segunda-feira, 16 de abril de 2012

RESENHA: Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi


Por Natália Ferraz

Em “Os Bestializados”, José Murilo de Carvalho trata da implantação de um novo regime político no Brasil e aborda as mudanças ocorridas com a Proclamação da República, principalmente no Rio de Janeiro.

Na Introdução o autor levanta qual o seu objetivo com este livro e apresenta quais temas serão abordados. Através de vários relatos é passado aos leitores como estava sendo vista a movimentação do povo no novo regime, e essa é a grande questão do livro: a participação do povo na República brasileira, qual era a expectativa e o que realmente aconteceu, e como a população reagiu com o desenvolver dos fatos.

Ainda na introdução José Murilo tenta explicar porque no Rio de Janeiro as transformações com o advento da República foram mais visíveis. Além de ser a capital, o Rio de Janeiro era a maior cidade do país na época da Proclamação e sendo as cidades o local de desenvolvimento da ideia de cidadania o Rio de Janeiro pela sua importância na época era o berço da cidadania brasileira. É levantada a importância do Rio de Janeiro de uma maneira geral, o autor afirma que acontecimentos corriqueiros na cidade ganham destaque em todo o país, de fato isto acontecia, mas a exemplo desse fato o autor usa a própria Proclamação da República o que considero uma falha. Independente de onde houvesse ocorrido a Proclamação, a notícia de mudança de regime político percorreria todo o território nacional.

Já no final da introdução o autor coloca a sua opinião a respeito do povo brasileiro, “já fica evidente que havia algo mais na política do que simplesmente um povo bestializado” e se pergunta quem é o povo brasileiro e como era esse povo. Na tentativa de encontrar essas respostas que os capítulos seguintes são desenvolvidos.

O primeiro capítulo do livro que é intitulado de “O Rio de Janeiro e a República” trata das mudanças ocorridas com a transição do Império para a República. Como já foi colocado, O Rio de Janeiro sentiu de forma mais intensa as mudanças advindas com a República, entretanto a cidade começou a sofrer transformações desde a abolição da escravatura.

A primeira alteração foi na demografia da cidade que teve a sua população quase duplicada, porém apenas 45% dos seus habitantes eram realmente cariocas. O aumento populacional ocasionava outros problemas como o aumento da criminalidade (60% dos crimes cometidos nesse período são relacionados à vadiagem, embriaguez, esses tipos desordens) e dificuldades nas habitações (problemas que já existiam como o precário abastecimento de água, a falta de um saneamento básico adequado foram intensificados no início da República provocando um grande surto de epidemias na cidade).

Também houve bastante agitação do campo econômico, outro setor que sofreu interferência com a abolição. A desenfreada emissão de moedas pôs a cidade em uma complicada situação de inflação, com um aumento considerável no custo de vida. Também é abordado no capítulo em questão as mudanças políticas. A grande expectativa gerada pela República foi frustrada logo nos primeiros anos. Havia muitas manifestações militares, muitas greves, os jacobinos chegaram a cometer um atentado contra o presidente.

Mudanças significativas também foram sentidas nos campos das ideias e das mentalidades que chegaram a gerar uma quebra de valores morais e de costumes. A república não produziu um corrente de pensamento própria, mas adotou várias ideologias já existentes, principalmente na Europa que com o advento da República encontraram espaço para adentrar no país.

Outro aspecto defendido no primeiro capítulo do livro é a falta de coesão da população carioca, na verdade existiam naquela cidade várias repúblicas independentes que, posteriormente, ao serem subjugadas pela República oficial não foram integradas a ela. Contudo, as grandes reformas realizadas no Rio provocaram um avanço na sua urbanização, mas causou um distanciamento ainda maior entre as camadas da sua sociedade. Os mais desfavorecidos se “acumularam” nas periferias e subiram os morros. Foram nessas localidades que novas “repúblicas” surgiram e foi ali que se desenvolveram características culturais do Rio de Janeiro moderno. O carnaval carioca e futebol brasileiro surgiram nas repúblicas não oficiais.

Já no segundo capítulo o autor trata mais especificamente dos tipos de cidadania existentes no país e nas ideologias que as sustentavam. O próprio título do capítulo, República e Cidadanias, já sugere o objetivo do autor. Entretanto, nesse capítulo também é abordado algumas contradições da República brasileira e alguma mudanças que foram esperadas, mas que não aconteceram.

