso, (…), eram pela revolução social, pela abolição da propriedade privada e do Estado, mas admitiam o sindicalismo como arma de luta. O segundo grupo (…) também pregava a abolição do Estado, porém era contra toda a forma de organização que não fosse espontânea e queria a manutenção da propriedade privada após a revolução.” (págs. 57 58).

Entretanto, entre eles haviam mais semelhanças que diferenças. O “problema” era com os socialistas, que segundo ele eram inimigos irreconciliáveis. Essa antipatia residia, segundo os anarquistas, no discurso falso dos socialistas, e também na estadania que eles pregavam, quando não queriam a derrubada do Estado como queriam os anarquistas. Para os anarquistas “a ação operária deveria ser exclusivamente econômica, contra os patrões, se a intermediação do Estado, que alias, não passava de servos deles.” (pag. 59).

Outra discursão importante é a definição de pátria e cidadania. Enquanto a primeira está relacionada a questão da família, ou seja, do sentimental, do afetivo; o outro está relacionado com a defesa dos interesses do cidadão, ou seja, com algo mais prático, de interesse mais objetivo. Alguns beneficiam um conceito em detrimento do outro. O autor resolve esse dilema da seguinte maneira “a ênfase em um dos polos podem inviabilizar o outro. (…) as doses em que de misturam os dois componentes podem varias de povo para povo, mas para a construção de cidadania plena e estável é necessária que ambos estarem presentes” (pag. 61).

Porém os anarquistas desprezam o conceito de pátria, já que para eles sua casa não é conceituada por linhas imaginárias que separam pessoas e criam países, sua casa é o próprio mundo, e não há necessidade, por exemplo, de alistamento militar, pois iriam colocar membros da própria casa em conflito. Para tentar diminuir a ação dos anarquistas o governo começou a expulsar os imigrantes que faziam parte de organizações que tinham essa ideologia, coisas que outros países na Europa e nos Estados Unidos já faziam. Principalmente, voltando a questão do alistamento (também chamado de tributo de sangue), quando o governo, para amenizar a situação do alistamento o quis fazer por sorteio, fazendo com que os anarquistas pedissem a população que não respondessem a nenhum censo do governo, pois, isso seria usado para o sorteio militar. “A pátria é de quem rouba e explora, a pátria é o privilégio e o monopólio, a guerra uma monstruosidade filha do interesse da rapina. (...) nada de pátria trabalhadores, nada de militarismo”(pag. 62).

Todavia, os positivistas também tinha sua visão ideológica sobre pátria. Para eles, baseado no Apostolado, a pátria é o prolongamento da família (do amor materno), ou seja, a cidade nada mais era do um prolongar, uma extensão daquele sentimento que existia na casa do indivíduo. Daí que era importante o sentimento de patriotismo. E a naturalização para eles era um estorvo porque, como autor resume o pensamento quando diz “o sentimento de pátria não se impõe pela lei, desenvolve-se através de longo processo histórico de convivência.” (pag. 63) e se apoiam em Danton: “A pátria não se leva na sola dos sapatos.” (idem).

No Brasil os conceitos se misturam, e às vezes, se tornam outra coisa, e que grande parte da população estava situada na estadania, pois Rui Barbosa recebia vários pedidos de empregos de populares até autoridades.

A visão que alguns estrangeiros têm do Rio de Janeiro, e por tabela do Brasil (visto que achavam que o Rio como capital era onde iriam achar o maior número de pessoas ilustradas, ou pessoas que iriam lutar pelos seus direitos como cidadão, ou melhor, cidadão ativo) era péssima. Louis Couty afirma não haver povo no Brasil. Essas afirmações não deixam de ser verdadeiras, apesar de que se pararmos para analisar, elas carregam um pouco de etnocentrismo, visto que eles afirmam o que afirmam tendo como base seus países, esquecendo que a história de cada povo nos revela, ou nos alumia a direção que eles irão tomar no decorrer da sua existência, ou seja, a cidadania que eles tanto procuram no povo brasileiro está ainda em formação (e não no nascedouro), visto que antes havia alguns personagens históricos que lutaram pelos seus direitos como a Revolta do Vintém de 1880, que o próprio autor cita, e outras posteriores como a Revolta da Armada e a da Vacina.

