segunda-feira, 16 de abril de 2012

CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

Rosana Maria dos Santos

Resenha
O texto propõe analisar o livro de José Murilo de Carvalho cujo título é: Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. José Murilo de Carvalho é graduado em sociologia e política pela Universidade Federal de Minas Gerais e pós-doutor em História da América Latina pela University of London. Autor de vários livros e artigos relacionados ao período Imperial e o Republicano.  Atualmente atua no programa de pós-graduação da universidade Federal do Rio de Janeiro onde desenvolve pesquisas nas áreas de história intelectual, Cidadania, Republica formação da nação, imaginário e pensamento conservador. O autor também é referencia em história do período republicano, pois apresenta uma vasta bibliografia sobre o assunto como, por exemplo, o artigo “República, democracia e federalismo Brasil, 1870-1891”. Nesse artigo o autor discute como foi a transformação dos radicais liberais em republicanos, ocorrida a partir do manifesto Republicano de 1870 e como esse processo de transformação provocou um retrocesso conservador e suspendeu o programa de reformas sociais e políticas no Brasil, essa idéia foi  proposta pelos radicais durante a década de 1860.
Mas, ao mesmo tempo em que José Murilo de Carvalho é referência em história do Brasil Império e Primeira República, o autor também recebe várias críticas sobre suas obras e principalmente sobre a obra que será discutida nessa resenha, em que muitos autores buscam compreender esse conceito de “bestializado” presente na obra de José Murilo de Carvalho, como por exemplo a obra de Stéphane Monclaire cujo título é: “Democracia, transição e consolidação:precisões sobre conceitos bestializados”.
A obra que será resenhada contém cento e noventa e seis páginas está dividida em cinco capítulos cujos títulos são: O Rio de Janeiro e a República, República e cidadanias, Cidadão Inativos: abstenção eleitoral, cidadão ativos: a revolta da Vacina, Bestializados os bilontras?. Nessa obra o autor procura discutir os elementos principais da república no Rio de Janeiro. No título o autor já deixa claro a idéia central de seu livro, “Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi”, mas,  é a partir do capítulo três que o autor vai discutir a idéia central de seu texto que é: o “povo” da capital do país assistiu bestializado a proclamação da república? O “povo” do Rio de Janeiro era realmente apolítico?(CAVALHO, 1987, p.68).

No primeiro capítulo (O Rio de Janeiro e a República) José Murilo de Carvalho, afirma que a cidade do Rio de Janeiro de Janeiro passou durante a primeira década da República por uma fase turbulenta de sua existência. Onde ocorreram grandes transformações de natureza econômica, política, social e cultural. As mudanças no regime político, segundo o autor, causaram grandes agitações na capital do país e só começaram a acalmar no final da década.
Para o autor o que levou a cidade do Rio de Janeiro a sentir com maior intensidade os impactos que ocorreram no país após a proclamação da República, foi o fato do Rio de Janeiro ser maior cidade e a capital econômica, política e cultural o país.
A república não ocorreu como um grande acontecimento da época, ou seja, a cidade do Rio de Janeiro já vinha passando por transformações sociais e econômicas de ressonância nacional, esses acontecimentos tiveram um grande impacto na vida dos que moravam na capital do país. Dentre esses fatos pode-se citar a abolição da escravidão. Essa nova realidade trouxe novas realidades para a cidade do Rio de Janeiro, uma delas foi o crescimento demográfico, que alterou a população da capital em termos de números de habitantes, de composição étnica e de estrutura ocupacional. Segundo o autor,

A abolição lançou o restante da mão-de-obra escrava no mercado de trabalho livre e engrossou o contingente de subempregados e desempregados. Alem disso provocou um êxodo para a cidade proveniente da região cafeeira do estado do Rio de Janeiro e um aumento na imigração estrangeira, especialmente de portugueses (CARVALHO, 1987, p.16).

