Os Bestializados. José Murilo de Carvalho.
Por: Suzane
Araújo.
No
prefácio, José Murilo relata a frase de indignação por Aristides Lobo, pois
segundo este, o povo assistiu bestializado a implantação da republica e
comparou-a com uma movimento de parada militar; e a de Louis Couty que devido a
sua experiência com a realidade francesa, concluiu que a população brasileira
não era tão participante politicamente como o seu país. O autor traz
inicialmente estes dois exemplos de colocações para à partir dessa ideia
central ele possa desmembrar toda uma discussão que abrange tal pensamento. O
autor, ainda no prefácio, justifica que escolheu como objeto de analise o Rio
de Janeiro devido ao fato de que esta era a maior cidade em nível populacional
durante os anos iniciais da Republica, da sua importância política, econômica e
administrava enquanto capital e vizinha de uma grande zona cafeeira, e, da
projeção dos acontecimentos no RJ que ganhavam dimensões em todo o país.
Ao sair
do prefácio e adentrar no primeiro capitulo da obra de José Murilo, este
apresenta que o fim da escravidão, a vinda de imigrantes, o êxodo rural, e o
desequilíbrio entre o número de homens em relação ao de mulheres, foram as
principais mudanças do aumento demográfico, e que consequentemente, este quadro
acentuou a falta de trabalhos mau remunerados e a péssima qualidade da
habitação e da higiene vividas pelos fluminenses. A crise econômica
desencadeada sobretudo, pela liberação de dinheiro que se fez necessária com o
fim da abolição, trouxe o aumento da
especulação do capital, a crise do preço do café, recessão econômica, elevação
do imposto sobre os importados, carestias de produtos, aumento do custo de vida
e da oferta de trabalho.
Além
dessas mudanças econômicas e demográficas, a população no começo da Republica
estava ansiosa em relação a esse novo regime, pois, achavam que teriam mais
participação política em relação à política anterior. Somasse a este quadro
descrito acima, grande agitação social entre os militares que se acharam no
direito de intervir aonde lhes desejassem; operários realizavam greves bem como
outros setores da vida econômica, descontentes com a crise geral e com a nova
Republica, jacobinos eram agitadores, ameaçavam e matavam portugueses,
opositores políticos e o governo; capoeiras e anarquistas eram presos e
deportados.
Ainda
durante este primeiro capitulo, o autor mostra que nos primeiros anos da
Republica, havia uma movimentação no mundo das ideias. Os republicanos liberais
e federalistas inspiravam-se na Revolução francesa e tinham uma postura
centralista. Já os positivistas se viam como tutores da nação durante a República.
Surgiram também propostas anarquistas e de intelectuais que buscaram ter algum
tipo de aliança com a nova Republica.
A República
também proporcionou a afloração de valores morais e costumes que antes estavam
ocultos. A sedução, o jogo, a vagabundagem estavam em evidencias e as
autoridades republicanas buscaram reprimir o “surto” de imoralidade. Algumas
formas de repressão contra pobres, negros, capoeiras, bicheiros e etc. foram
vistas de forma negativa pela população o que gerou um sentimento de raiva em
relação à Republica, e um saudosismo dos tempos da monarquia. Com base nesse quadro de
acontecimento geral, percebe-se que a Republica tinha grandes desafios à
superar em sua fase inicial.
Já que
alguns setores da camada social se encontravam frustrados com a falsa promessa
de uma Republica participativa, houve a tentativa de participação política,
porém, estas formas eliminadas como foi o caso dos jacobinos e de socialistas
que encontravam dificuldades de participar do processo eleitoral. A
participação popular passou a ser feita de modo extra-oficial, somente desta
maneira a população encontrou voz. Não havia o sentimento de pertencimento à
uma política coletiva, o único valor em comum a todas as populações, era a
religião.
No
segundo capítulo, o autor ao tratar sobre Republicas
e Cidadanias, traz a distinção política que se formou durante a República,
entre os cidadãos ativos, que eram aqueles que tinham direitos políticos e
civis; e os inativos que só possuíam os direitos civis. O autor ressalta que
desde os tempos do Império o voto não era ampliado para todos os setores
sociais. A República liberal se tornava cada vez mais discriminatória e
antidemocrática, pois proibia greves, coligações entre os operários, ela não
estendeu os direitos civis e políticos para todos e colocou o poder nas mãos
dos proprietários rurais e urbanos.
