domingo, 15 de abril de 2012

Resenha - Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi


Bruno Vitor

        A obra de José Murilo de Carvalho se propõe a analisar o Rio de Janeiro no período pós-proclamação da república e tenta compreender qual o lugar da população fluminense em geral (“o povo” que a tudo assistiu bestializado) nesse processo.
        Logo no início, afirma-se que o período inicial da República, mais precisamente a primeira década,  foi o mais turbulento da cidade do Rio de Janeiro. Uma série de transformações estavam já há algum tempo tomando forma e, com a mudança do regime monárquico para o republicano, em tese mais participativo, mexeram com os ânimos da capital brasileira.
        O autor faz uma análise dessas transformações e examina suas consequências: o aumento populacional e seus desdobramentos (as mudanças nas relações de trabalho, as condições de vida precárias, o aumento da criminalidade e as desestruturação familiar); os problemas econômicos enfrentados pelo novo regime mais liberal (inflação, alto índice de especulação financeira e o aumento de impostos etc.) e as questões políticas e sociais são as principais levantadas por Carvalho. Ressaltasse as expectativas de alguns setores da sociedade para com a República, e sua frustração, além das mudanças de valores no que diz respeito aos costumes. O historiador constata uma mudança de comportamento, que se tornara mais “solto”, e uma valorização do enriquecimento fácil em detrimento do trabalho duro e honesto. Aparentemente, a república incentivou a libertinagem e a vida descomprometida.      
        Em seguida, é analisada a repercussão da república entre as camadas populares. O autor pondera que a proclamação se deu num momento em que a popularidade da monarquia estava em alta, principalmente por conta da abolição da escravatura. Outro aspecto é que, ironicamente, havia um distanciamento entre o governo republicano e a população. A ordem do dia era criar um novo “pacto de poder” em substituição ao imperial.
        Carvalho também analisa a efervescência de ideias ocorrida com o fim do Império, ressaltando que foram importadas diversas correntes de pensamento que no Brasil se fundiam e se confundiam. Dentro desse contexto é que se discute a questão da participação popular na vida política e o conceito de cidadão ativo e inativo. Fato interessante é notar que a República excluía tanto quanto o Império em questões de participação política, ou seja, liberalismo não tinha necessariamente a ver com democracia.
        Na prática, a participação popular no novo regime destoava dos discursos republicanos proferidos na época por seus partidários e do próprio conceito de República, daí a grande frustração causada pela proclamação naqueles que esperavam mais dela nesse sentido.
        A afirmação de que o “povo” não se interessava por política origina uma reflexão nessa obra. Ao constatar tais afirmações preconceituosas de intelectuais estrangeiros, o pesquisador se debruça sobre o papel que era relegado a população de um modo geral nos primórdios da República. Chega-se a conclusão de que a participação política das camadas populares não se dava de maneira formal, e sim através de meios alternativos.
        Ora, como já foi dito, o sistema político excluía uma parcela significativa da população, de modo que não lhes era possível expressar sua vontade através do voto. Entretanto, também se encontra a auto-exclusão do processo político por parte daqueles que dispunham desse instrumento. O autor pondera que o próprio sistema eleitoral era corrompido, através de fraudes eleitorais e até mesmo da violência física, e na prática acabava não representando os interesses dos votantes. Deste modo, o exercício eleitoral tornava-se um desafio e um esforço inútil para o eleitor e este acabava optando por não participar dele.
        Entretanto, para ilustrar a atividade política da população, José Murilo de Carvalho faz uma análise sobre a Revolta da Vacina, na qual as camadas menos atuantes politicamente na República (pelo menos formalmente) se organizam e fazem frente à decisão do governo de impor a vacinação obrigatória. Embora as motivações da revolta sejam ainda discutidas, parece que a intenção é demonstrar através de um exemplo prático e de grande repercussão que o Rio de Janeiro tinha sim um povo e que este era atuante, ao seu modo, mas atuante.
        Já na política formal, a participação dava-se de forma diferente. Os termos bilontra e bestializado são utilizados pelo autor para definir os diferentes posicionamentos diante das formalidades da República. O primeiro tinha consciência (ou talvez tenha sido forçado pelas circunstâncias a ver dessa forma) de que todo o jogo político não passava de uma grande farsa e entrar nele era perda de tempo. Já o segundo, buscava através da participação formal na vida pública e no exercício de sua limitada cidadania, influir nas decisões políticas, motivo pelo qual era alvo de chacotas, visto como distante da realidade.  
        Tal posicionamento reflete a forma como se deu a mudança para o novo regime republicano no Brasil. A análise do Rio de Janeiro, ainda que limitada a este espaço, ajuda a compreender a formação da cultura política do brasileiro. Um sistema de governo indolente ou restritivo não pode contar com a participação da população. Esta, por sua vez, não se sentido contemplada pelos mecanismos legais e formais de participação, irá buscar de outras maneiras garantir seus direito e defender seus posicionamentos.   

Um comentário:

  1. Trabalho bem sintético. Poderia ter desenvolvido melhor os argumentos. NOta: 7.5

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