Cid Cordeiro Jr.
O
livro de José Murilo de Carvalho conta, através de uma leitura leve o fluída –
algo não muito comum em livros de história – os principais acontecimentos no
Rio de Janeiro após a Proclamação da República, e a reação do povo frete a
tais. Nota-se ao longo da leitura que o objetivo principal do autor é analisar
a participação popular nesse anos, mas não deixa de descrever aspectos
fundamentais do cotidiano da cidade que ajudam o leitor a entender, passando
por problemas políticos e sociais.
O
autor começa falando sobre Aristides Lobo e o seu desapontamento com a forma
pela qual a república foi proclamada, “segundo ele, o povo assistia a tudo
bestializado”. Mas, logo em seguida, Carvalho diz não ser seu objetivo analisar
o quantum de participação popular no
movimento. No mesmo sentido, o pensamento do francês Louis Couty: “O Brasil não
tem povo”.
É ressaltado ainda que a visão
maniqueísta pela qual o Estado tem sido visto é falha, pois impede-nos de
perceber o seu real papel.
Mas se, por um lado, a participação
popular não foi grande na proclamação, ao menos depois o povo – sempre excluído
da política nacional – começou a se sentir impulsionado a exercer a cidadania
através da previsão de tratamento relativamente democrático entre as diretrizes
do novo regime.
Em seguido, o autor ressalta a
importância do que acontece no Rio de Janeiro e o seu potencial de se difundir
“imediatamente” – talvez um termo exagerado – para o restante do país.
Finalmente, o autor termina a
introdução delimitando o seu objeto de análise; começa falando das
características do povo e do seu imaginário popular nos primeiros anos de
república.
Capítulo 1
Na
primeira década depois de proclamada a república, o Rio de Janeiro passava por
uma tremenda agitação, vários fatores convergiam para tanto.
Primeiramente,
a população da cidade passar aa se tornar mais consciente e preocupada com os
problemas do Brasil, população essa que havia recentemente passado por um
grande crescimento, nos anos imediatamente anteriores à proclamação, o número
de habitantes da cidade praticamente dobrou. Além do mais, havia cerca de 56% de homens,
fato que contribuiu para que o número de matrimônios fosse muito baixo, cerca
de 26% da população formava famílias.
Essa
súbita concentração populacional não poderia deixar de vir acompanhada dos
problemas sociais que tal transformação acarreta. Primeiramente, o grande
número de imigrantes e êxodo-rural de ex escravos para o Rio de Janeiro fizeram
com que a oferta de mão-de-obra crescesse vertiginosamente, o que acarreta em
uma diminuição dos salários; além disso, para aplacar a necessidade dos grandes
cafeicultores, que precisavam de moeda para o pagamento de vencimentos, o
Estado emite grande quantidade de papel-moeda, consequentemente, os preços em
geral sobem bastante, até mesmo dos produtos importados.
Com
a dificuldade pela qual passava a população em geral, impossibilitada de manter
um padrão de vida razoável devido à rápida alta nos preços, o movimento
jacobino vai ganhando forças na cidade. Eles tinham os imigrantes como a grande
causa dos sérios problemas sociais pelos quais passava o Rio de Janeiro,
direcionavam críticas principalmente aos portugueses. Assim, o movimento começa
a crescer, e passa a realizar atos de depredação da cidade em protesto.
As
doenças também assombravam a população do Rio de Janeiro, o crescimento
populacional não foi acompanhado com os investimentos devidos em
infra-estrutura, saneamento-básico, medidas de higiene, abastecimento de água
não eram suficientes ou de qualidade, fato que permitiu grande difusão de
doenças familiares, como malária e tuberculose, além de novas epidemias como de
febre amarela e de varíola.
Havia
também grande movimentação de militares, que se consideravam heróis da
Proclamação, por isso se achavam no direito de reivindicar o poder através de
várias rebeliões.
O
autor ressalta mais uma vez a grande facilidade de difusão de notícias
provenientes do Rio de Janeiro para o resto do Brasil, que acompanhava todas
estas movimentações. Segundo o autor, até mesmo fatos triviais como um
homicídio ou um roubo tinham repercussão até mesmo em regiões distantes.
Quanto
às ideias, foram-se assimilando diversas correntes de pensamento da Europa:
liberalismo, positivismo, socialismo, anarquismo, etc. o capitalismo ganhou
grande força, sendo a riqueza uma grande aspiração nacional.