Carvalho coloca que na Constituição 1824 já havia várias leis que seguiam a ideologia liberalista, a Constituição de 1891 pouco teve a acrescentar nesse sentido, não houve mudanças significativas; o Império já seguia algumas ideias do liberalismo, a República veio para enrijecer essa ideologia. Sendo exigida a alfabetização para se obter o direito ao voto, parte expressiva da sociedade brasileira era excluída desse direito e com a República o governo se isentava da obrigação a educação. As mudanças oferecidas pela República iam ao sentido contrário daquele que se esperava.

A extinção do Poder Moderador, do senado vitalício e outras estruturas do império com a intenção de retirar a concentração do poder desses setores nada adianta sem as mudanças nos direitos sociais e políticos. O que houve foi a transferência de poder para outras mãos: a elite rural e urbana.

O autor levanta a luta dos militares para conquistarem mais espaço na República que eles ajudaram a proclamar. Mas a luta dos militares era de dentro para fora, eles não lutavam pelo simples direito de voto, buscavam maior participação por pertencerem ao Estado. Nesse caso não era uma tentativa de obter cidadania, mas sim pertencer a estadania.

José Murilo define a cidadania de acordo com várias correntes ideológicas. A definição positivista de cidadania não via os direitos políticos como uma característica da cidadania, para essa corrente o cidadão deveria possuir os direitos civis e sociais e não deveriam reivindicar por eles. Em contrapartida dessa corrente seguia os socialistas que defendiam a expansão da cidadania e consideravam a República como uma impulsionadora desse processo; a República deveria dá espaço para os cidadãos agirem.

Todavia, além dessas correntes ideológicas que reivindicavam uma melhoria na República havia aqueles que eram contra qualquer tipo de organização política, se tratava dos anarquistas. Dentro dessa mentalidade ainda encontramos uma subdivisão: anarquistas comunistas (a favor do fim da propriedade privada e do Estado, mas aceitavam os sindicatos para ajudar na luta e eram pela revolução social); e anarquistas individualistas (eram contra qualquer tipo de organização, incluindo os sindicatos, e eram a favor da manutenção da propriedade privada) que era a minoria.

Já o terceiro capítulo procura responder a pergunta feita ainda na introdução (quem é o povo brasileiro e como era esse povo?). Os capítulos anteriores abordaram as efetivas mudanças ocorridas no início da República e as diversas ideologias que faziam surgir diversos tipos de cidadania. Os capítulos que virão abordam mais as atitudes da população, o autor utiliza os pontos levantados nos capítulos anteriores para analisar o comportamento dos supostos cidadãos brasileiros.

O capítulo cujo título é “Cidadão inativos: a abstenção eleitoral” vem subdividido em duas partes: o povo dos censos e o povo político. E tem por objetivo fazer uma analise mais aprofundada da estrutura social do Rio de Janeiro fazendo comparações com outras cidades do mundo, e reconhecer quem é o povo político da cidade em questão. O capítulo inicia com relatos de alguns estrangeiros a respeito da participação do povo brasileiro na vida política e a maioria deles expõe a inexistência de povo no Brasil, ou que o povo não se interessa pelos assuntos políticos. Além dos estrangeiros, alguns brasileiros deram declarações parecidas, a falta de participação popular na República frustrava muitos republicanos que chegavam a dá declarações como essas. Foi Aristides Lobo o primeiro a usar o termo “bestializado” para tratar o comportamento do povo frente à Proclamação da República.

Entretanto o autor faz uma ótima observação, se falava na inexistência de povo brasileiro e na falta de atitude política, falava-se na falta de cidadãos. Mas qual tipo de cidadão se procurava no Brasil, o típico cidadão europeu? Como foi colocado no capítulo anterior, havia inúmeras definições de cidadania, e o povo brasileiro poderia se enquadrar em uma delas, ou em várias.

Entretanto, os mesmo que colocaram que no Brasil não havia povo se arrependeram das suas colocações por verem o povo brasileiro agir. Eram feitas manifestações, greves e muitos começaram a concordar com Raul Pompéia quando esse colocou que no Brasil havia povos. Povos que mostravam o seu interesse político de uma forma diferente, através de manifestações, até porque grande parte da população não podia demonstrar a sua cidadania nas urnas. Aqueles que gozavam do direito ao voto muitas vezes não o exerciam, a corrupção em torno das eleições e a grande quantidade de fraudes desestimulava o cidadão a votar.