Para os europeus a falta de uma burguesia forte, seja rural ou urbana. Eles ainda criticam a facilidade de como o Governo impõe as coisas à população e como a apatia dela os assombra. O embaixador francês Amelot afirma sobre o tema: “No Rio não há nem povo, nem operários, nem artífices, [apenas] alguns grupos de pessoas de cor, fáceis pretorianos cujas aclamações se compram a baixo preço.” (pag. 67).

Mas, infelizmente era assim a maioria da população no Rio no começo da República, totalmente apática, desinteressada pela vida pública, e apenas preocupada com seus interesses próprios, ou seja, com sua própria sobrevivência. O que para o governo central era ótimo, visto que essas pessoas não reivindicariam seus direitos nem atrapalharia suas ações, que na maioria das vezes eram corruptas ou, no mínimo, questionáveis. Esses fatos aos poucos foram desencantando aqueles que tanto lutaram pela República, a coisa que o povo deveria tomar conta. Tal sentimento se resume da seguinte forma: “era especialmente embaraços [para pessoas como Aristide Lobo e Raul Pompéia] admitir que o povo não parecia interessado no título de cidadão que se lhe oferecia e pelo qual passou a ser tratado”(pag. 69). Essa falta de organização popular se mostrava também em tumultos que se inicia de maneira repentina e acabava da mesma forma.

As manifestações que aconteceram no Rio nada mais eram que pessoas, que na maioria das vezes, eram manipuladas por figuras que habitavam as sombras da política, mas os palcos da vida dos moradores mais pobres, como por exemplo, um chefe de polícia chamado Sampaio Ferraz, que povoou Fernando de Noronha de capoeiras e as ruas do Rio com a bandidagem de sua confiança, ou seja, pela força ou pela ameaça, ele mandava e desmandava, sem nenhuma autorização prévia ditava suas regras e habitava de maneira sombria a lei, mas nos palcos da vida privada estava sempre presente, ou representado.

Aí entram em cena os defensores da República para tentar “salvar” o povo, Raul Pompéia mostra qual era o problema do Rio. Não era o povo em sim, e sim a quantidade deles. O problema é que havia mais de um povo no Brasil, ou seja, “Aqui há o povo; há mais que povo: há povos”. (pag. 73) O autor complementa: “Entre os povos havia o povo bom e o povo mau: o bom era o brasileiro republicano (…); o mau, o estrangeiro, particularmente o português, antinacional, monarquista”. (idem). Mas ele mesmo viu, com o passar do tempo que essa definição era totalmente errônea. Também percebeu que eles (os defensores da República) fizeram um grandioso aparato (baseado no americano) para a chegada do “cidadão”, mas ele não apareceu.

Analisando a situação do cidadão quantitativamente falando, se observa que, entre outras coisas, que os portugueses eram quem detinham grande parte das casas comerciais, e que havia um número muito forte na vida política operária, e por tabela nas greves que havia (o que já foi citado, e explica a enorme quantidade de deportações feitas no início da república) e essas manifestações fizeram com que Governo pusesse em prática, em 1890, a lei da grande naturalização, que se esperava a adesão em massas desses operários estrangeiros, mas quem aderiu, em sua maioria, foram os africanos. Isso de deve ao fato que alguns estrangeiros, como ingleses, franceses e italianos, por exemplo, não queriam ficar dependendo do Governo Central para resolver seus problemas ou sanar alguma necessidade. Diferentemente de Portugal, que mal conseguia tomar conta dos portugueses que por aqui moravam. Essa carência se contatava no fato de que alguns portugueses eram chamados para servir na Guarda Nacional e nas forças de terras e mar (o que eram o maior receio dos lusitanos). Como se vê, não há muitas vantagens em ser naturalizar.