O
autor fala ainda que o Rio de Janeiro nunca foi uma cidade muito moralista, a
jogatina e a falta de famílias estáveis advogam esse fato. Mas havia uma
tentativa do governo republicano de fechar casas de jogos. Essas medidas se
juntavam com outras para a perseguição de pobres e negros. Estes se integravam
em cortiços, núcleos de povoamento popular que contavam com profunda lealdade
dos seus moradores, estas organizações também sofriam a repressão do poder
municipal, sendo destruídos, as suas populações tiveram que viver em zonas
periféricas e morros, formando o que viria a ser conhecido como favelas. Fazia
parte de uma ação de embelezamento e modernização da cidade, nos moldes de
Paris. Outra classe que era combatida era a dos militares, em prol da
estabilização do governo.
O
prefeito era nomeado pelo governo federal, a participação popular na escolha
praticamente não existia e a administração da cidade ficava muito vinculada ao
poder central. Tal fato fazia com que os líderes fossem alheios à situação da
cidade, o que os levava a tomar medidas totalmente irrealistas.
Capítulo 2 – Repúblicas e
Cidadanias
As
correntes de pensamento europeias já mencionadas eram assimiladas pela
população nacional de modo um tanto confuso, ou selecionado de acordo com a
conveniência. Dentre os pensamentos importados pode-se destacar a mentalidade
burguesa, a febre de acumulação de riqueza. O liberalismo também fora
implantado no país, através de medidas que possibilitassem tal acumulação.
Importante
ponto do capítulo é o fato de que a República não trouxe grandes mudanças na
participação popular, no processo de eleição indireto, cerca de 10% da
população podia voltar, com as eleições diretas, esse número caiu para 1%,
aumentando pifiamente para 2% com a república.
O
fato de analfabetos não poderem votar é contraditório à política do governo de
negar a obrigação de instrução escolar para a população, além de se escusas de
outras obrigações como a de prestar socorro público. Observa-se uma política de
priorização das classes mais abastadas em detrimento das classes populares.
Contra
essa posição liberalista, destaca-se o pensamento de Silva Jardim, defendendo
que a cidadania deveria ser exercida para proteger os interesses da população
em geral, e não de um grupo determinado.
Os
militares também estavam insatisfeitos com a sua posição periférica,
praticamente excluídos da administração pública. Foram surgindo então alguns
movimentos que reivindicavam direitos localizados que Carvalho chama de Estadania,
os militares se aliavam com os trabalhadores, que também reivindicavam uma
reforma legislativa que os favorecessem.
O
problema é que a propaganda republicana trazia grandes expectativas de
democracia para o povo, que não foram cumpridas, ou na medida em que foram, não
foram suficientes para satisfazer os anseios populares. Com isso, parte da
população decepcionada se mobilizou na luta anarquista contra o elitismo da
cidadania, uns socialistas – que se organizavam em sindicatos – e outros
individuais – negavam qualquer forma de hierarquia social, inclusive o
sindicato.
Capítulo
3 – Cidadãos Inativos: A Abstenção Eleitoral
Os
estudiosos estrangeiros que ia ao Rio de Janeiro pareciam levar sempre a mesma
impressão, de que o povo brasileiro vive praticamente alheio às transformações
políticas, assistem a tudo bestializados. Carvalho cita relatos de Louis Couty,
Blondel e o ex-embaixador Amelot, todos com relatórios nesse sentido. De certo,
tais afirmações estão intrincadas de preconceitos.
Não
apenas os que vinham do exterior, mas os próprios brasileiros negavam a
existência de uma mobilização popular, dentre eles, Aristides Lobo – que disse,
pela primeira vez, que o povo estava “bestializado” e Rui Pompéia, dizendo que
as lutas até onde haviam, não gozavam de apoio popular, mas eram meras massas
de curiosos que se formavam ao redor dos líderes dos movimentos.
Dados
utilizados pelo autor – cuja precisão é questionada por ele mesmo – revelam a
estrutura social da população brasileira. A maioria se constituía em
proletariado; seguidos por funcionários públicos, profissionais liberais,
comerciantes, profissões técnicas, etc.; depois vinha o operariado, com
artistas, profissionais de extração, transporte, manufaturas; finalmente,
apenas cerca de 1% da população fazia parte da classe alta.
Aproximadamente
30% da população da cidade era composta por estrangeiros, esses marcavam grande
presença na classe de proprietários, notadamente os portugueses.
Quanto
aos que tinham direito ao voto – uma pequena minoria, pois as pessoas excluídas
da eleição (menores, mulheres, analfabetos) compunham ainda grande parcela da
população, muitos deles deliberadamente – ou quase isso – se abstinham de
votar, porque, como se sabe, a política da época era cheia de conflitos,
confusões das quais as pessoas preferiam se manter distantes. Além do mais, o
voto estava longe de ser exercido livremente, as pessoas eram facilmente
coagidas.
