Besta é tu?
Por Aline Cardoso
José
Murilo de Carvalho traça em “O Bestializados. O Rio de Janeiro e república que
não foi” um panorama sobre esse momento inicial da República brasileira em
gênese imersa num contexto de ressignificações que se apresentavam não apenas
no campo político, como na própria sociedade e na cultura brasileira no início
do século XX. O autor trata desses aspectos tendo como referência os valores, o
cotidiano, a política, a mentalidade da então capital do Brasil, a cidade do
Rio de Janeiro.
O
autor inicia o texto indo direto ao ponto que anuncia no próprio título do
livro, com a citação do ilustre Aristides Lobo que disse “ o povo que pelo
ideário republicano deveria ter sido protagonista dos acontecimentos assistira
a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ser talvez uma
parada militar.” O adjetivo que Lobo dá ao povo tendo em vista sua percepção
sobre a participação popular no movimento Republicano reflete o pensamento de
alguns intelectuais contemporâneos dele e que, ao longo do texto, José Murilo
tenta reconstruir.
Ora concordando com essa visão, quando
apresenta o não enquadramento do povo brasileiro aos padrões de civilidade
europeus, como tanto ansiavam os intelectuais da elite abolicionista, republicana
e Liberal como o próprio Lobo e Raul Pompéia. Como também, corroborando com
essa ótica, Murilo, traz a opinião dos próprios Europeus que visitaram ou
viveram nesta época no Rio de Janeiro como o francês Louis Couty que disse “o Brasil
nem mesmo teria um povo”. Ora apresentando as limitações que esta visão
preconceituosa carrega, fazendo o leitor refletir sobre as manifestações
populares representadas nas peculiaridades históricas e culturais próprias do
Brasil. Refletindo sobre como essa participação política popular era
indiferentes aos mecanismos oficiais de participação, com seus próprios meios
de se organizar( como Murilo cita: nas
organizações em torno da religião, nas associações de bairro, no carnaval, no
futebol...) e até mesmo quando essa participação se apresentava contra as
ordens estatais quando essas lhe desagradavam (A revolta da Vacina é o exemplo
mais latente nesse sentido na obra) ou quando ela só se relacionava com o
Estado quando lhe era favorável, demonstrando as origens da esperteza atribuída
a imagem que ate hoje se faz dos brasileiros, a qual na obra Carvalho trata
como os “Bilontras”, como apelidou Artur de Azevedo, citado pelo autor.
O
entendimento dessas percepções vai ser uma grande preocupação do Autor, que
distribuindo a obra em cinco capítulos, além da introdução e da conclusão, vai
tentar passar para o leitor como se deu essa construção histórica em que se
interligam as temáticas da discussão proposta em “Os Bestializados” que, como o
próprio Carvalho concluiu “girou em torno de três temas e das relações entre
eles: o tema do regime político(a República), o tema da Cidade( o Rio de
Janeiro) e o tema da prática popular( a cidadania)”(p.161).
Tendo em vista a referida obra, segue uma breve síntese
do que capítulo a capítulo, José Murilo de Carvalho organiza e fundamenta suas
argumentações.
No
primeiro capítulo – O Rio de Janeiro e
a República – o autor faz um
apanhado das questões latentes na cidade
do Rio de Janeiro apresentando os contexto social, político, econômico e
cultural durante os primeiros anos da nascente República brasileira. Dentre essas
questões, destaca inicialmente o crescimento demográfico, associado ao
êxodo rural, aumento da imigração que, aliado ao contexto pós-abolição da
escravidão, relacionando-os aos problemas próprios desse fenômeno de
urbanização desorganizada e rápida que acarretou desde problemas habitacionais a
formação de uma classe de marginalizados associados ou não a criminalidade. No aspecto
financeiro, cita o período marcado por
uma febre especulativa na ânsia por enriquecimento, pela constante emissão de
moeda (pelo governo), da famosa política do “encilhamento”. Aborda ainda, a construção das mentalidades, outro elemento
marcante no período, seria caracterizado pela importação de ideologias
estrangeiras – positivismo, anarquismo, liberalismo e socialismo como
principais influências na elaboração do discurso político-ideológico do
período. a idéia principal desta
primeira parte do livro tem em síntese relação com um tom de frustração na
expectativa de ampliação da participação política popular com a mudança de
regime do imperial para o republicano. Essa frustação é caracterizada da seguinte
maneira por José Murilo “ o submundo da cultura popular engoliu aos poucos o
mundo sobreterrâneo da cultura das elites. Das repúblicas renegadas ela
República foram surgindo os elementos que constituíram uma primeira identidade
coletiva da cidade, materializada nas grandes celebrações do carnaval e do
futebol.”(p.41).