Analisando a quantidade de pessoas que têm o direito de votar é quase 20% da polução, se vê que esse é número ainda menor, pois eles não o faziam porque não o queriam, diferentemente dos EUA aonde esse índice chega a 88%. Mas isso tem uma explicação. Primeiramente é a questão dos requisitos (alfabetismo e o censo) e a outra é que votar nada mudava para o cidadão ativo. Pois, o país estava afundado numa corrupção sem tamanho, ou seja, votar em ele “tanto faz, como tanto fez”. Além disso, votar era perigoso, pois, as ruas, nessa época do ano, se enchiam, mais do que o normal, de criminosos que iam defender seus “candidatos” na base da violência e da intimidação. Sem falar dos funcionários públicos que se viam pressionados pelo Estado para que seus votos fossem enviados paras seus respectivos “candidatos”. Sem eleitores de verdade, sem representação de verdade. Essa era a realidade do Rio de Janeiro, e do Brasil que se exportava para a Europa. E por fim, não se deve esquecer-se de citar Lima Barreto com suas analogias entre o Brasil e o país imaginário Bruzundangas, que mais do que nunca, é a realidade país e do tipo de política que se faz aqui nos trópicos, com seus personagens sem escrúpulos e aliados a pessoas de índole bastante duvidosa.

Como vimos anteriormente, oitenta por cento da população não eram “apta”, segundos os critérios da época, para poder votar, e muito menos ser votada. Isso mostra a situação de abandono que estava a população carioca naquele período. Entra presidente, sai presidente, e agora era a vez de Rodrigues Alves assumir a presidência da República.

Para resolver tal situação o presidente investiu em obras públicas, mas valendo salientar que esse também queria transformar o Rio de Janeiro numa Paris Tropical. E para isso ele deu total autonomia para duas pessoas fazerem as modificações necessárias para tal empreendimento: Pereira Passos (prefeito e engenheiro de formação) e Oswaldo Cruz (diretor do Serviço de Saúde Pública e médico sanitarista).

E como sabemos, essa reformas mudaram totalmente a vida e imagem do Rio de Janeiro que se conhecia. “Era como abrir o ventre da cidade velha.” (pag. 93). Talvez tenha começado aí o a “fase adulta” do germe que vai criar a Revolta da Vacina. Mas as ações não ficaram apenas no setor logístico da cidade, o setor humano também foi trabalho (ou segundo alguns, violado). Oswaldo Cruz criou as chamadas Brigadas Sanitárias, que eram compostas de um chefe, cinco guardas mata-mosquisto, operários da limpeza pública, e de oficiais da polícia. Eles utilizavam um método de prevenção já aplicado em Cuba contra aquelas doenças que mais afetavam a população na época: febre amarela e peste bubônica.

Mas as ações mesmo que com toda a boa vontade, com a intenção de cuidar das vidas das pessoas, e evitar uma proliferação maior de doenças, tiveram um efeito negativo na população que vivia nos “sobrados e mocambos” do Rio de Janeiro. A forma com que era tratada a população fazia com que se começassem vários tumultos na hora de se tomar essa vacinação. O resultado dessa desastrosa intervenção estatal culminou no que nós conhecemos de Revolta da Vacina.

As ações iam desde verdadeiras invasões nas casas das pessoas até multas por não tomar a vacina, que até virou lei, mas não pegou devido ao fato como foi implantado, ou seja, como lei, ao invés de uma recomendação, uma das razões maiores do desengano do povo com a República: a arbitrariedade.

Aqui na época, em especial, em Pernambuco, foi Barbosa Lima, que além de fundar o Instituto Vacinogênio e distribuir a vacina Jener para varíola, enviou um médico estudar microbiologia no Instituto Pasteur. Temos a figura de Alfredo Varela, mas de forma contrária, como fizeram muitos positivistas que acharam essa ação do Estado uma intromissão numa área que é do espiritual, e transformaram, alienando a população das várias formas possíveis, essa oposição como uma cruzada pessoal. Por mais que o Governo tentasse tranquilizar a população de que nada iria acontecer, ele queria uma garantia que todos fossem vacinados, e por isso requisitava como critério para várias atividades da população, como matrículas na escola, emprego público, entre outros, a vacinação.

Houve vários debates de como essa vacinação iria ser efetuada, e como argumento se colocou o fato de que já existia na Câmara inúmeros pedidos para tal coisa; entretanto, contra isso se colocava o argumento (que tem um fundo de verdade, por conta do passado nada bom nas relações entre o povo, o governo e sua obrigatoriedade no cumprimento de suas ordens em relação ao primeiro), no qual se colocava que isso feria, profundamente, a moral da família, ou melhor, da sofrida e não assistida família fluminense. Era um afronta, visto que o pobre chefe de família saia para trabalhar e um qualquer, um estranho, mal intencionado iria por suas mãos na sua mulher e filhas na sua ausência não dando chance para que o homem da casa a protegessem.

