terça-feira, 17 de abril de 2012

Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi


Os Bestializados.  José Murilo de Carvalho.
Por:  Suzane Araújo. 
          No prefácio, José Murilo relata a frase de indignação por Aristides Lobo, pois segundo este, o povo assistiu bestializado a implantação da republica e comparou-a com uma movimento de parada militar; e a de Louis Couty que devido a sua experiência com a realidade francesa, concluiu que a população brasileira não era tão participante politicamente como o seu país. O autor traz inicialmente estes dois exemplos de colocações para à partir dessa ideia central ele possa desmembrar toda uma discussão que abrange tal pensamento. O autor, ainda no prefácio, justifica que escolheu como objeto de analise o Rio de Janeiro devido ao fato de que esta era a maior cidade em nível populacional durante os anos iniciais da Republica, da sua importância política, econômica e administrava enquanto capital e vizinha de uma grande zona cafeeira, e, da projeção dos acontecimentos no RJ que ganhavam dimensões em todo o país.
          Ao sair do prefácio e adentrar no primeiro capitulo da obra de José Murilo, este apresenta que o fim da escravidão, a vinda de imigrantes, o êxodo rural, e o desequilíbrio entre o número de homens em relação ao de mulheres, foram as principais mudanças do aumento demográfico, e que consequentemente, este quadro acentuou a falta de trabalhos mau remunerados e a péssima qualidade da habitação e da higiene   vividas pelos fluminenses. A crise econômica desencadeada sobretudo, pela liberação de dinheiro que se fez necessária com o fim da abolição,  trouxe o aumento da especulação do capital, a crise do preço do café, recessão econômica, elevação do imposto sobre os importados, carestias de produtos, aumento do custo de vida e da oferta de trabalho.
          Além dessas mudanças econômicas e demográficas, a população no começo da Republica estava ansiosa em relação a esse novo regime, pois, achavam que teriam mais participação política em relação à política anterior. Somasse a este quadro descrito acima, grande agitação social entre os militares que se acharam no direito de intervir aonde lhes desejassem; operários realizavam greves bem como outros setores da vida econômica, descontentes com a crise geral e com a nova Republica, jacobinos eram agitadores, ameaçavam e matavam portugueses, opositores políticos e o governo; capoeiras e anarquistas eram presos e deportados.
          Ainda durante este primeiro capitulo, o autor mostra que nos primeiros anos da Republica, havia uma movimentação no mundo das ideias. Os republicanos liberais e federalistas inspiravam-se na Revolução francesa e tinham uma postura centralista. Já os positivistas se viam como tutores da nação durante a República. Surgiram também propostas anarquistas e de intelectuais que buscaram ter algum tipo de aliança com a nova Republica.
          A República também proporcionou a afloração de valores morais e costumes que antes estavam ocultos. A sedução, o jogo, a vagabundagem estavam em evidencias e as autoridades republicanas buscaram reprimir o “surto” de imoralidade. Algumas formas de repressão contra pobres, negros, capoeiras, bicheiros e etc. foram vistas de forma negativa pela população o que gerou um sentimento de raiva em relação à Republica, e um saudosismo dos tempos da monarquia. Com base nesse quadro de acontecimento geral, percebe-se que a Republica tinha grandes desafios à superar em sua fase inicial.
          Já que alguns setores da camada social se encontravam frustrados com a falsa promessa de uma Republica participativa, houve a tentativa de participação política, porém, estas formas eliminadas como foi o caso dos jacobinos e de socialistas que encontravam dificuldades de participar do processo eleitoral. A participação popular passou a ser feita de modo extra-oficial, somente desta maneira a população encontrou voz. Não havia o sentimento de pertencimento à uma política coletiva, o único valor em comum a todas as populações, era a religião.
          No segundo capítulo, o autor ao tratar sobre Republicas e Cidadanias, traz a distinção política que se formou durante a República, entre os cidadãos ativos, que eram aqueles que tinham direitos políticos e civis; e os inativos que só possuíam os direitos civis. O autor ressalta que desde os tempos do Império o voto não era ampliado para todos os setores sociais. A República liberal se tornava cada vez mais discriminatória e antidemocrática, pois proibia greves, coligações entre os operários, ela não estendeu os direitos civis e políticos para todos e colocou o poder nas mãos dos proprietários rurais e urbanos.