O
autor menciona ainda que os partidos políticos também eram poucos, os que eram
criados duravam pouco tempo, tanto os de esquerda quanto os de direita passavam
por problemas para se manter.
No
final, o autor dá razão a Raul Pompéia e Couty, diz que realmente o Rio de
Janeiro não tinha povo, já que se abstinha de participar da política por meios
oficiais, mas o fazia por meio de revoltas, arruaças e greves.
Capítulo 4 – A Revolta
da Vacina
Imediatamente
antes da revolta, o clima na cidade era de insatisfação. Reformas promovidas
pelo ministro da fazenda, Joaquim Murtinho, mesmo tendo conseguido elevar o
câmbio, o fez às custas do aumento de impostos e diminuiu a oferta de empregos.
A
estrutura da cidade também passava por transformações, vários prédios da cidade
foram demolidos, para o alargamento de ruas, obras de saneamento também eram
realizadas em nome da saúde pública.
Já
desagradava ao povo a forma como a política de combate às doenças era feita,
agente de saúde pública visitavam as casas acompanhados com agentes de
políticas, fazendo com que os moradores passassem por vários constrangimentos,
inclusive alguns tinham que reformar ou até mesmo abandonar suas casas.
A
Revolta da Vacina contra a varíola ocorreu por uma série de fatores. A propaganda
contra a política de vacinação era forte, dizia-se que o poder público não
tinha competência para invadir o lar do povo; o método de aplicação era falho,
poderiam ser transmitidas doenças; o povo não era suficientemente esclarecido
sobre os efeitos das vacinas, o que abria espaço para a disseminação de boatos;
além de que o atestado de vacinação era requerido para praticamente todos os
atos da vida civil, o que fazia com que o povo fosse obrigado a se vacinar, de
uma forma ou de outra.
José
Murilo de Carvalho narra detalhadamente os diversos conflitos da revolta, bem
como a sua cada vez mais violenta repressão, inclusive foi decretado Estado de
Sítio. Ao tentar descrever os revoltosos, ele fala da dificuldade de encontrar
fontes, visto que os presos geralmente não eram processados; mas dizia ele que a
composição variava com o desenrolar da revolta, ele diz que no início
participavam operários, comerciantes, estudantes, militares, etc.; depois, os
operários de grandes empresas comandavam os protestos.
Não
obstante os vários motivos da revolta, o autor destaca o motivo moral, tanto às
elites como às classes populares incomodava a ação invasiva do governo, os
primeiros lutavam pelos seus direitos sob a doutrina do liberalismo, os mais
humildes, lutavam por achar uma violação a invasão da privacidade do lar, da
exposição das suas mulheres.
Capítulo 5 –
Bestializados ou Bilontras?
O
capítulo mostra que, embora o povo não estivesse presente em massa nas urnas, não
se pode subestimar a sua capacidade de organização. O autor destaca a
organização de várias festas sem cunho político, que impressionavam os
visitantes. Outra forma de associação eram as religiosas, que contavam com
impressionante participação, o autor levanta o dado de que 50% dos maiores de
21 anos estavam integrados em uma dessas associações.
O autor fala ainda que as
manifestações populares não tinham o condão de combater o Estado, que era visto
como necessário à organização da sociedade. Por outro lado, as pessoas cobravam
a sua atuação em setores localizados, problemas específicos, protestando contra
as suas omissões.
O autor cita diversos ensaios e
pensamentos que tentavam enquadrar o brasileiro em um perfil social, para
entender a sua mentalidade.
Carvalho traz ainda o conceito de
bilontra, ele o apresenta como o esperto; pode-se inferir que o bilontra no Rio
de Janeiro é aquele que sabe que a política é um “jogo de cartas marcadas”, no
qual não compensavam certos tipos de mobilização, visto que não trariam grandes
transformações, o Estado era guiado pelos interesses das classes mais altas,
uma realidade que estava estabilizada.
Demostrada
a capacidade de mobilização do povo, o autor conclui dizendo que o povo do Rio
de Janeiro não era bestializado como pensavam alguns autores, não assistiam
insensíveis aos acontecimentos políticos e sociais ao seu redor, pelo
contrário, o povo era bilontra,
sabia que a manifestação formal não era séria, e aqueles que a levassem a sério
realmente seriam os bestializados, por se prestarem à manipulação. A população
fluminense, pelo contrário, buscava meios informais de manifestação, aqueles
que mais facilmente iriam gerar resultados, meios esses que fugiam do controle
estatal, tendo maior efetividade.
O que vc apresentou não é uma resenha propriamente dito, mas um fichamento.
ResponderExcluirNota:7.0