O autor
traz a concepção de cidadania do radical Silva Jardim, no qual, acreditava que
o povo era uma classe homogênea e que ela defenderia um só interesse. Além
disso, ele acreditava em uma ditadura republicana que deveria representar um
único interesse. Ao falar ainda sobre cidadania, muito antes da República, os
militares buscavam um reconhecimento melhor dentro da sociedade em que viviam.
Durante a República, eles tentaram se aproximar dos direitos civis e
reivindicavam direitos políticos e uma maior participação na política. Segundo
o autor, eles desejavam participar do Estado, ter direito à estadania.
Já os
soldados juntamente com os operários defendiam o direito ao voto e de serem
representados diante à nação. Particularmente os primeiros, desejavam trabalhar
na administração pública. Já a classe operaria idealizou que no novo regime ela
teria maior participação política. Ela tentou durante a República, se organizar
politicamente através de partidos, mas, em varias ocasiões foi abafada. Com
base nos casos dos militares, dos soldados e dos operários, percebe-se que cada
um deles buscava os seus direitos políticos e civis de acordo com seus interesses
e que não necessariamente, eles desejavam a ampliação desses direitos para toda
população que era inativa.
O autor
ao aborda sobre o conceito de cidadania para os republicanos, afirma que eles
se baseavam em Comte e que os cidadãos deveriam ter apenas o direito civil e
social, sem participação política e teriam que esperar pela ação do governo,
além de não reivindicar direitos civis e sociais.
O
socialismo se encontrava divido no Brasil, havia partidos operários de
socialistas que buscavam um representante, ou buscavam o apoio do governo. Os
anarquistas começaram a ganhar campo em jornais, revistas, federações e
congressos. Eles não aceitavam o sistema político. Porém, dentro do anarquismo
brasileiro existia aqueles que são de vertente comunista e que pregavam o fim
da propriedade privada e do Estado, a Revolução Social e o sindicalismo como
arma de luta; já os anarquistas individualistas assumiam as mesmas bandeira dos
anarquistas comunistas exceto no que diz respeito à manutenção da propriedade
privada e a rejeição de qualquer tipo de autoridade que provenha do Estado, de
partidos e de eleições.
O autor
mostra que durante a Republica houve vários conceitos de cidadania e de Pátria.
De uma forma sistematizada e se baseando em sociólogos clássicos, o autor
mostra que pátria esta ligada à família, a cooperação, à comunidade e ao
sentimento. Já a cidadania seria um contrato racional, individualista e em
defesa dos interesses. Os positivistas afirmavam que a pátria e a cidade eram
sinônimas de convivência coletiva, afetiva e que elas se baseavam em uma
relação de deveres entre os seus membros. É interessante ressaltar que em
oposição à prática da cidadania, o autor trabalha que a estadania seria aqueles
indivíduos que estavam fora dos parâmetros civis, sociais, econômicos e/ou
políticos do Estado, mas que desejavam participar de alguma forma na máquina
estatal, como por exemplo, os militares e os capoeiras.
Os
anarquistas negavam a ideia de pátria como um sendo a relação de um individuo
que pertence a um determinado lugar. Eles acreditam em um conceito de pátria ligado
a um indivíduo que pertencia ao universal. Os anarquistas criticam a pátria
pregada pelos liberais, pois acreditavam que ela usada em prol do interesse da
classe capitalista dominante.
Já no
capitulo que se refere aos Cidadãos
Inativos: A Abstenção Eleitoral, o
autor aborda sobre quem eram as pessoas que criavam as propostas de cidadania,
quais eram as suas participações políticas e atuações enquanto cidadão. Ele
traz também o relato de estrangeiros que falavam da não participação do povo na
vida brasileira. Dentre essas afirmações esses estrangeiros viram que o povo
não participava dos negócios públicos, e que até mesmo as classes dominantes da
economia e da política não atuavam de forma efetiva na cidadania. Ainda segundo
estes relatos, acreditavam que a política era para ser dirigida pela classe
dominante e que no caso do Brasil, os militares poderiam dar qualquer rumo
político que o povo facilmente aceitaria.