O quarto capítulo vem para fortalecer a ideia defendida no tópico anterior, no qual é criticada a versão que no Brasil não havia povo ou da apatia do povo existente frente à política. O capítulo intitulado de “Cidadãos ativos: a Revolta da Vacina” utiliza a revolta em questão para demonstrar a atuação os cidadãos brasileiros.

O capítulo possui subdivisões para um melhor estudo da Revolta. A primeira subdivisão trata da revolta em si, são abordados detalhes do desenrolar do movimento, os embates ocorridos entre as forças do governo e os opositores à obrigatoriedade da vacina e os enfrentes entre os jornais da posição e da oposição. Há outra subdivisão que trata dos revoltosos, quem eram as pessoas envolvidas na revolta. O autor deixa clara a heterogeneidade dos participantes. Esse caráter heterogêneo não é apenas a respeito da classe social das pessoas, mas também pelo que lutavam. As diferenças de interesses e a falta de comunhão entre os opositores à vacina são colocadas pelo autor com um dos motivos do fracasso do movimento. As motivações para a Revolta da vacina também é tratada em uma subdivisão a parte. Entretanto o autor dá muita ênfase para a questão moral, ponto no qual sou obrigada a discordar. Concordo com José Murilo quando ele coloca a Revolta da Vacina como um movimento complexo e que ainda há muitos pontos a serem estudados, então considero colocar a questão moral como umas das maiores motivações além de ser um equívoco um ato bastante simplista do autor. Não é desconsiderando esse aspecto, entretanto encaro a reivindicação por melhores condições de vida a cima das questões morais.

Contudo, o mais importante a considerar é o fato da ativa participação popular na Revolta da Vacina o que demonstra a existência de uma quantidade de cidadãos politicamente “ativos” maior que se pudesse supor.

No quinto e último capítulo, “Bestializados ou bilontras?”, o autor ressalta as contradições que geraram a sociedade carioca. Uma cidade com uma forte tradição escravista, essencialmente consumidora e com um estilo comunitário vê com a Proclamação da República a entrada de ideias novas, liberalismo individualista, que exigem uma postura diferente da sua sociedade. O carioca que estava acostumado com a condição de súdito transformou-se em cidadão, envolvidos em um grande conflito de tradições.

Entretanto, essa mistura de ideologias, as quais os cariocas foram submetidos, pode ter sido a razão do desenvolvimento de uma cultura única: o gosto pela festa, a particularidade de “carnavalizar” os acontecimentos, a irreverência. Além de todas essas peculiaridades, José Murilo de Carvalho também atribui aos cariocas à esperteza e os denomina como bilontra que é definido pelo próprio autor como: “o bilontra é o espertalhão, o velhaco, o gozador; é o tribofeiro.” Para Carvalho o povo carioca não era bestializado e sim bilontra. Bestializado eram aqueles que acreditavam na República, os bilontras sabiam que o novo regime era uma farsa e por essa razão não se desgastavam por ele nem se deixavam manipular.

Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a Republica que não foi, é uma excelente obra para se compreender os desenrolar dos fatos acorridos após a Proclamação da República e as transformações afluídas com ela. A obra é recomendada principalmente para a análise do comportamento do povo brasileiro frente à mudança de regime político. O autor nos trás um excelente levantamento dos tipos de cidadanias presentes no país no início da República e as ideologias que as sustentavam; além disso, trata também de que modo os cidadãos brasileiros agiam, porque se chegou a questionar a existência de povo no Brasil e como era esse povo logo após a proclamação.

Entretanto, discordo do autor no ponto em que ele considera os cariocas bilontras, que sabiam que a República não era para valer e que deixavam os acontecimentos transcorrerem a sua revalia de maneira consciente. E também não concordo com o fato de Carvalho considerar bestializados aqueles que acreditavam, aqueles que iam as urnas votar ou iam as ruas protestar. Talvez eles também não acreditassem na seriedade da República, mas estivessem lutando para torná-la séria. Com certeza com o decorrer do tempo os cariocas tenham sim se transformados em grandes bilontras (não só os cariocas, mas os brasileiros), mas não acredito que eles tenham visto a república como uma farsa logo nos primeiro dias de vida desta.

Um comentário:

  1. Bom trabalho. Mas a tese do autor e seus argumentos precisariam ficar mais claros...
    Apesar de vc escrever bem, os argumentos não estão muito claros...
    Nota 8.0

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