No
segundo capítulo – República e cidadanias – o autor descreve
o cenário político-ideológico do período em que se insere essa República em
gênese. Intimamente relacionada comas ideologias vigentes no continente europeu
da época, marcando o processo de disseminação dos valores burgueses na
mentalidade da elite fluminense. Fazendo uma breve relação de fatos históricos
e posicionamentos políticos que vigoravam no período travados entre os mais
radicais republicanos e os mais conservadores.
No terceiro capítulo – Cidadãos inativos: abstenção eleitoral –
o historiador discute a participação efetiva (ou não) do povo, no que
oficialmente singulariza a cidadania numa visão mais oficial dentro de um
regime democrático, como deveria ser no novo modelo Republicano, ou seja,
através do voto. Inicia o capítulo citando o pensamento de intelectuais
estrangeiros como Louis Couty e Blondel, sobre esse “cidadão brasileiro”, que
Carvalho identifica, por um lado, como preconceito e um exagerado por parte
desses intelectuais acerca da sociedade brasileira visto que eles
desconsideravam as peculiaridades históricas de nosso suas povo, tentando
adapta-los a conceitos de cidadania e civilidade tipicamente europeias. Coloca
também como essas idéias influenciaram também pensadores brasileiros, como
Aristides Lobo. Critica essa visão colocando as manifestações não oficiais( ou
seja, aquelas que o povo demonstrava longe das urnas), por exemplo, as greves
operárias e as ‘arruaças’ que seriam, identificando-as como uma forma de
participação política. Além disso, apresenta as limitações do regime eleitoral
completamente excludente e ineficiente do período, que caracteriza por fraudes
e baixa participação eleitoral.
O quarto capítulo - Cidadãos ativos: a revolta da vacina –
Representa a visão trazida por Carvalho no capitulo anterior que aponta a
cidadania como não apenas reflexo do posicionamento oficial de participação.
Trazendo as manifestações populares como foco desse debate. Especialmente
descrevendo o fenômeno da Revolta da Vacina e seus desdobramentos.
No quinto e último capítulo da obra – Bestializados ou
bilontras? – Sintetiza sua tese inicial acerca dessa forma de entender
o que
aparentemente faziam do povo brasileiro “apático e alienado”. Ressinificando
esse conceito seria, na verdade, atribuindo sabedoria e astúcia desse povo que sabia que o formal não era sério, “sabia que a
República não era pra valer”(p.160). Nesse sentido, o bestializado
era quem levasse a política a sério,aquele que aceitasse as manobras de
manipulação do poder. Em contraponto, quem apenas assistia – como fazia o povo
do Rio de Janeiro em meio tantas transformações – não seria ‘bestializado’, mas
‘bilontra’. O esperto, o que da política colhe o que melhor lhe oferecer, omisso
da vida política por opção, este é bilontra de Carvalho, aquele que sabia que a
República era uma fantasiosa, ludibriadora e movida pelos que dela se
corrompem.
Pode-se por fim, diante dessa breve análise da obra de José Murilo de Carvalho, afirmar que diante do que foi apresentado ao longo do texto, infantilizar a República que ainda se iniciava numa cultura extremamente particular integrante de um povo que há quase quatrocentos anos sempre esteve alijado do processo político oficial e que, ao menos no plano teórico, começava a projetar essa participação política que, aos poucos, com a própria mudança de regime se construía resumindo-o a bestializados, parece-me equivocada por limitar as significações históricas dos movimentos populares delineados ao logo da história política do país. Trazendo a discussão sobre a cidadania, no sentido compreendido pela visão de que cidadão é aquele indivíduo politicamente consciente, é importante avaliar como essa característica se apresenta na cultura brasileira do inicio da república apresentada por Carvalho, e verificar as permanências e ressignificações desta compreensão até os dias atuais que insiste em estereotipar o brasileiro como um povo apolítico é bastante perigosa. É importante que nos perguntemos constantemente, como o refrão do Moraes Moreira quem é besta, tu?
Muito bom o título, e a resenha também. Ficou um pouco confusa no final, mas acho que é uma questão de redação, que poderia ser mais clara.
ResponderExcluirNota: 9.0
Este trabalho é de quem? João Lucas ou Aline? Por que tem outro trabalho postado por João Lucas...
ResponderExcluirOi professora, essa resenha é minha, Aline Cardoso. Eu não estava conseguindo postar com o meu login(até agora não sei o porquê), então pedi a João Lucas para postar minha resenha com o login dele. De fato, a conclusão ficou meio confusa, eu não reli antes de postar e não reestruturei. Obrigada e que bom que gostou.
ResponderExcluir