Porém o
autor ira afirmar que tal pensamento é exagerado e que não corresponderia
totalmente à realidade, pois desde o Primeiro Reinado e no Período Regencial
que é verificável intensa participação política por parte do povo. Até mesmo na
Republica é visível mobilizações, greves, revoltas e etc. que marcam o
sentimento de não apatia. Esse tipo de povo que participava dessas “agitações”
em sua maioria não eram cidadãos político. Talvez esse pormenor tenha passado por
despercebido dentre os estrangeiros.
Em um
subtema desde capitulo que se chama O
Povo dos Censos, o autor trabalha com os censos de 1890 e de 1906 para
mostra quem era a população do Rio de Janeiro daquele período e em que ocupação
se debruçava. O autor mostra que do alto da pirâmide social estavam os
banqueiros, os capitalistas e os proprietários; na camada intermediaria estavam
os profissionais liberais, comerciantes, funcionários públicos e as múltiplas
categorias de operários; e que na base havia os jornaleiros, trabalhadores
domésticos e pessoas sem profissão reconhecida.
O autor
irá se debruçar neste tópico para falar sobre os estrangeiros. Ele afirma que
estes eram em grande número durante a República e que se sobressaia aqui, o
português. Os imigrantes estavam presentes desde camadas sociais mais elevadas
como também nas desfavoráveis. Havia particularmente, um ódio exacerbado pelos
portugueses, justificado pelo seu controle no comércio, nas moradias de aluguel
e pela sua preferência nas vagas de emprego.
A lei
de naturalização dava ao estrangeiro o direito de votar. Porém, o governo
passou a “subornar” os imigrantes com cargos públicos para que eles se
naturalizassem. Com isso, o governo desejava de fato forçar o imigrante a adentrar
nas forças armadas brasileiras. Essa ação do governo era muito criticada pelos
embaixadores, como afirma o autor. Se tratando do outro subtema do terceiro capitulo
que trata sobre O Povo Político, são apresentados vários
problemas que dificultavam a atuação política da população: grande número de
estrangeiros, parcelas da população não conheciam as forças que direcionavam a
sociedade e a política, as greves realizadas pelos portugueses não eram
contínuas e o grande número de analfabetos.
O autor
apresenta que oitenta por cento da população era cidadã inativa, e que o povo
restante possuidor do direito de exercer a cidadania política, por vezes, não o
fazia. Com base nisso, ele conclui que não havia cidadão político no Rio de
Janeiro. A população votante provinha, sobretudo da classe do funcionalismo, que
por vezes era pressionado pelo Estado fazer o fazer. Além do mais muitos
políticos para garantirem seus votos, contratavam bandidos, capoeiras e etc.
para intimidar e agredir os que negassem seu voto a determinado candidato.
Percebe-se
com isso que mais uma vez a Republica que foi instalada nada tinha de
democrática, e que em certos momentos puniu e repreendeu de forma ditatorial. A
única forma que os não votantes encontraram para expressarem a sua insatisfação
era por meio de greves, motins e quebra-quebras. Já os votantes, eram cidadãos
plenos, mas não exerciam o direito político frente à insegurança.
Ao falar
sobre a Revolta da Vacina o autor primeiramente contextualiza este episódio no
governo de Rodrigues Alves e explana as diversas reformas sanitárias e públicas
realizadas no Rio de Janeiro. Algumas pessoas não se mostravam simpáticas às
medidas sanitaristas que exigiam a interdição ou a demolição de seus imóveis. Antes
mesmo de a Revolta emergir, houve grande oposição de políticos frente à
proibição da obrigatoriedade da vacina, o que trouxe à tona pensamentos de deposição
ao governo. Vale ressaltar que a imprensa estava dividida à cerca da aceitação
ou não da vacina e que outras disputas estavam ocorrendo paralelamente à
Revolta, como a mobilização dos militares contra o governo.
O que
deve ser tratado como relevante sobre essa Revolta é o fato de que vários
setores da sociedade discordavam a cerca da “intromissão” do governo ao obrigar
o indivíduo a abrir sua porta, ser tocado por um estranho e ser vacinado. Isso
mostrava que o povo tinha uma vaga noção de até onde o Estado poderia ir em
relação ao que é privado. A moral estava em jogo, ela foi o “cimento” que
unificou grande parte da sociedade.
A
Revolta também nos permite enxergar que as massas anteriormente reprimidas pelo
Estado, já tinham antes da Revolta, concentrado forças de antipatia contra o
regime republicano. Ainda sobe essa
Revolta, o autor desmente por meio de fontes da época que o motivo real daquela
teria sido pelos descontentamentos dos fatores econômicos e pelas obras
publicas.
