domingo, 15 de abril de 2012

OS BESTIALIZADOS!!! (José Murilo de Carvalho)

Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi é uma das obras de José Murilo de Carvalho – nascido em Minas Gerais, em 1939, doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Stanford, eleito em 2004 para a Academia Brasileira de Letras – lançado pela editora Companhia das Letras. Os Bestializados, lançado em 1987, é mais uma das grandes produções escritas pelo professor e historiador José Murilo de Carvalho que possui 164 páginas e, mais 32 de anexos, notas e bibliografia – divide-se em: Introdução; O Rio de Janeiro e a República; República e cidadanias; Cidadãos inativos: a abstenção eleitoral; Cidadãos ativos: a Revolta da Vacina; Bestializados ou bilontras?; Conclusão. Dentre outras, pode-se citar, também, de grande importância, o livro A Formação das Almas de 1990, que retrata a República do Brasil através de textos e imagens, a tradução fidedigna das batalhas travadas pela construção de uma identidade para um novo estado republicano no Brasil, e Forças Armadas e Política no Brasil, onde busca investigar características organizacionais e aspectos internos da instituição militar, o que abriu um novo debate público sobre a organização militar e seu papel na sociedade.

A cidade do Rio de Janeiro do Século XX tinha papel privilegiado na intermediação dos recursos de economia cafeeira. Centro político e administrativo do país apresentava uma enorme quantidade de capitais acumulados principalmente em comércio e finança, desenvolvendo o setor industrial. Tinha a Sede do Banco do Brasil, a maior Bolsa de Valores e possuía a maior parte das grandes casas bancárias nacionais e internacionais. Apresentava o mais amplo mercado nacional de consumo e de mão de obra, sendo o porto do Rio de Janeiro na virada do século, o 15º maior porto em volume de comércio. Essas transformações nos modos de vida, proporcionados pelo desenvolvimento tecnológico e industrial aliados à “democratização do crédito”, introduziu uma remodelação nos hábitos sociais e cuidados pessoais causando uma verdadeira febre de consumo da novidade; a enorme quantidade de lojas na Rua do Ouvidor era o mais nítido exemplo do que significava acompanhar o progresso: alinhar-se com os padrões e os ritmos da economia europeia.

A cidade do Rio de Janeiro no florescer do século XX, tinha um papel privilegiado na intermediação dos recursos da economia cafeeira. Centro político e administrativo do país apresentava uma enorme quantidade de capitais acumulados principalmente nos setores de comércio e finanças, que indubitavelmente, fez também se desenvolver o setor industrial. Abrigava a Sede do Banco do Brasil, a maior Bolsa de Valores e possuía a maior parte das grandes casas bancárias nacionais e internacionais. Apresentava o mais amplo mercado nacional de consumo e de mão de obra, sendo o porto do Rio de Janeiro na virada do século, o 15º maior porto em volume de comércio. Essas transformações nos modos de vida, proporcionados pelo desenvolvimento tecnológico e industrial aliados à “democratização do crédito”, introduziu uma remodelação nos hábitos sociais e cuidados pessoais causando uma verdadeira febre de consumo da novidade; a enorme quantidade de lojas na Rua do Ouvidor era o mais nítido exemplo do que significava acompanhar o progresso: alinhar-se com os padrões e os ritmos da economia europeia.

Como verificou José Murilo de Carvalho em “Os Bestializados”, Rodrigues Alves assumiu o governo vendo Campos Sales sair do Rio sob imensa vaia. O governo de Campos Sales tinha sido de intensa recessão econômica produzida por uma política de combate à inflação, pela contenção drástica dos gastos do governo e pelo aumento de impostos. De fato, Campos Sales conseguiu reajustar a economia do país, porém, o fez à custa da insatisfação geral que ia dos operários aos cafeicultores, englobando banqueiros e industriais. Rodrigues Alves, sem alterar substancialmente a política econômica vigente, decidiu realizar um intenso programa de obras públicas, financiado por recursos externos, visando à modernização do Brasil tendo como ponto de partida a capital, Rio de Janeiro. Para isto, iniciou as obras de saneamento e de reforma urbana do Rio aliada a lei de vacinação obrigatória contra a varíola, e assim, inicia-se um verdadeiro drama humano das populações mais humildes cariocas. Brigadas sanitárias compostas por um chefe, cinco guardas mata-mosquitos e operários de limpeza pública, percorriam ruas visitando casas, desinfetando, limpando, exigindo reformas, interditando prédios, removendo doentes; principalmente nas áreas mais pobres e de maior densidade demográfica, e na maioria das vezes essas visitas ocorriam com a presença da polícia que utilizava a força para prevenir resistências.