          O autor traz a concepção de cidadania do radical Silva Jardim, no qual, acreditava que o povo era uma classe homogênea e que ela defenderia um só interesse. Além disso, ele acreditava em uma ditadura republicana que deveria representar um único interesse. Ao falar ainda sobre cidadania, muito antes da República, os militares buscavam um reconhecimento melhor dentro da sociedade em que viviam. Durante a República, eles tentaram se aproximar dos direitos civis e reivindicavam direitos políticos e uma maior participação na política. Segundo o autor, eles desejavam participar do Estado, ter direito à estadania.
          Já os soldados juntamente com os operários defendiam o direito ao voto e de serem representados diante à nação. Particularmente os primeiros, desejavam trabalhar na administração pública. Já a classe operaria idealizou que no novo regime ela teria maior participação política. Ela tentou durante a República, se organizar politicamente através de partidos, mas, em varias ocasiões foi abafada. Com base nos casos dos militares, dos soldados e dos operários, percebe-se que cada um deles buscava os seus direitos políticos e civis de acordo com seus interesses e que não necessariamente, eles desejavam a ampliação desses direitos para toda população que era inativa.
          O autor ao aborda sobre o conceito de cidadania para os republicanos, afirma que eles se baseavam em Comte e que os cidadãos deveriam ter apenas o direito civil e social, sem participação política e teriam que esperar pela ação do governo, além de não reivindicar direitos civis e sociais.
          O socialismo se encontrava divido no Brasil, havia partidos operários de socialistas que buscavam um representante, ou buscavam o apoio do governo. Os anarquistas começaram a ganhar campo em jornais, revistas, federações e congressos. Eles não aceitavam o sistema político. Porém, dentro do anarquismo brasileiro existia aqueles que são de vertente comunista e que pregavam o fim da propriedade privada e do Estado, a Revolução Social e o sindicalismo como arma de luta; já os anarquistas individualistas assumiam as mesmas bandeira dos anarquistas comunistas exceto no que diz respeito à manutenção da propriedade privada e a rejeição de qualquer tipo de autoridade que provenha do Estado, de partidos e de eleições.
          O autor mostra que durante a Republica houve vários conceitos de cidadania e de Pátria. De uma forma sistematizada e se baseando em sociólogos clássicos, o autor mostra que pátria esta ligada à família, a cooperação, à comunidade e ao sentimento. Já a cidadania seria um contrato racional, individualista e em defesa dos interesses. Os positivistas afirmavam que a pátria e a cidade eram sinônimas de convivência coletiva, afetiva e que elas se baseavam em uma relação de deveres entre os seus membros. É interessante ressaltar que em oposição à prática da cidadania, o autor trabalha que a estadania seria aqueles indivíduos que estavam fora dos parâmetros civis, sociais, econômicos e/ou políticos do Estado, mas que desejavam participar de alguma forma na máquina estatal, como por exemplo, os militares e os capoeiras.
          Os anarquistas negavam a ideia de pátria como um sendo a relação de um individuo que pertence a um determinado lugar. Eles acreditam em um conceito de pátria ligado a um indivíduo que pertencia ao universal. Os anarquistas criticam a pátria pregada pelos liberais, pois acreditavam que ela usada em prol do interesse da classe capitalista dominante.
          Já no capitulo que se refere aos Cidadãos Inativos: A Abstenção Eleitoral, o autor aborda sobre quem eram as pessoas que criavam as propostas de cidadania, quais eram as suas participações políticas e atuações enquanto cidadão. Ele traz também o relato de estrangeiros que falavam da não participação do povo na vida brasileira. Dentre essas afirmações esses estrangeiros viram que o povo não participava dos negócios públicos, e que até mesmo as classes dominantes da economia e da política não atuavam de forma efetiva na cidadania. Ainda segundo estes relatos, acreditavam que a política era para ser dirigida pela classe dominante e que no caso do Brasil, os militares poderiam dar qualquer rumo político que o povo facilmente aceitaria.