Segundo o autor, em termos absolutos a população quase dobrou entre 1872 e 1890, passando de 266 mil a 522 mil. Além disso, a cidade ainda teve que absorver mais 200 mil novos habitantes na última década do século.
Esse aumento populacional trouxe impactos sobre as condições de vida, como conseqüentes pressões sobre a administração municipal. Os problemas de habitação agravaram-se tanto em termos quantitativos quanto em termos qualitativos. Para solucionar esse problema foram criadas várias leis que conseqüentemente levaram a diversas revoltas, dentre elas a revolta da Vacina.
Outro problema enfrentado pela república foi o aumento do custo de vida agravado pela imigração, que ampliava a oferta de mão de obra e acirrava a luta pelos empregos.
A proclamação da república, não acarretou só prejuízos para a capital ela trouxe também novas expectativas de renovação política, houve uma maior participação no poder por parte não só da contra-elite, mas também, da classe excluída.
Acreditando que as mudanças poderiam ocorrer os operários tentaram organizar-se em partidos, promoveram greves, seja por motivos políticos ou por um aumento do seu poder aquisitivo que vinha decaído em virtude da inflação.
A economia enfrenta índices inflacionários absurdos, ideais para as elites, por causa da especulação, mas terrível para as classes populares.
Mas, o único setor da população excluída a ter uma atuação na República foram a dos capoeira. Eles foram perseguidos logo no inicio da republica, mas a mesma não conseguiu destruí-los, mas sim “domesticá-los” criando condições para a sua reincorporarão ao novo sistema de forma mais discreta.