No ultimo capitulo, Bestilizados ou Bilontras? o autor irá
trazer uma discussão teórica à cerca do contraponto entre a ação comunitária
extra-oficial, da população ao fazer motins, greves, manifestações, à sua
capacidade de coletividade nos festejos profanos e religiosos; e de o mesmo
povo não poder expressar a sua
cidadania.
Para fundamentar a posição
de súdito do povo ao invés de ser cidadão, o autor apresenta estudos de Alberto
Sales e Silvio Romero baseados em Richard Morse, que afirmavam que o brasileiro
é sociável com indivíduos que lhe são mais próximos e que isso é um traço da
herança cultural ibérica de caráter cooperativa e familiar. Tal atitude acarrearia
à falta de solidariedade mais ampla e de uma consciência coletiva. Opostamente,
a cultura individualista no estilo anglo-saxônica, teria permitido à política
participativa, à iniciativa privada, à associação.
Para os
pensadores liberalistas, essa falta da iniciativa privada e do espírito
empreendedor gerou uma ânsia pelo emprego publico no Brasil. Em oposição a
estes pensadores, Annibal Falcão inspirado em Comte, acreditava que a
humanidade caminhava para a integração, e que o individualismo não levava à
democracia.
A
população brasileira se relacionava de forma comunitária, em espírito de
associação, como exemplo disso tinha-se as irmandades, os núcleos operários, as
festas profanas e religiosas. Aliando-se a esse pensamento sociológico descrito
acima, e tomando como base o pensamento weberiano o autor conclui que o Rio de
Janeiro devido as suas heranças colônias, escravistas, administrativas e
político-econômicas teriam se gerado posteriormente, a burocracia e a dominação
do Estado sobre a cidade, o que impediu a autonomia desta ultima.
Mesmo
com a vinda do Abolicionismo, da Republica e consequentemente do liberalismo
individualista, a cultura brasileira ainda estava arraigada no comunitarismo. É
por isso que havia no seio da população forças antagônicas. Com base nesta
explicação pode-se entender porque a população ao mesmo tempo em que estava
integrada nos festejos religiosos, nas festividades e nas assistências mútuas;
também apresentava indiferença pela participação política, não possuíam o
conhecimento de que eram cidadãos compostos de deveres, e dos limites e funções
do Estado. A população da cidade advinda das diversas classes e etnias passou a
interagir entre si nas mais variadas formas culturais. Mas, em nível de política,
a cidade não se apresentava de forma cooperativa.
O autor
ao apresentar a figura do bilontra, afirma que a trapaça e a malandragem faziam
parte do comportamento do fluminense, e estavam presentes nas relações entre
indivíduos e instituições. O bilontra é aquele espertalhão que conhece a
realidade, sabe que ela não vai mudar e por isso ele age não a levando a sério.
Ao longo da história fluminense, o Estado e os seus representantes passaram a
se relacionar de uma ordem diferente da vigente.
As
pessoas que se deixavam levar pela aparência da realidade, eram ingênuas e não
percebiam o real. Como o governo não era levado a sério, por vezes tinha que
recorrer aos meios de repressão. O povo sabia que o que se apresentava como o
real, o formal, não era para ser levado a sério. A população sabia que a
Republica não instigava a sua participação política, e ao seu exercício da
cidadania, por isso ela não podia ser levada a serio. Bestializado era aquele
que pensava que ela era pra valer.
Penso
que a obra de José Murilo contempla um período histórico riquíssimo de modo que
sua obra possui um caráter singular na forma com que ele aborda a questões da
cidadania, da pátria, das articulações dos grupos sociais, da forma desses
pensarem e atuarem (ou não) na política, das concepções de Republica; sem
esquecer claro, das valiosas fontes( relatos, jornais, revistas e etc.) com que
o autor trabalha para desenvolver e mostrar nuances que até então, não tinham
sido explicitas.
Susane, seu trabalho tem feições de um fichamento, não de uma resenha. Vc não mostra qual a tese central do autor, quais seus argumentos, como ele debate com a historiografia ou mesmo como a historiografia recebeu e discutiu o trabalho. Vc também não demonstra um posicionamento crítico em relação ao autor
ResponderExcluirNota: 7.0