Este processo de reforma urbana foi saudado entusiasmadamente pela imprensa conservadora, que a denominou “a Regeneração”. Essa era a voz dos beneficiários do replanejamento, que agora iriam possuir amplos espaços públicos controlados e elegantes, onde antes não podiam circular senão com desconforto e timidez. Amplos espaços de convívio e sociabilidade burguesa no melhor do estilo da “Belle Époque”, que faria como vítimas toda uma multidão de humildes que constituíam a massa trabalhadora, desempregados, subempregados e desclassificados. A ação do governo não atentou somente contra os alojamentos dessas pessoas; como salientou Nicolau Sevcenko, a imposição destas ações influenciou em “suas roupas, seus pertences pessoais, sua família, suas relações vicinais, seu cotidiano, seus hábitos, seus animais, suas formas de subsistência e de sobrevivência, sua cultura enfim, tudo é atingido pela nova disciplina espacial, física, social, ética e cultural pelo gesto reformador”. Gestos estes, oficiais, autoritários e inelutáveis, que se fazia, ao abrigo das leis de exceção e bloqueavam quaisquer direitos ou garantias das pessoas atingidas.

O autor apresenta uma visão da cidade do Rio de Janeiro bastante ampla, dando ênfase a alguns problemas de cunho político, econômico e social, fruto estes da instável transição do Império para a República. A possível inexistência de um povo, no sentido político da palavra, é o que dá impulso ao trabalho do pesquisador. O autor, no entanto, reforça a ideia de que a diversidade da população do Rio de Janeiro, que crescera drasticamente em pouco tempo devido ao fato do Estado ter se tornado capital garantiria a existência de diversos povos, e não de um único. Assim, diferentes opiniões e visões fazem parte da política no início da república, e, além do mais, pode-se também dividir a política entre os que participam dela ou não, o que José Murilo de Carvalho chama de ativos e inativos politicamente. No cenário político que acabara de se formar as eleições não serviam como instrumento de representação popular, pois eram negadas à esmagadora maioria da população. Desta forma, o autor tenta apresentar um ambiente político que não era propício à participação popular, e que por isso resultou na utilização de outros canais de atuação por parte do povo. Portanto, de indiferente à política a população do Estado fluminense não tinha nada, o que ocorria é que faziam à sua maneira a forma de agir politicamente, de expressar a cidadania, às vezes através de modos que contradiziam o que se esperaria moralmente de uma atuação política de verdade.

Essa informalidade gerou uma multiplicidade de ideologias, trazidas estas da Europa, que eram divulgadas na sociedade fluminense através da imprensa jornalística, de manifestações, de festas populares, entre outras maneiras. Tais meios representaram o modo como à população se conscientizou politicamente, segundo seus próprios costumes, seu dia-a-dia. É preciso ver que uma participação política ativa segundo os moldes europeus não vai estar presente nas práticas do povo, e é isso que o autor consegue mostrar através de uma série de exemplificações destes canais alternativos de atuação política. A população não é alheia ao que acontece na capital federal, ela só participa de uma maneira não formal, e isso é fruto, como nos mostra o José Murilo de Carvalho, da própria República, que não permitiu a formação de cidadãos, pois além de limitar o eleitorado, eliminou também do Estado a obrigação de fornecer educação ao povo. Tais medidas evidenciam a instável relação entre o governo e a população, que resulta no surgimento de uma cidadania à maneira do povo, segundo o meio social em que vivem.

O ponto alto do livro de José Murilo de Carvalho é o capítulo em que trata a respeito da Revolta da Vacina. Este incidente seria a melhor expressão possível da existência de diferentes acepções acerca do que seria a cidadania, demonstrando também uma consciência política em se fazer ativa politicamente. Ocorre uma oposição à “Estadania” (termo do autor) imposta pela máquina governamental, pois através desta somente os que contribuíam seguindo os interesses do regime republicano é que seriam dignos de receber o epíteto de cidadão. Percebe-se então que nunca um humilde trabalhador estaria inserido no ambiente político proposto por essa frágil República.

