terça-feira, 17 de abril de 2012

Besta é tu?


Besta é tu?

Por Aline Cardoso

José Murilo de Carvalho traça em “O Bestializados. O Rio de Janeiro e república que não foi” um panorama sobre esse momento inicial da República brasileira em gênese imersa num contexto de ressignificações que se apresentavam não apenas no campo político, como na própria sociedade e na cultura brasileira no início do século XX. O autor trata desses aspectos tendo como referência os valores, o cotidiano, a política, a mentalidade da então capital do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro.
O autor inicia o texto indo direto ao ponto que anuncia no próprio título do livro, com a citação do ilustre Aristides Lobo que disse “ o povo que pelo ideário republicano deveria ter sido protagonista dos acontecimentos assistira a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ser talvez uma parada militar.” O adjetivo que Lobo dá ao povo tendo em vista sua percepção sobre a participação popular no movimento Republicano reflete o pensamento de alguns intelectuais contemporâneos dele e que, ao longo do texto, José Murilo tenta reconstruir.
 Ora concordando com essa visão, quando apresenta o não enquadramento do povo brasileiro aos padrões de civilidade europeus, como tanto ansiavam os intelectuais da elite abolicionista, republicana e Liberal como o próprio Lobo e Raul Pompéia. Como também, corroborando com essa ótica, Murilo, traz a opinião dos próprios Europeus que visitaram ou viveram nesta época no Rio de Janeiro  como o francês Louis Couty que disse “o Brasil nem mesmo teria um povo”. Ora apresentando as limitações que esta visão preconceituosa carrega, fazendo o leitor refletir sobre as manifestações populares representadas nas peculiaridades históricas e culturais próprias do Brasil. Refletindo sobre como essa participação política popular era indiferentes aos mecanismos oficiais de participação, com seus próprios meios de  se organizar( como Murilo cita: nas organizações em torno da religião, nas associações de bairro, no carnaval, no futebol...) e até mesmo quando essa participação se apresentava contra as ordens estatais quando essas lhe desagradavam (A revolta da Vacina é o exemplo mais latente nesse sentido na obra) ou quando ela só se relacionava com o Estado quando lhe era favorável, demonstrando as origens da esperteza atribuída a imagem que ate hoje se faz dos brasileiros, a qual na obra Carvalho trata como os “Bilontras”, como apelidou Artur de Azevedo, citado pelo autor.
            O entendimento dessas percepções vai ser uma grande preocupação do Autor, que distribuindo a obra em cinco capítulos, além da introdução e da conclusão, vai tentar passar para o leitor como se deu essa construção histórica em que se interligam as temáticas da discussão proposta em “Os Bestializados” que, como o próprio Carvalho concluiu “girou em torno de três temas e das relações entre eles: o tema do regime político(a República), o tema da Cidade( o Rio de Janeiro) e o tema da prática popular( a cidadania)”(p.161).
            Tendo em vista a referida obra, segue uma breve síntese do que capítulo a capítulo, José Murilo de Carvalho organiza e fundamenta suas argumentações.
No primeiro capítulo –  O Rio de Janeiro e a República – o autor faz um apanhado das  questões latentes na cidade do Rio de Janeiro apresentando os contexto social, político, econômico e cultural durante os primeiros anos da nascente República brasileira. Dentre essas questões, destaca inicialmente o crescimento demográfico, associado ao êxodo rural, aumento da imigração que, aliado ao contexto pós-abolição da escravidão, relacionando-os aos problemas próprios desse fenômeno de urbanização desorganizada e rápida que acarretou desde problemas habitacionais a formação de uma classe de marginalizados associados ou não a criminalidade. No aspecto financeiro, cita o período  marcado por uma febre especulativa na ânsia por enriquecimento, pela constante emissão de moeda (pelo governo), da famosa política do “encilhamento”.  Aborda ainda,  a construção das mentalidades, outro elemento marcante no período, seria caracterizado pela importação de ideologias estrangeiras – positivismo, anarquismo, liberalismo e socialismo como principais influências na elaboração do discurso político-ideológico do período.  a idéia principal desta primeira parte do livro tem em síntese relação com um tom de frustração na expectativa de ampliação da participação política popular com a mudança de regime do imperial para o republicano.  Essa frustação é caracterizada da seguinte maneira por José Murilo “ o submundo da cultura popular engoliu aos poucos o mundo sobreterrâneo da cultura das elites. Das repúblicas renegadas ela República foram surgindo os elementos que constituíram uma primeira identidade coletiva da cidade, materializada nas grandes celebrações do carnaval e do futebol.”(p.41).
No segundo capítulo –  República e cidadanias – o autor descreve o cenário político-ideológico do período em que se insere essa República em gênese. Intimamente relacionada comas ideologias vigentes no continente europeu da época, marcando o processo de disseminação dos valores burgueses na mentalidade da elite fluminense. Fazendo uma breve relação de fatos históricos e posicionamentos políticos que vigoravam no período travados entre os mais radicais republicanos e os mais conservadores.
No terceiro capítulo – Cidadãos inativos: abstenção eleitoral – o historiador discute a participação efetiva (ou não) do povo, no que oficialmente singulariza a cidadania numa visão mais oficial dentro de um regime democrático, como deveria ser no novo modelo Republicano, ou seja, através do voto. Inicia o capítulo citando o pensamento de intelectuais estrangeiros como Louis Couty e Blondel, sobre esse “cidadão brasileiro”, que Carvalho identifica, por um lado, como preconceito e um exagerado por parte desses intelectuais acerca da sociedade brasileira visto que eles desconsideravam as peculiaridades históricas de nosso suas povo, tentando adapta-los a conceitos de cidadania e civilidade tipicamente europeias. Coloca também como essas idéias influenciaram também pensadores brasileiros, como Aristides Lobo. Critica essa visão colocando as manifestações não oficiais( ou seja, aquelas que o povo demonstrava longe das urnas), por exemplo, as greves operárias e as ‘arruaças’ que seriam, identificando-as como uma forma de participação política. Além disso, apresenta as limitações do regime eleitoral completamente excludente e ineficiente do período, que caracteriza por fraudes e baixa participação eleitoral.  
O quarto capítulo - Cidadãos ativos: a revolta da vacina – Representa a visão trazida por Carvalho no capitulo anterior que aponta a cidadania como não apenas reflexo do posicionamento oficial de participação. Trazendo as manifestações populares como foco desse debate. Especialmente descrevendo o fenômeno da Revolta da Vacina e seus desdobramentos.
No quinto e último capítulo da obra – Bestializados ou bilontras? – Sintetiza sua tese inicial acerca dessa forma de entender o que aparentemente faziam do povo brasileiro “apático e alienado”. Ressinificando esse conceito seria, na verdade, atribuindo sabedoria e astúcia desse povo que sabia que o formal não era sério, “sabia que a República não era pra valer”(p.160). Nesse sentido, o bestializado era quem levasse a política a sério,aquele que aceitasse as manobras de manipulação do poder. Em contraponto, quem apenas assistia – como fazia o povo do Rio de Janeiro em meio tantas transformações – não seria ‘bestializado’, mas ‘bilontra’. O esperto, o que da política colhe o que melhor lhe oferecer, omisso da vida política por opção, este é bilontra de Carvalho, aquele que sabia que a República era uma fantasiosa, ludibriadora e movida pelos que dela se corrompem.