A partir daí precisamos abrir um pequeno parênteses e sempre voltar a falar desse assunto que é a propaganda que foi feita anti-vacinação por parte dos opositores do Governo (mesmo sendo republicanos) e dos monarquistas. Primeiramente é importante lembrar que todo, todo mesmo, tipo de ação foi feita por ambas as partes para validar seu ponto de vista. Desde comícios, passando pela Câmara, e terminando nos jornais que se posicionavam contra e favor dela. A vacina era somente para ser aplicada no braço, de maneira simples, medicinalmente falando. Mas as campanhas fizeram com que o povo acreditasse que deveria ser dado nos braços e nas pernas, o que, nos dias de hoje, para alguns, com a presença de familiares, não haveria muitos empecilhos, mas para a época era um verdadeiro absurdo. Absurdo esse que foi aumentado, imensuravelmente, com as afirmações que tais aplicações deveriam ser apenas na perna, numa região perto da virilha.

Houve na época quem defendesse que se fosse um médico da família não haveria problemas, mas o governo não aceitava e disse que seriam os da Brigada. Mas isso é muito pequeno, para explicar os conflitos que ocorreram entre a polícia e a população. No começo do que se chamou de Revolta da Vacina, e durante 2 ou 3 dias depois, o Rio de Janeiro virou uma zona de guerra que não faz vergonha a nenhuma Europa em guerra civil. Todos os segmentos da população participaram direta ou indiretamente da revolta. Ou melhor, das revoltas. Pois uma coisa que se aparenta é que no Rio cada um dos ramos do trabalho (gasoseiros, estivadores e até militares) estava desgostoso com o a maneira com a qual a República estava sendo gerida. Um prova disso é que no dia da proclamação da República houve um dos dias mais pesados em relação a conflitos, havia um ar pesado na cidade. Tanto que o desfile, clássico exemplo de orgulho das forças armadas, não ocorreu. Além disso, para se ter noção do tamanho da tensão que existia entre o governo e as várias partes que se unia num só grito de “abaixo à República”, engrossado seja pelo Centro de Classes Operárias (que estava mais para aliado do que para opositor, visto que defendia uma resolução mais pacífica com o governo), seja pelo União dos Trabalhadores, que eram totalmente contra qualquer conciliação com o governo, dada a sua tendência anarquista; foi chamado os B.I. de Lorena (SP) e de São João Del Rey (MG) para auxiliar as tropas do Rio, principalmente porque alguns batalhões se sublevaram e entraram em conflito com seus próprios párias, o que foi resolvido de maneira eficaz por parte do governo.

Algo interessante é falar sobre os revoltos. Dependendo de que lado você está muda completamente o perfil do indivíduo (o mesmo em relação aos jornais e suas matérias). Para a polícia as revoltas não foram obras da população (aqui vamos excluir os estrangeiros que atuaram, e muito nas revoltas que sucederam no país), que é trabalhadora, respeitadora das leis, e sim do “rebotalho ou fezes sociais, do facínora, do ladrão, do desordeiro de profissão, do ébrio habitual, da meretriz, do caftén, do jogador, do vagabundo e do vadio. O povo verdadeiro, o verdadeiro operário, tinha ficado à margem dos acontecimentos” (pág. 115).

Mas então como se apresenta devemos ver essas pessoas? Como um cidadão que não abriu mão dos seus direitos, já que foi incomodado pelo Estado mais do que deveria, e foi às ruas para frear essa tirania que muitos lutaram para derrotar e implantar a República? Ou como uma massa de pessoas que se perdem na igualdade de ideias (ou falta delas) e por isso nada mais faz que atenda a chamados de pessoas sem escrúpulos que as comandam da maneira que melhor desejarem e no momento que acharem mais oportuno? Essas respostas vão mudar de acordo de com as pessoas que fora perguntada. Se perguntar a Praia Preta, revoltoso que foi preso com uma camisa de força, afirmaria que ouviu George Washington e soube que quando a tirania impera, têm-se o direito de mudar, pegar em armas e derrubar o governo, porém se perguntado ao chefe de polícia Cardoso de Castro seria totalmente diferente, arruaceiros, desclassificados, e todos os preconceituosos adjetivos.