A Revolta, como enfatiza o autor no livro, não possuiu uma causa única. Ao contrário, foi fruto de uma multiplicidade de fatores, o que caracteriza as diferentes formas que a população via como vias de participação política, ou seja, meios diferentes da idealização do que seria a cidadania em si.

Neste caldeirão de pensamentos e ações que marcou o Rio de Janeiro em fins do século XIX e início do século XX é que José Murilo de Carvalho conclui a inexistência de um povo bestializado aos acontecimentos políticos vigentes. Participações políticas formais nunca haveriam de existir, pois o próprio governo se encarregara de limitar tal ato através do voto restrito aos alfabetizados, além do uso de outros aparatos burocráticos. Porém, a Revolta da Vacina mostra como outros meios de se exercer a cidadania são possíveis, muitas vezes maneiras estas muito díspares umas das outras, mas que servem para elucidar a tese central do historiador: um regime republicano não veio a excluir o povo da via política, pois este encontrou outros canais para exprimir seus anseios, suas opiniões, ou seja, sua voz política ativa. Em suma, a consciência de nos encararmos como cidadãos, existe em todos nós, e não é a máquina estatal que nos limitará, mesmo que não se transmita tais ideias da maneira de atuação vigente, deve-se expô-los da forma como melhor convir, ou da forma em que se é possível.

José Murilo contraria muitos historiadores que defendem a população de inícios da República como apática do ponto de vista político, não constituindo assim um povo em si. Em meio às ideias apresentadas pelo autor em seu livro, torna-se difícil de sustentar tais teses sobre esta possível apatia popular. Os arranjos entre o governo e as oligarquias, em nome da manutenção do poder, excluíam as massas da participação política, que por sua vez foram obrigadas a se organizarem da maneira como lhes fosse possível, estabelecendo, assim, mundos paralelos. Bestializado, como nos mostra o autor, é aquele que se guiava pela aparência do formal, pois a realidade se escondia atrás dessa formalidade. Logo, não há uma falta de intervenção do povo no seio político, e a Revolta da Vacina serve para elucidar a existência de um sentimento que defendesse a honra e os direitos do povo, mesmo que fosse tão heterogêneo se entendendo como cidadania ou participação política.

Seja do lado da elite, Estado ou do povo, grandes nomes se fazem nesta época de intensa movimentação no Rio de Janeiro. E eis um dos grandes trunfos da obra de José Murilo de Carvalho, pois ele não mede esforços para citar diversos nomes que dão credibilidade à história sobre o início da Primeira República. Recorrendo a jornais do período, sejam escritos pela elite ou pelo povo, o autor busca detalhes mínimos para enriquecer sua obra. Percebe-se que não foram poucas as visitas aos arquivos públicos fluminenses.

Particularmente, achei uma obra muito legal, que vale muito a pena ser lida. Mas, não só por historiadores ou futuros historiadores em suas pesquisas, como também como para a população de um modo geral que possa vir a conhecer um pouco melhor a história do Rio de Janeiro, em pleno período de regime republicano. A leitura varia, pois, é necessário também tentar entender aquela época para o que sucede, porém, a linguagem e, de boa compreensão. Até hoje há ainda algumas particularidades no cotidiano da camada popular. Ao final, fico com as palavras conclusivas da obra: “Se a República não republicanizou a cidade, cabe perguntar se não seria o momento de a cidade redefinir a República segundo o modelo participativo que lhe é próprio, gerando um novo cidadão mais próximo do citadino”.

Bibliografia:

- CARVALHO, JOSÉ MURILO DE. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

- http://ifcsianovitor.blogspot.com.br/2008/06/resenha-carvalho-jos-murilo-de-os.html

- http://karenwildemberg.blogspot.com.br/2010/07/resumo-do-livro-os-bestializados-o-rio.html

- http://amigonerd.net/trabalho/30316-os-bestializados

- http://www.consciencia.org/bestializados_murilo_de_carvalho

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