Pode-se por fim, diante dessa breve análise da obra de José Murilo de Carvalho, afirmar que diante do que foi apresentado ao longo do texto, infantilizar a República que ainda se iniciava numa cultura extremamente particular integrante de um povo que há quase quatrocentos anos sempre esteve alijado do processo político oficial e que, ao menos no plano teórico, começava a projetar essa participação política que, aos poucos, com a própria mudança de regime se construía resumindo-o a bestializados, parece-me equivocada por limitar as significações históricas dos movimentos populares delineados ao logo da história política do país. Trazendo a discussão sobre a cidadania, no sentido compreendido pela visão de que cidadão é aquele indivíduo politicamente consciente, é importante avaliar como essa característica se apresenta na cultura brasileira do inicio da república apresentada por Carvalho, e verificar as permanências e ressignificações desta compreensão até os dias atuais que insiste em estereotipar o brasileiro como um povo apolítico é bastante perigosa. É importante que nos perguntemos constantemente, como o refrão do Moraes Moreira quem é besta, tu?

3 comentários:

  1. Muito bom o título, e a resenha também. Ficou um pouco confusa no final, mas acho que é uma questão de redação, que poderia ser mais clara.
    Nota: 9.0

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  2. Este trabalho é de quem? João Lucas ou Aline? Por que tem outro trabalho postado por João Lucas...

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  3. Oi professora, essa resenha é minha, Aline Cardoso. Eu não estava conseguindo postar com o meu login(até agora não sei o porquê), então pedi a João Lucas para postar minha resenha com o login dele. De fato, a conclusão ficou meio confusa, eu não reli antes de postar e não reestruturei. Obrigada e que bom que gostou.

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