Enquanto isso as classes trabalhadoras passaram por momento de turbulência onde em um momento se notava que, apesar de era fraca, existia uma união entre elas, mas no momento que começa as revoltas elas se posicionam em lugares distintos, contra e a favor do governo. É aí que entra os líderes republicanos com a propaganda para trazer para o lado da oposição aqueles “indecisos” e mesmo os que eram a favor dela. O argumento era que o país esqueceu-se de seu povo, que agora, ao invés de terem respeito com o cidadão, coisas que reclamavam com a Monarquia, a República agora trata com violência qualquer manifestação de reinvindicação, seja por trabalho, seja por respeito à família, seja por melhores condições de vida.

Contudo, a pergunta fica no ar: por que este evento - Revolta da Vacina - fez do Rio de Janeiro um verdadeiro campo de guerra? O que ela tem de tão especial que a faz ser tão lembrada e revisada? Houve outros conflitos como a Revolta do Vintém, em 1880, quando a Monarquia aumentou em um vintém o preço dos bondes. Nessa ocasião a população também foi às ruas, viraram bondes, descalçaram ruas, derrubaram postes, mas numa proporção bem menor, quase insignificante se comparado a Revolta da Vacina. A questão tem duas razões que se relacionam. A primeira é a total decepção com a República, que viria a dar mais oportunidade aos trabalhadores (mas foi retida pela ação dos positivistas), que daria o status de cidadão ao indivíduo, que deixaria a responsabilidade com o povo, e que esse seria quem a guiaria, a preservaria, seja de desordeiros ou de lobos que se infiltram com pele de cordeiro na vida pública, e nada mais de pessoas que se aproveitam das beneficies que estar na máquina pública. Essa exclusão que faz do operariado (sabendo que se exclui da votação as mulheres) resultou na opção dele de não votar, como foi verificado anteriormente, e não se identificar com os políticos como iguais, ou seja, como cidadãos pertencentes a uma mesma cidade. Além disso, outro fator, que se relaciona com o primeiro é que uma coisa é você não respeitar os direitos políticos do povo, outra é tirar sua moralidade própria (não como povo, e sim como pai de família, por exemplo), o respeito a sua prole, seu lar, e isso é que o incomoda, e que o faz, mesmo sem uma direção nem coordenação específica, atuar de maneira defensora da sua moral, atacando o Estado. Junte os dois e temos a Revolta da Vacina. De um lado o Estado que não o respeita, e que impõe (mais) um ato obrigatório onde ele tem sua (já diminuído) figura de cidadão com direitos infringido e juntando-se a isso o desrespeito com a família, em especial com a mulher e a filha, que são maculadas quando um qualquer aplica-lhe uma injeção nas suas regiões íntimas, sem qualquer pudor daquele que o faz. Por isso que te(ê)m a(s) Revolta(s). O significado maior dessa Revolta, ou melhor, o “recado” que a população dá com ela é “mostrar ao governo que ele não põe o pé no pescoço do povo.” (pag. 139)

Em resumo, depois de fazer uma análise fica a pergunta: como o povo não aceita os desmando do Governo, mas mesmo assim não é que destruído nem muito menos quer existir fora da sua órbita de alcance (estadania)?

Aí vamos a Sociologia para explicar, e verificamos que a tradição que herdamos vem dos ibéricos, por conta da colonização, é de uma sociedade que não presa pelo individual, em outras palavras, precisamos do Estado, seja como provedor das nossas necessidades, seja como barreira para nossas ações. E aí que entra o cerne da questão. O povo é bilontra ou bestializado? Vê-se que o povo se não se considera nem age como cidadão, é alienado por não participar da vida pública, ou era bilontra porque se aproveitava das brechas que o Estado oferece e habita nesse espectro, fazendo valer suas próprias leis, usufruindo ao seu bel prazer? O autor responde isso quando afirma que os fluminenses sabiam que “a república não era para valer” e que “quem apenas assistia como o povo do Rio (…) estava longe de ser bestializado. Era bilontra”.

Um comentário:

  1. Você não passou do limite de páginas? Seu texto está um fichamentão (rsss) e bastante confuso em muitos momentos. Sem condução argumentativa.
    Nota: 7.0

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