O autor também descreve ao longo do capitulo da vida social da cidade. Para ele: “o pecado popularizou-se, personificou-se”.  Os Cortiços se proliferaram na cidade vários jornais da época com freqüência traziam noticias sobre essas habitações e os sujeitos que os constituía.
O capítulo Repúblicas e Cidadania o autor disserta sobre a grande influência que o fim do Império e o inicio da República sofreu com idéias vindas da Europa. Contudo, esses pensamentos não eram bem absorvidos ou muitas vezes eram mal interpretados, resultando muitas vezes em uma confusão ideológica. O liberalismo, positivismo, socialismo, anarquismo misturavam-se e combinavam-se ao mesmo tempo. E nessa época também que começa fortes discussões sobre cidadania, uma vez que, com já foi dito anteriormente no inicio da República houve um aumento de contingente de estrangeiros para o Brasil, sobretudo os que vinham de Portugal. Assim no início da República emergiram várias concepções sobre cidadania nem sempre compatíveis entre si. A mudança para um novo regime despertou na população uma expectativa de expansão dos seus direitos políticos nos mais diversos setores da população. Em síntese o que ocorreu de fato, foi que a vitoriosa elite civil republicana se deteve ao conceito liberal de cidadania, assim como também essa elite criou obstáculos para democratização dos direitos civis a todos os cidadão. Diante  das dificuldades em tornar o país mais democrático e igualitário o povo se articulava de todas as formas. Surgiram na época vários partidos operários.  Vários grupos também se articulavam. Jornais foram criados na época o Nihilista (1883), jornal dos operários, do exercito da armada; união do povo (1887).
Após a proclamação da República houve uma tentativa de organizá-los. A primeira tentativa deveu-se aos positivistas. Em 1889, Teixeira Mendes reuniu-se com quatrocentos operários da União e discutiu um documento que entregou a Benjamin Constant, que ocupava o cargo de ministro de guerra. No documento os operários pediam uma jornada de trabalho de sete horas, descanso semanal, férias de quinze dias, licença remunerada para tratamento de saúde.
Posteriormente em 1890, houve uma tentativa de criar um partido operário  onde os operários do setor privado também poderiam participar. Mas em virtudes de divergências entre os líderes operários França e Silva que lutava por um partido controlado pelos próprios operários, e o tenente José Augusto Vinhaes, da marinha, que organizou um partido sob sua liderança. Vinhaes tinha suas bases principais entre os ferroviários e portuários. Mas, segundo José Murilo de Carvalho, Vinhaes serviu de intermediário entre operários e o estado. Para o autor, até as tentativas dos militares de ter acesso a cidadania mais ampla se deu “pelos porteiros do estado”.
Nos três últimos capítulos o autor descreve a grande efervescência ideológica que marcou os anos iniciais da republica, as propostas de cidadania que convergiam entre sim. O período republicano foi marcado por um sentimento de insatisfação com o passado e ao mesmo tempo uma incerteza quanto ao futuro.
E foram as incertezas que fizeram com que o povo do Rio de Janeiro, quando necessário para a defesa de seus interesses, se rebelou contra o sistema republicano. Segundo José Murilo existia uma mentalidade internacional na qual se acreditava que não havia participação do povo nos negócios do Brasil. a política era na melhor das hipóteses, assunto dos estados-maiores das classes dominantes. Produto das rivalidades de chefes militares, entrando o povo apenas como massa de manobra.  Para Aristides Lobo “o povo teria assistido bestializado a proclamação da republica, sem entender o que se passava” (CARVALHO, 1987, p.68).
A apatia do povo era particularmente dolorosa e frustrante para homens como Aristides Lobo e Raul Pompéia. Mas   a afirmação da inexistência de um povo apolítico para o autor é exagerada, No Rio de Janeiro desde a independência já havia uma intensa participação popular, sobretudo durante o primeiro reinado e a regência.
Pelo critério da participação eleitoral, pode-se dizer que de fato não havia povo político no Rio de Janeiro. O pequeno eleitorado existente era boa parte composto por funcionários públicos, sujeitos a pressão da parte do governo. Assim é que, por exemplo, na paróquia de São Cristovão, um bairro operário, 38% dos alistados em 1890 eram funcionários públicos (CARVALHO, 1987, p.86)
Segundo José Murilo de Carvalho, o que ocorreu de fato foi que as classes populares não viam com tanto entusiasmo a república, o povo tinham forte simpatia pela monarquia, pela figura do imperador D. Pedro II e da princesa Isabel, sobretudo os negros, com a recente abolição.
Muitos movimentos populares marcaram essa época como a revolta do Vintém, em 1880, onde mais de cinco mil pessoas reuniram-se no centro da cidade e provocaram grandes tumultos. Em 1904 a revolta da vacina será a maior expressão da insatisfação popular frente à política vigente. Durante uma semana os populares invadiram as ruas do Rio de Janeiro. “A cidade praticamente parou diante da revolta do povo”. (CARVALHO, 1987, 72).
Existia  uma enorme distância entre o ideal Republicano e a vida das classes populares.  As duras repressões feitas pela administração pública contra os capoeiras, os bicheiros e as intervenções nos cortiços, ocasiões em que era percebido um clima de guerra, isso tudo levou a “classe oprimida” a desacreditar em uma melhor qualidade de vida após a proclamação da República. O governo republicano também procurou tirar os militares do jogo e reduzir o nível de participação popular. Procurou cooptar as oligarquias a fim de formar sua sustentação política, governando “por cima” da multidão, vista como obstáculo à implantação do novo regime.
A análise do tipo de participação popular longe da política, da representação, enfim, da formalidade, mostra a distinção, na sociedade carioca, da política real e da política formal.
O autor também discute em seu livro o termo “bilontra”, que é o cidadão que tem consciência da forma de exercício do poder real e mobiliza-se dentro do espaço que lhe é permitido atuar, paralelamente ao governo.
 Assim, obra de José Murilo de Carvalho nos permite compreender e refletir sobre os acontecimentos que ajudaram a construir o país atual. O povo do Rio de Janeiro não assistiu bestializado a proclamação da República. Entretanto, não podemos negar as críticas feitas por Raul Pompéia e Aristides Lobo quando afirmavam: “o povo assistiu bestializado a proclamação da República”, talvez para esses autores o termo “bestializado” seja identifico como um povo não preocupado em chegar ao poder em mudar uma realidade precária de vida. O povo lutou sempre por causas reacionárias poucos profundas como a revolta da Vacina. Existiam problemas sociais e políticos mais profundos, mas, os “revoltosos” preferiram ficar “bestializados”, pois não se mostraram nem antipatia nem simpatia ao novo sistema.
O povo do Rio, quando participava politicamente, o fazia fora dos canais oficiais, através de greves políticas, de arruaças, de quebra-quebra [...] Do governo queria principalmente que o deixasse em paz. (CARVALHO, 1987, p.90)







Referências Bibliográficas

CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
________, República, democracia e federalismo Brasil, 1870-1891. Disponível em publicação eletrônica na internet via http://www.scielo.br/scielo.php.



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