          Porém o autor ira afirmar que tal pensamento é exagerado e que não corresponderia totalmente à realidade, pois desde o Primeiro Reinado e no Período Regencial que é verificável intensa participação política por parte do povo. Até mesmo na Republica é visível mobilizações, greves, revoltas e etc. que marcam o sentimento de não apatia. Esse tipo de povo que participava dessas “agitações” em sua maioria não eram cidadãos político. Talvez esse pormenor tenha passado por despercebido dentre os  estrangeiros.
          Em um subtema desde capitulo que se chama O Povo dos Censos, o autor trabalha com os censos de 1890 e de 1906 para mostra quem era a população do Rio de Janeiro daquele período e em que ocupação se debruçava. O autor mostra que do alto da pirâmide social estavam os banqueiros, os capitalistas e os proprietários; na camada intermediaria estavam os profissionais liberais, comerciantes, funcionários públicos e as múltiplas categorias de operários; e que na base havia os jornaleiros, trabalhadores domésticos e pessoas sem profissão reconhecida.
          O autor irá se debruçar neste tópico para falar sobre os estrangeiros. Ele afirma que estes eram em grande número durante a República e que se sobressaia aqui, o português. Os imigrantes estavam presentes desde camadas sociais mais elevadas como também nas desfavoráveis. Havia particularmente, um ódio exacerbado pelos portugueses, justificado pelo seu controle no comércio, nas moradias de aluguel e pela sua preferência nas vagas de emprego.
          A lei de naturalização dava ao estrangeiro o direito de votar. Porém, o governo passou a “subornar” os imigrantes com cargos públicos para que eles se naturalizassem. Com isso, o governo desejava de fato forçar o imigrante a adentrar nas forças armadas brasileiras. Essa ação do governo era muito criticada pelos embaixadores, como afirma o autor. Se tratando do outro subtema do terceiro capitulo que trata sobre O Povo Político, são apresentados vários problemas que dificultavam a atuação política da população: grande número de estrangeiros, parcelas da população não conheciam as forças que direcionavam a sociedade e a política, as greves realizadas pelos portugueses não eram contínuas e o grande número de analfabetos.
          O autor apresenta que oitenta por cento da população era cidadã inativa, e que o povo restante possuidor do direito de exercer a cidadania política, por vezes, não o fazia. Com base nisso, ele conclui que não havia cidadão político no Rio de Janeiro. A população votante provinha, sobretudo da classe do funcionalismo, que por vezes era pressionado pelo Estado fazer o fazer. Além do mais muitos políticos para garantirem seus votos, contratavam bandidos, capoeiras e etc. para intimidar e agredir os que negassem seu voto a determinado candidato.
          Percebe-se com isso que mais uma vez a Republica que foi instalada nada tinha de democrática, e que em certos momentos puniu e repreendeu de forma ditatorial. A única forma que os não votantes encontraram para expressarem a sua insatisfação era por meio de greves, motins e quebra-quebras. Já os votantes, eram cidadãos plenos, mas não exerciam o direito político frente à insegurança.
  Ao falar sobre a Revolta da Vacina o autor primeiramente contextualiza este episódio no governo de Rodrigues Alves e explana as diversas reformas sanitárias e públicas realizadas no Rio de Janeiro. Algumas pessoas não se mostravam simpáticas às medidas sanitaristas que exigiam a interdição ou a demolição de seus imóveis. Antes mesmo de a Revolta emergir, houve grande oposição de políticos frente à proibição da obrigatoriedade da vacina, o que trouxe à tona pensamentos de deposição ao governo. Vale ressaltar que a imprensa estava dividida à cerca da aceitação ou não da vacina e que outras disputas estavam ocorrendo paralelamente à Revolta, como a mobilização dos militares contra o governo.
          O que deve ser tratado como relevante sobre essa Revolta é o fato de que vários setores da sociedade discordavam a cerca da “intromissão” do governo ao obrigar o indivíduo a abrir sua porta, ser tocado por um estranho e ser vacinado. Isso mostrava que o povo tinha uma vaga noção de até onde o Estado poderia ir em relação ao que é privado. A moral estava em jogo, ela foi o “cimento” que unificou grande parte da sociedade.
          A Revolta também nos permite enxergar que as massas anteriormente reprimidas pelo Estado, já tinham antes da Revolta, concentrado forças de antipatia contra o regime republicano.  Ainda sobe essa Revolta, o autor desmente por meio de fontes da época que o motivo real daquela teria sido pelos descontentamentos dos fatores econômicos e pelas obras publicas.
No ultimo capitulo, Bestilizados ou Bilontras? o autor irá trazer uma discussão teórica à cerca do contraponto entre a ação comunitária extra-oficial, da população ao fazer motins, greves, manifestações, à sua capacidade de coletividade nos festejos profanos e religiosos; e de o mesmo povo não poder  expressar a sua cidadania.
Para fundamentar a posição de súdito do povo ao invés de ser cidadão, o autor apresenta estudos de Alberto Sales e Silvio Romero baseados em Richard Morse, que afirmavam que o brasileiro é sociável com indivíduos que lhe são mais próximos e que isso é um traço da herança cultural ibérica de caráter cooperativa e familiar. Tal atitude acarrearia à falta de solidariedade mais ampla e de uma consciência coletiva. Opostamente, a cultura individualista no estilo anglo-saxônica, teria permitido à política participativa, à iniciativa privada, à associação.
          Para os pensadores liberalistas, essa falta da iniciativa privada e do espírito empreendedor gerou uma ânsia pelo emprego publico no Brasil. Em oposição a estes pensadores, Annibal Falcão inspirado em Comte, acreditava que a humanidade caminhava para a integração, e que o individualismo não levava à democracia.  
          A população brasileira se relacionava de forma comunitária, em espírito de associação, como exemplo disso tinha-se as irmandades, os núcleos operários, as festas profanas e religiosas. Aliando-se a esse pensamento sociológico descrito acima, e tomando como base o pensamento weberiano o autor conclui que o Rio de Janeiro devido as suas heranças colônias, escravistas, administrativas e político-econômicas teriam se gerado posteriormente, a burocracia e a dominação do Estado sobre a cidade, o que impediu a autonomia desta ultima. 
          Mesmo com a vinda do Abolicionismo, da Republica e consequentemente do liberalismo individualista, a cultura brasileira ainda estava arraigada no comunitarismo. É por isso que havia no seio da população forças antagônicas. Com base nesta explicação pode-se entender porque a população ao mesmo tempo em que estava integrada nos festejos religiosos, nas festividades e nas assistências mútuas; também apresentava indiferença pela participação política, não possuíam o conhecimento de que eram cidadãos compostos de deveres, e dos limites e funções do Estado. A população da cidade advinda das diversas classes e etnias passou a interagir entre si nas mais variadas formas culturais. Mas, em nível de política, a cidade não se apresentava de forma cooperativa.   
          O autor ao apresentar a figura do bilontra, afirma que a trapaça e a malandragem faziam parte do comportamento do fluminense, e estavam presentes nas relações entre indivíduos e instituições. O bilontra é aquele espertalhão que conhece a realidade, sabe que ela não vai mudar e por isso ele age não a levando a sério. Ao longo da história fluminense, o Estado e os seus representantes passaram a se relacionar de uma ordem diferente da vigente.
          As pessoas que se deixavam levar pela aparência da realidade, eram ingênuas e não percebiam o real. Como o governo não era levado a sério, por vezes tinha que recorrer aos meios de repressão. O povo sabia que o que se apresentava como o real, o formal, não era para ser levado a sério. A população sabia que a Republica não instigava a sua participação política, e ao seu exercício da cidadania, por isso ela não podia ser levada a serio. Bestializado era aquele que pensava que ela era pra valer.
          Penso que a obra de José Murilo contempla um período histórico riquíssimo de modo que sua obra possui um caráter singular na forma com que ele aborda a questões da cidadania, da pátria, das articulações dos grupos sociais, da forma desses pensarem e atuarem (ou não) na política, das concepções de Republica; sem esquecer claro, das valiosas fontes( relatos, jornais, revistas e etc.) com que o autor trabalha para desenvolver e mostrar nuances que até então, não tinham sido explicitas.     

Um comentário:

  1. Susane, seu trabalho tem feições de um fichamento, não de uma resenha. Vc não mostra qual a tese central do autor, quais seus argumentos, como ele debate com a historiografia ou mesmo como a historiografia recebeu e discutiu o trabalho. Vc também não demonstra um posicionamento crítico em relação ao autor
    Nota: 7.0

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